terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Onde está?

Escrevi uma mensagem que não era para ninguém, ou assim o faço na minha mente. A ser para alguém, seria para ti. Este dia é de solidão perante o mundo e tudo o que surge para além disso, é uma intrusão na intimidade desejada.

Digo perante a solidão, o que escondo da multidão: Sabes quando tens muito para dizer e ninguém para ouvir? Sabes quando achas que ninguém te é merecedor, porque no fundo ninguém te merece mesmo? No que julgas achar e onde estou agora, encontrarás algo que necessito. Preciso que entregues esse algo para que ilumine este caminho que percorro.

O que eu quero ninguém me pode dar, o que eu tenho, não é meu por não o desejar...

sábado, 27 de novembro de 2010

Ideias Soltas

O meu corpo pertence onde estou, a minha mente, essa pertence a lado nenhum. Nessa orfandade, no lugar onde deveriam existir as raízes da razão e existência, existe um leme que me leva a navegar sem rumo. A âncora aguarda o arremesso, no local onde o corpo e mente se reunirão novamente. Assim se explica esta dualidade!

"Onde está Deus, mesmo que não exista?"

Pela manha conheço o dia, pelo dia espero a noite. A noite espera por mim. Cansado de esperar para conhecer o verdadeiro eu..

O meu pai, o meu pai é a origem, o meu pai é o destino, o meu pai é a origem e o destino. Se não sou o meu pai, se não sou origem, se não sou destino, se não sei quem sou, então não sou para ser nada!

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

O prazo da fama

A fama não nos faz viver para sempre, apenas faz viver muito em pouco tempo, esvaziando de significado tudo o que resta, numa inconsequência de vida.

Intemporalidades subscritas pelas materialidades circunscritas a uma época, cultura e ideologia... Nada mais que isso!

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Rascunhos de um homem

Escrevo por escrever, sem nada querer, sem nada ser, por nada desejar, só por querer. Quando querer é poder, sem nada ser, por nada desejar, mais não sou que uma orgia de prazeres de despropositado egoísmo. Mas então o que sou, pelo que sou, para quem sou?

O melhor reflexo de um homem está no olhar de quem o ama e não num espelho. Olho eu então em meu redor, em busca do amor. Por certo o vejo, por certo o sinto. Amor de amizade, de pai e mãe, de irmãos, de família. Amor verdadeiro, amor de paixão. Em todos eles olho, em todos eles busco.

Tenho agora em minha posse peças, muitas peças. É como se o meu reflexo na água fosse captado numa ínfima parte do tempo, depois perpetuado em vidro e finalmente arremessada contra um muro. Esses cacos, vejo-os eu no amor que busquei. Metaforicamente sento-me, ciente que levará não uma parte, mas imensas partes ínfimas de tempo, até recuar do embate do muro, voltar ao vidro e por fim à imagem reflectida na água. Espero chegar a esse ponto, aí terei uma imagem não nítida mas ainda assim muito próxima do que sou.

Ainda procuro muitos desses caquinhos, até lá olho-me no espelho da rotina quotidiana e não sei que homem sou, mas seguramente sei o que quero ser.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Nascente de pensamento

As palavras ecoam na minha mente e rompem as barreiras do simples conceito, para iniciar um pensamento. Tal qual com uma gota se inicia o rio, que por sua vez vai alimentar o oceano, estas palavras singelas têm um efeito avassalador em mim e tomam uma dimensão sem igual.

Palavras feito frases, frases feito ideias, ideias transformadas em pensamentos. Desta vez a nascente surge sem aviso, sem saber de onde, nem como. Simples, tão simples, superando o primeiro ruído da comédia irónica e abstracta, surge um caminho mental que tem de ser percorrido.

O eco da minha mente devolve-me com as distorções da volatibilidade da memória: "Comer e beber, terei muito tempo para não o fazer mais!" Simples tão simples, numa concepção de fragilidade humana face à efemeridade da nossa existência, mas assente na lógica do presente.

Vejo esta figura no espelho. Curiosas as rugas, curiosos os primeiros pelos brancos no peito e na barba, curioso o baço do olhar. Meu tudo meu e no entanto como cheguei aqui? Quem sou eu e quantas refeições saltei? Sempre a assombração das incertezas, da dúvida do trilho percorrido, sempre o olhar para trás e nunca em frente, sempre...

O espelho já não consegue mostrar quem eu fui, mas a imagem do que serei é nítida. Quem eu sou apenas um apeadeiro sem importância nesta viagem. Quando perante ele me colocar e os socalcos das rugas transmitirem o agreste da vida, quando não restar um só cabelo escuro, quero que me mostre um brilho enorme nos olhos, podendo aí dizer: agora não preciso comer, não preciso beber, mais fome e sede não terei, estou pronto...

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Profecia

A criança que fui, o adulto que serei, e agora o que sou? No passado vejo-a, ainda a ouço. Pelas palavras não ouvidas, pelos gestos não vistos, ela disse-me e eu percebi. O que percebi é que um final me esperava, um final do qual não fugirei, mas que não devo procurar.

Assusta-me esse final, já me atormentou agora só me assusta. Resolvo retirar os espinhos que me flagelam e não é sem receio que espero esse futuro, desejando contudo que o futuro nunca venha a ser presente. No passado me ecoa a profecia, no presente esforço por eliminar a angústia.

Resolvo viver com os meus fantasmas. Pergunto-lhes muitas vezes, talvez não saiba ouvir a resposta, até saber perguntarei sempre: o que me é reservado? A pergunta soa-me sempre a deja vu, e ocorre-me outro olival e uma energia sem ímpar: "Pai, se quiseres, afasta de Mim este cálice, não se faça, contudo, a minha vontade mas a tua".

Não estou preparado mas estarei...

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

A Pedra

Caminho pela praia. Os meus pés servem os meus olhos, que por sua vez tentam deslumbrar o desejo da minha mente. Os ouvidos mantêm a uma distância prudente o emolduramento dos sons. As mãos aguardam a instrução de avançar.

Encontro mas não procuro. O que procuro apenas julgo saber. A sua forma, o seu tamanho, a sua cor, a sua textura, o seu peso, a sua temperatura. Não procuro o que encontro, mas encontro sem o procurar.

Concentrado prossigo, a mente ordenando, os olhos procurando, as mãos atentas. A forma está próxima, agarro, aproximo dos olhos, mas não é esta a pedra, no entanto carrego-a. Prossigo, uns passos adiante encontro um tamanho, mas não o tamanho. Caminho agora com duas pedras na mão. A cor, a textura, o peso, a temperatura, duas ou mais, nenhuma, quase todas, quase nenhuma; tudo próximo para ser encontrado e tudo longe de ser o objecto da busca.

Caminho agora pesado, as mãos feito gesto de embalar, vacilam no receio de deixar cair uma pedra que seja, num passo mais penitente dos pés. De repente fico estático, tudo parece conferir, a temperatura, o peso, a textura, a cor, o tamanho, a forma. Todas, tudo, será realmente? Os olhos clamam pelas mãos e as mãos questionam o que fazer. As costas cedem um pouco para trazer um pouco mais próximo do campo de visão, até que o ameaçar de desmoronamento das pedras que transporto, provocam a erecção. Os pés imóveis, as mãos cansadas mas obedientes, os olhos perdidos, a mente indecisa. A mente não se pronuncia, os olhos fecham, as mãos voltam a ponta dos dedos para o chão e os pés descem com o seu peito colocando-me sobre os joelhos. Prontamente abrem os olhos, imediatamente surge a ordem da mente para as mãos. Estas são muito rápidas, demasiado rápidas, os olhos não conseguem analisar tão rápido...

Onde está ela, onde está? Soterrada entre muitas parecidas, o que parece raramente é como imagino. Procuro, procuro e não encontro. Sei que está lá, ou será que sei mesmo?! Os joelhos clamam misericórdia, os olhos enublam de lágrimas que atraiçoam, as mãos consolam os olhos secando a água, a mente essa exaspera contra tamanha insolência. Já não encontro, mas também não procuro, caminho novamente só, caminho novamente eu!

O que custa sonhar? O mesmo que existir...

sábado, 18 de setembro de 2010

Sazonalidade

O Outono chegou antes de mim, sim ele chegou antes de mim. O Verão, o Verão esse chega sempre atrasado. Mas o meu Verão é agora. Olho em volta e todos se despedem dele e eu sinto-o chegar, sinto o calor aquecer-me a pele, vejo o sol brilhar, encho as narinas da leve, refrescante e inebriante maresia.

Estaciono o carro onde sempre estaciono, não tenho de concorrer por um qualquer outro espaço longe da praia. A paz que procuro na praia depende muito mais de mim, do que a lotaria das pessoas que se deitarão ao meu lado. As bolas que saltam, os miúdos que correm e lançam areia, os berros da música, a frequência aguda das gargantas humanas mais novas. Será egoísmo pedir tudo para mim, mesmo furando a sazonalidade do hemisfério norte?

As festas com dress codes, com guest list, com pulseiras; a actriz A ou B, a modelo X ou Y, o jogador da bola; DJ, engolidores de fogo, tanto me faz... Tudo isso foi-se porque o meu Verão não precisa deles. Para além de mim os outros figurinos encaixam-se na paisagem naturalmente, seja o pescador sempre de rosto voltado para o mar aguardando pacientemente algo da outra ponta da linha, que nem será um peixe. Ou os namorados que alternam passos atrapalhados na vergonha, com pegadas mais profundas na areia para um círculo de areia todo remexida, onde antecipo posteriormente abraços, beijos e segredos com juras do amanhã que morrem muitas vezes no hoje. Ou o individuo solitário que liberta gritos sufocados inaudíveis em que só se adivinha a pergunto do porquê no rosto, vezes sem conta, seja qual for o motivo da miséria tristeza. Ou qualquer outro interprete que merece tanto este Verão quanto eu.

Recuso o entardecer, pois esperei muito por este momento e mereço mais um pouco. Não quero ver o sol definhar, abençoo o por do sol com uma força só superada pela forma como amaldiço-o o por-do-sol. A sensação, sofridão, angústia de miúdo que tenta gozar os últimos momentos das férias grandes, poucos dias antes de regressar à escola. A coragem botada ao fracasso de tentar em poucos dias fazer tudo o que traçou de objectivos para aquele Verão, sair, passar tempo com os amigos, viajar, apaixonar-me, e tantos mas tantos sonhos e desejos...

Talvez o meu Verão esteja a partir e o Outono a chegar, e isso não posso evitar, não tenho é de cá estar para me despedir de um e receber o outro...

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Repulsa e atracção

Sou uma matéria entre energias. Insignificante na massa, insignificante no número mas com existência. Estou num campo de forças, num equilíbrio precário. Sou electrão no átomo, átomo na molécula. Reajo aos estímulos externos, ao calor, ao frio, ao amor e ao ódio.

Procuro afinidade entre protões e combato veememente electrões. Sou menos e quero mais, e do mais depende a minha estabilidade. Encontro-a a breves trechos numa escala de tempo não mensurável pela mecânica quântica dos tablóides. A ligação com o protãodepende menos da afinidade e mais da repulsa pelos outros electrões. Surge um estímulo exterior cai a ligação e fico de novo numa liberdade precária, que julgo conduzir quando não sou mais que arremessado. Acelero progressivamente, armazeno uma quantidade enorme de energia anímica vital, atropelo electrões, ignoro protões, sou imune aos estímulos exteriores.

A energia é consumida, fico desgastado, abrando. Sufoco, impludo, e tenho de escolher. Entre o combate e a união escolho a união. Nos primeiros instantes de tranquilidade, digo que estou farto de cargas, quero ser neutro, quero ser estável, quero sair da tabela periódica e ser representado como uma parte do todo e não como um todo que não faz parte de nada. Isso nos primeiros instantes.

O círculo recomeça, movido por vontades que não encontro origem. Penso, o que posso eu ser, o que posso eu fazer?!

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Despedida do desconhecido

Experimento a sensação da despedida, despedida de algo que nunca encontrei, de alguém que nunca conheci, do que nunca senti. Ainda assim despeço-me e no vazio cresce a saudade, a saudade do que nunca encontrei, de quem não conheci, do que não senti.

Tudo progrediu, tudo avançou, o universo expandiu. Dois pontos outrora próximos, estão agora afastados numa dimensão tridimensional enorme. Meço as distâncias pelo vazio que fica, pelo vácuo que surge, cresce e toma posse de mim, na minha mente, no meu coração, em todo o meu corpo em uníssono e me leva a um estado de ansiedade que me faz recordar o ponto de partida.

Retomo o domínio num exercício de cedências, de opções goradas ou bem sucedidas, pouco interessa. Não sinto arrependimentos, se não encontrei, se não conheci, se não senti, não me eram destinados. Porque teria eu de controlar o destino? O presente já me esgota energias.

Algures num horizonte temporal por mim atingível, me unirei com alguns pontos. Nessa rota de colisão preparo o impacto. É muito grande o vazio, muito grande a distância, uma implosão imensa que não estou certo saber conter...

Por ora deambulo e faço uma pausa na turbulência do mar de inquietações pelo qual estabeleci a minha rota.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Preso por um fio

Estranha esta harmonia que me traz num estado alienado. Perco tempo a analisar, tempo esse valioso para sentir. Conjugação de fenótipo e genótipo, num só estado de alma, dos dois lados, o de fora e o de dentro. Pareço o que sou, e sou o que sinto.

É como se a ilha por momentos tivesse uma ponte e essa ponte dois sentidos. Essa ponte já existiu, mas só me levava, não os trazia. Agora vêm até mim, até ao meu espaço e não me sinto despido, não me sinto exposto. Sinto-me sim curioso e demasiado desperto para sentir o doce conforto desta sonolência emocional, que me ameaça adormecer os sentidos.

Como que caminho no fio da navalha. Acrobacia de circo que me mantém no topo mas não afasta o que parece inevitável - a queda. Por palhaço que me tomo, no solo encontraria o meu meio e entre olhares para o alto, encontrava na sombra do campo de visão, o descanso e o anonimato que sinto o mais valioso dos meus tesouros. Agora olham no mesmo sentido, mas se o palhaço está no chão e eu cá em cima, significa que agora sou acrobata. Se sou acrobata as luzes estão sobre mim e as sombras parecem-me o doce embalar do conforto e o calor do peito materno, à distância da idade adulta que nos rouba o direito de sonhar sem a maldade.

Pergunto-me qual o meu problema. Parece tudo tão fácil, uma rede de segurança, uma ponte, tudo tão fácil... E no entanto qual o meu problema?

sexta-feira, 16 de julho de 2010

DJ de letras

Aqui estou, segundos após o mata desassossegos, ao som de uma bala que sai da cabeça, entra na espingarda, liberta o dedo do gatilho e retrocede a verdade da música, a um inconfundível grito de manifesta revolta. Ecos do passado que me insubordinam perante o que presente me apresenta.

Estou aqui, sim estou e os meus dedos respondem ao estímulo que não sei de onde surge, mas me encaminha rapidamente num percurso que libertará porções de descontentamento, porções essas ainda assim não saciam a voracidade do monstro, que cresce dentro de mim e se apodera da minha esperança.

Hoje há um sentido há este sentido. Letra após letra surge um alinhamento que me trás a tranquilidade momentânea. Questão de ritmo, de cadência, de imprudente partilha, ou desorientadora e ardilosa armadilha. Assim é a pauta, assim cresce linha após linha, frase após frase, parágrafo após parágrafo, ideia após ideia. Tudo se articula melodicamente sem arrogância de ser compreendido, sem o pretensiosismo de manifestar reconhecimento.

Passa a música que não é minha, mas à qual empresto a minha alma e a minha inquietude. Passa e eu ouço, ouço e não gosto mas toco e gosto de tocar. Em êxtase acelero para o final. Não aguardo manifestações, não aguardo correspondência. Talvez um comment aqui e além. Agradeço o esforço de compreensão, agradeço. Agradeço ainda mais o sentido de humanidade, da forma que eu sei e encontro.

São muitas as semelhanças, mas muitas mais as diferenças com um DJ. De diferenças julgo eu marcada a minha vida. As semelhanças essas, esgotam-me na procura frustrada. A música terminou, mas o meu corpo, a minha alma vacilam na insatisfação. Permitirei não, que o monstro se apodere. Não hoje, não agora, que me bastam estes poucos minutos a arrumar os discos como se fossem palavras.

Mata desassossego, dedo no gatilho, bala toma o seu caminho e aloja-se na cabeça... A last wish...

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Cinema Passadiço

A sala do cinema está vazia. Do lado de fora deambulo em redor da porta na decisão de entrar. A sala está vazia e a metragem que me espera, não guarda qualquer surpresa, não fosse eu o seu protagonista. Porque então não recuar?!

Transpondo para uma verdadeira sala de cinema, para um filme de verdade mas que de pouco encerra a realidade, segue-se a estória. Seria fácil numa pesquisa no google e recordo que se não está lá é porque não existe, para decifrar qual o filme. No entanto use-se a manta de retalhas a que a minha memória permite. Um tipo dentista, um amigo obcecado por sexo. Um mito urbano que surge em que ele seria a chave do El Dorado das mulheres, ou seja, após uma fútil noite de sexo com ele, aguardaria-as o verdadeiro amor da vida. A a "vilã" da estória, a bióloga desastrada, apaixonada por pinguins, que quase o mata no processo de o prender definitivamente à maldição do mito. Surge então a maldição, se ela se apaixona ele será apenas a chave que abre a porta e não a recompensa para lá dessa mesma porta. Entra na parvoíce, entra no exagero, sufoca e faz o que tem de fazer, liberta-a. O filme deixaria de ser quase real para ser mesmo real, se terminasse aqui, como tal de volta à sala de cinema em que roda o meu filme.

As relações amorosas, as mulheres. Acredito que nesta fase da vida nós homens, ou talvez apenas eu homem, no fundo buscamos ou busco na companheira, características e qualidades que só as nossas mães nos souberam dar. Seja o carinho, seja atenção que nos faz sentir únicos e especiais no mundo, seja olharem para nós como se fossemos os mais bonitos de todos.

Estou numa idade, que prefiro uma tarde bem passada com os amigos na praia a uma noite de futilidades e de caça para saciar a libido. Julgo que deixamos de nos preocupar com a barriga crescer, aliás ganhamos esse direito. A conquista desse direito surge pelo que vivemos, pelo que experimentamos, pelo dever de nos comportarmos como verdadeiros animais em época de cio, lutando com todos os meios para procriar e vencer os opositores.

Conquistado o direito, deveria prevalecer harmonia e equilíbrio. Focando atenção em aspectos mais realizativos e edipianos. Quando surge alguma parceira por entre o grupo de "velhos" machos, aparentemente vencidos, mas triunfantes na sobrevivência, vemos a nossa progenitora aproximar-se. É como uma infância que caminha para mim, a mão que passa no cabelo, o beijo que acalma a dor da ferida após o trambolhão, a palavra terna e calma que apazigua o espírito. E tratamos da nossa mãe, tratamos da nossa companheira, como se o mito estivesse em perseguição e esse súbito rejuvenescimento nos fugisse por entre os dedos da mão. Deixa aqui o mito de ser realidade, porque não é areia, não é água, é impossível segurar entre os dedos, porque não é material e esfumace, apenas existe na imaginação. Aqui termina o filme, ou melhor, prossegue no campo da ficção.

Tentei sair de mim para melhor me entender. Para lá chegar mais depressa nada com libertar bagagem. Não fosse o excesso deixado para trás o firewall, as defesas que me sempre me socorreram, num fundo a carapaça, e não haveria risco. Escorreguei ligeiramente e magoei-me. Instintivamente corro em sentido contrário do que tomara, só para chegar ao ponto de partida, onde o excesso de bagagem deveria ter sido a única bagagem. O meu corpo está alterado, a carapaça não me serve, com esforço ainda lá entro mas é desconfortável. Invadem-me dois pensamentos, ou fico onde estou aguardando em estado de vigília absoluta, até que o corpo recupere e retome a minha concha, ou devo prosseguir caminho. Prosseguindo caminho com a bagagem que antes libertara, o mais certo será novo tombo que danificará o casulo irremediavelmente; seguir sozinho é a opção mais arrojada, exige que caia inúmeras vezes até que no lugar dos hematomas, das lesões, das fracturas, surja um calo tal que me ajude a vencer.

Mas é um dilema, não tenho de o pragmatizar, quanto mais optar. Apetece-me sair da sala, não da pseudo real, mas a da minha película, mas o filme nem a meio vai. Porém num forward chego a um momento ainda longe do fim no qual surge:

O que amo perco.
Para quê então continuar?
Já te disse, mais não te alerto
Quero continuar amar?
Sim, não, já deverias saber
Porque não ficar por aqui?
Não, sim, só tens do ser.

A culpa é toda minha... "O único verdadeiro conhecimento atingível pelo homem, é que a vida não tem significados"... (tradução pessoal de Tolstoi)

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Pano de Fundo

Hoje,deveria ser sempre. Ontem não foi hoje.

Hoje,descobri o prazer da convencionalidade. Não é preciso agarrar um estrela com uma corda e puxar até alguém para a fazer sentir especial. A semana passada não foi como hoje.

Hoje, as lágrimas correram-me em silêncio e só a voz se ouviu. Descobri que a felicidade dos que me querem o melhor, supera a minha própria alegria, pois sem semente não há árvore e sem flor não há fruto. O mês passado não foi hoje.

Hoje, num pequeno gesto vindo da mão de quem devia receber e no final de contas deu, descobri o valor da amizade para a vida. O ano passado não foi hoje.

Quebro o espaço temporal, ano, mês, semana, dia e fica-me o hoje que não foi nenhum dos anteriores, mas esteve contido um pouco em cada um deles.

Hoje, este pano de fundo emoldura uma felicidade que me envolve, me contagia, me absorver.

Hoje, é só hoje, amanhã não sei o que será, mas hoje sinto-me mais próximo de mim, próximo de algo com significado, o significado da amizade, do carinho, do amor...

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Fórmula 32

Saudades das lágrimas que me correm pelo rosto. O seu calor, a sua forma, a sua velocidade, beijam cada relevo da pele, seguindo um rumo natural, sem criticar qualquer imperfeição e sinto-me abraçado, intensamente abraçado.

Lavam, sim lavam, pelos olhos saem e avolumam-se. No novo espaço que ocupam, tomam a incerteza de frustrações, infelicidades, tristezas, nostalgias ou simples ausências de sorrisos.

As lágrimas correm, eu corro. Como se estivesse numa eterna corrida, curva sobre curva, recta após recta. A sensação de já lá ter passado. Nas bancadas aglomeram-se amigos, familiares, simples conhecidos, trausientes, ou personagens que sabemos virem a tomar um papel nas próximas voltas. Acelero, abrando, perco terreno, ora estou em primeiro, ora em último. Glória, frustração, tudo se sucede num plano engendrado ao qual apenas sou um peão neste tabuleiro que é a minha vida, mas ao qual desconheço a força que move as peças.

Estou cansado, sem energia, vou às boxes. Arranco, sucede-se o habitual e nem a visão da bandeira de xadrez que assinala o fim de algo é suficiente para evitar que tente ver para além do asfalto, para além das bancadas, para além da vedação. Sinto, sinto a vontade crescer, sinto o combustível carburar num sentido que apenas significará seguir a estrada que me tira da pista para fora. Anseio sair desta circo de feras, anseio sair pista fora e seguir ao meu próprio ritmo, sem bandeiras, sem primeiros nem últimos, em que cada curva seja a primeira, cada recta única.

Já as sinto, sim sinto-as e que saudades eu tinha...

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Estória sem História

Uma estória que se conta mais pelo que não foi propriamente, do que pelo que foi. Ultrapassou-me a banalidade e esgueiramos-nos ao convencional e ao despropósito do que seria natural ser. Sendo-o, seria extraordinário e sim por diversas vezes o pensamento me inundou a mente e corpo, ao ponto de o desejar intensamente. Desejo que mais não serviria que satisfazer um capricho; mais um troféu na sala já de si repleta em que ao invés de esmero no tratamento, o pó se acumula.

Sim sorrio, sim de corpo e alma, mente e corpo, sim sorrio e sorrio por ti, sorrio por nós. Belo o caminho, bela a memória, atrapalhada e surpreendida a voz, delicioso o folar, extraordinárias as palavras, imensas as partilhas.

Talvez o nosso percurso tenha seguido caminhos separados, mas na verdade nem se cruzaram. Olha para o lado que seguiste tomar e vejo pegadas decididas, confiantes e felizes. Com confiança sigo o meu, pela certeza do teu...

"Enquanto não soube ao certo o que seria ou por onde iria, tu ajudaste-me a olhar em frente. Ofereceste-me em palavras o conselho embrulhado em dicas silenciosas, que me fez agir. És um dos responsáveis pela felicidade que acabei por encontrar. Hoje sorrio, hoje canto, hoje amo de verdade e sei que hoje tu sorris por saber como eu me sinto. É por isso mesmo que não podia deixar de te desejar um FELIZ ANIVERSÁRIO! Pela palavra amiga de um dia, fica o meu muito obrigada e os votos sinceros de uma vida longa e muito feliz!"


sábado, 22 de maio de 2010

Associações perdidas

É tarde eu sei. Tenho sono, sim o corpo diz-me. Não tem interesse, ok também é verdade, mas o que são verdades para além de notícias seleccionadas pelos media?!

Porque raio nunca vi alguém a limpar chaminés?! Porque há tantos autocolantes amarelos anunciar limpeza de chaminés em plena primavera quase a iniciar o Verão?!

A minha teoria, de nada importa, mas qual a importância?! Gays tudo gays... É legal mas a clandestinidade ainda movimenta adrenalina. Sem sujidade?! Significado muito óbvio...

Num dia, para não dizer semana, de pasmaceira sensorial apenas me apraz registar isto, o que já não é mau! A estória sem estória muito em breve. Sono muito sono...

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Masturbação de ideias

Está lá o desejo, o entusiasmo a emoção... É inadiável, algo impele a que seja feito, algo natura só possível concretizar de uma forma anti natura. Masturbação de ideias, de emoções, de linhas ejaculadas sem sentido, quando a falta de simbiose entre o ser e o eu, impossibilita uma relação harmónica.

Mas tenho, preciso... Vigorosamente primo os dedos contra as teclas, buscando um ritmo, uma harmonia a dois que não existem. Sinto-me chegar próximo, mas nunca me acerco. Faço um esforço, cerro os olhos, imagino o fruto do desejo e sinto novo vigor, nova coragem de avançar. Sinto próximo o orgasmo, mais vigor, o triunfo parece próximo, mas... Mas não é a mesma coisa, olhos bem abertos, mente alerta expondo ao ridículo a tentativa indisfarçada.

Ridículo, sou rídiculo. Tenho tanto aqui dentro, os testículos da mente transbordam de ideias, de emoções, de sentidos que não encontram sentido. Preciso de buscar uma forma, preciso ser encontrado, tenho de tirar tudo cá de dentro. Caminho pesado, força avassaladora que me verga no andar e que se esvazia no espaço quando tento agarrar entre as mãos, imprimir numa foto, perpetuar em palavras.

Pela pornografia tento lá chegar, mas nem os textos de outros me guiam e aumentam o estado de excitação ao ponto do orgasmo. Caminho num limbo que mais não é quem uma ânsia.

Atroz adversidade que me atormenta. Desisto, fecho-me, isolo-me...

Asfixia

Sinto uma força cuja a intensidade balança entre o sustentável e o insuportável. Por vezes sigo com a força, atrasando mas sigo, outras porém sinto-me arrastar para o fundo. Não respiro, debato-me incessantemente por vir à superfície onde os meus pulmões suplicam por uma lufada de ar. Consigo apenas o suficiente para manter a ilusão que alguma vez terei o o que necessito, ainda que com esta âncora que me prende e arrasta.

Paro, deixo-me arrastar, atinjo o equilíbrio, um equilíbrio no qual não há oxigénio. Ali, logo ali, tão perto... mais um esforço, mais um esbracejar e colocarei as minhas vias respiratórias em contacto com esse bem tão precioso. Mais físico, mais materializado porque a dor não é uma promessa mas o presente em mim, a força. Olho para ela, revolto-me, cresce em mim e canaliza as energias que me restam. Com fúria desejo lançar-me sobre ela, sobre a âncora, cortar este cordão umbilical que nos une, ainda que a liberdade absoluta venha tarde no tempo e o que me reste não me permita chegar à superfície.

Branco/preto, calor/frio, doce/amargo, ruído/silêncio, amor/ódio... Opostos como as faces de uma moeda, mas unos no significado da unidade. Talvez tenha de sentir algum de um, para ter o que desejo do outro, talvez... Talvez enseje algo que temo. Talvez as grades que me aprisionam, sejam de facto uma muralha que me resguarda do que me prejudicará.

Não sei, entre todos os talvez amaldiçoo-o a indiferença da decisão, não sei...

sábado, 8 de maio de 2010

Percursos inacabados

Ideias e mais ideias, percursos percorridos pela metade, na esterilidade da concepção inacabada pela imperfeição. Permito-me deambular nestas estradas de sensações em que o horizonte se esfuma na materialidade de uma miragem. Saio para me encontrar e regresso tendo-me perdido.

Doem-me as pernas, aquelas que me levam nestes trajectos, ou seja, dói-me a cabeça. Porque não paro para pedir indicações, porquê? Eu sei porque não o faço, não sei onde tenho de chegar, mas sei onde tenho de estar agora, porque o que interessa é o aqui e o agora. O agora é neste instante e o aqui um par de passos de onde me prosto.

É como se tudo que desejei ter, estivesse aqui, agora… Basta caminhar uns passos, basta esticar o braço. E se dou o último passo e se o meu braço percorre a distância que me permite agarrar, e aí? Aí o aqui e o agora, serão passado e em vez da minha viagem estar perto do fim, estarei a iniciar uma nova, porque não sei onde tenho de chegar, mas sei onde devo estar, não sei é onde estou…

terça-feira, 27 de abril de 2010

Invasões invisíveis

Sim estou aqui, não parece mas estou, aqui estou sim. Não preciso partir, simplesmente parto. Não identifico o início do processo, simplesmente parto, sempre o fiz.

Na solidão nada me prende, voo, derrubo fronteiras, supero a linha do horizonte, nenhum obstáculo me cria impossibilidades. A fuga é o radiador do meu equilíbrio exterior, de dentro para fora, toma forma uma imagem, cuja sintonia nem sempre alinha com o espírito. Os olhos voltam-se para o interior, a minha boca fala só para os meus ouvidos, o sabor esse é conhecido, e a pele, a pele fecha-se, torna-se impenetrável, uma armadura que previne qualquer intrusão e me permite a invasão.

Um dedo da mão, um dedo do pé. Depois o pé e a mão. Centímetro sobre centímetro, descolo do visível, liberto-me da forma exterior sem que esta se deforme. Eis que me espreguiço, olho agora de fora, olho uma outra vez e penso que apenas não me posso alongar demasiado, para que não percebam. Corro descalço, corro nu, levanto bem alto o joelho direito seguindo a direcção ascendente da mão esquerda, que se perde no alto do céu, impulsionada por um sorriso de infantilidade pura.

Cansaço que mais não é que equilíbrio, é o despertador que me traz de volta num percurso inverso ao inicial, em toda a forma metódico. Centímetro sobre centímetro, pé ante pé, mão ante mão. Verifico a forma como a luva que se encaixa nos dedos. Olho em volta; não entenderam penso eu, se entenderam:
"Estás bem?"
R: "Sim estou, estava distraído..."

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Alegoria da Caverna

"Sabes alguma coisa de filosofia? Podes dar-me explicações?" Foi este o ponto de partida para uma longa viagem nos confins do meu quase subconsciente.

Pelas minhas contas estava a sair da minha sexta hora de surf no fim-de-semana. Foi extenuante, desgastante, mas imensamente compensador a todos os níveis. Um sentido de rendição física e mental à força dos elementos, do mar, da água, do ar que pesa a sair dos pulmões, da gravidade que nos cola ao chão e torna o simples acto de levantar um pé após o outro, uma manobra similar aos passos do Armstrong na lua. Vindo do nada, o miudo dispara estas questões e ainda para mais na minha direcção.

Teve o mérito não de me trazer à realidade, mas de me lançar numa torrente de pensamentos. imediatamente uma imagem se compôs na minha mente. Escuridão, humidade, gemidos humanos, sons horrendos, ou talvez apenas trevas.

A percepção que temos, que tenho, é uma visão distorcida da realidade. Distorcida pelo que nós fomos, pelo que somos, por quem e pelo que nos rodeia. Assim sendo cada qual deveria ter a sua visão única, impossível de contrapor com todos os seres com que nos cruzamos. Sinfonia visual de figuras imperceptíveis.

Haja alguém que esfregue os olhos, se levante e enfrente a luz de frente. Com ela chegará a forma genuína, os contornos físicos... Se não for partilhada na coragem, será uma clarividência isolada que nada mais significará que qualquer uma das outras visões.

Se Platão e Decartes, por intercessão divina se encontrassem, diria o último: "Não existem métodos fáceis para resolver problemas difíceis!"
Ainda nem cheguei à fase de perceber quais os meus problemas, o meu demónio enganador não me permite...

"Não puto, não percebo patavina de filosofia. Fala-me é daquela esquerda que entrou e partiu o coco aos avec's armados em burros..."
Há coisas que só devem ser partilhadas no escuro da nossa solidão!

P.S.: Agora teria respondido: "Puto lê o livro O Mundo de Sofia."

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Mais do que uma viagem

Viajar mais do que uma fuga, sempre foi uma perseguição de sentidos nos quais melhor me encontro e defino. Tenho levado alguns dias a absorver as sensações da última viagem e não é fácil a distância a percorrer, que me separa de uma percepção nítida do que sinto.

Não sei onde começa, não sei onde termina, se é quente, se é frio, ou se tem mais de bom que de mau. Um prato de esparguete com várias pontas, sem que perceba por qual puxar, para esvaziar o prato e saciar a minha fome de entendimento.

Pondo alguma estrutura no diálogo monolizado, tinha apenas 7 horas de sono após uma privação de 43 horas e o telefone teimosamente toca, quando avisara que não iria trabalhar nessa manhã. O motivo, na semana seguinte esperavam-me na Polónia. Pela primeira vez recebo a notícia de uma viagem numa sensação visceral de atordoamento, arrepio na espinha e acelerar do coração, ao que poderia chamar de pânico.

O motivo, em traços gerais que não chegam para desenhar um quadro seja ele cubista, impressionista ou de qualquer outro movimento artístico, é muito simples. Não quero falar mais da minha experiência pessoal, tanto que o frio penso que todos o sentimos, o medo, o receio, a angústia, de uma forma ou outra é vivida em formas idênticas, mas doses diferentes. O vulcão, os aeroportos, as pessoas que por tudo tentam regressar a casa, e se deparam com algo que contraria o adquirido e coloca em causa as certezas que trazem conforto ao quotidiano. Também eu lá estive, também eu vivi a incerteza de voos cancelados, de viagem de carro malucas, de horas mal dormidas, de refeições frias fora de horas...

Há uma altura que rendido à fadiga, cansado, exausto me deixei levar. Foi o momento que mais me senti em sintonia com o que me rodeia. Mais intensamente sentia os outros, entrava na mente deles, sem bater à porta. Estava deitado no chão do aeroporto como tantos outros, via novos, velhos, mulheres, homens, de todas as cores e credos. Correria infernal entre placard de informações e bancas das operadores aéreas. Boatos de abertura de um voo, malas ao abandono, choros, desespero, rendições. Todo o ar fervilhada de humanidade, não havia máscaras, o mais ancestral do homem estava bem patente, tudo era visceral, fosse o odor de pânico, o suor escorrendo no rosto, os olhos raiados de sangue e cansaço, a linguagem corporal dispersa nas tremuras das certezas perdidas... E no entanto tudo se movia em estranha harmonia, como se cada indivíduo fosse uma célula de um todo maior, que era um organismo vivo de vontade própria.

A tentação foi grande, num gesto lento com receio de afugentar a "presa" e estragar o momento, inicio um movimento intuitivo e diversas vezes repetido, movimento que me coloca na mão a "arma". Disparo uns quantos "tiros" vejo pelo pequeno visor e perdeu-se algo. Tento novamente e volto verificar o resultado. O sucesso é relativo, guardo a arma, percebo que apenas consigo captar um flamingo e não o bailado de todo o grupo. Como outras vezes, a melhor imagem sinto-a na minha pele, nos meus olhos, na minha boca, nos meus ouvidos, no meu nariz. Recuperei algumas energias e juntei-me ao bailado, afinal de contas era regressar que eu queria.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Unicórnios e Moínhos de Vento

Porque terá o dia de começar quando acordamos? Decidi que o meu começa quando me deito. Assim, no último dia, neste dia, pouco antes de fechar os olhos, regressou à mente um pensamento de um passado recente: "Por uma vez queria ter algo mais na caixa de correio para além de facturas a pagar e publicidade!"

Entre livros, sacos de compras, mochila do ginásio e chaves, vejo-me forçado a "carregar" a merda das contas e publicidade de coisas que me querem fazer acreditar que necessito.

"Já passou mais um mês?! Pensava que tinha aderido à factura electrónica." Carrego no elevador, deixo cair papeis, apanho-os; cai outra merda qualquer, não importa o quê, mas raios me partam se não é alguma entidade que está a pregar-me uma partida.

Empurro a chave pela porta, consigo rodar qual acrobata de circo a segurar tudo nos braços. O tapete já sabe o que o espera, lanço tudo sem apelo nem agrado por cima dele. Fecho a porta, descalço-me, respiro fundo: Estou em casa.

Video porteiro tem aquela luzinha que assinala que alguém tocou. Quem será?! Não sejas parvo (penso eu na cama), deve ser algum fiscal para ver os contadores ou o gajo da TV Cabo.

Há aqueles que perseguem um unicórnio toda a vida e há os que contra moínhos de vento lutam. Não sei qual o meu unicórnio e não sou nenhum nobre que no último dos sacrifícios abandona tudo quanto tem para combater o mal onde ninguém o encontra.

Sem moínhos e sem animais mitológicos, preferia ser o Sancho Pança, que seguiu o seu mestre num sonho e numa batalha que não era a sua, ou seria?! Eu sei onde quero que a vida me leve, terei a coragem de a seguir?

O meu dia está mesmo mesmo a começar e eu tenho tanto sonoooo...

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Final de uma adopção

Com enorme satisfação recebi as novidades, uma alegria pura e contagiante. Antes disso... Foram alguns anos de companhia, de mimos, de intencionalidade parental, de uma presença marcante. Durante muito tempo foram papás adoptivos, oferecendo conforto e tranquilidade, para além de comida e cerveja claro...

Não me permito alongar muito mais, hoje é marcado o fim de um círculo deixei de ser filho adoptivo, a notícia foi-me dada como estando um mano a caminho, ao que prontamente disse que preferia ser tio e não irmão. Com comoção viro a página, com a certeza que fui um bom tubo de ensaio para os desafios que estes jovens pais terão de enfrentar nesta aventura que se chama paternidade.

Não resisto a partilhar um dos emails que lhes enviava...

"Queridos pais adoptivos:

Ontem apesar dos vossos receios, portei-me muito bem no Azurara Energie 2008 e deitei-me nao era muito tarde.

"Aquilo" estava muito cheio, com meninos na generalidade mais novos que eu. Alguns devem ter comido coisas estragadas porque vomitavam muito, logo não toquei na comida...

Outros hoje não vão comer sobremesa à refeição, porque se portaram muito mal e beberam muito. Eu bebi pouco...

Havia ainda quem se estivesse doente, mas bastava tomarem um comprimido que ficavam logo curados, com vontade de dançar e com muita sede. Felizmente não precisei de nada...

Por todo o lado vi a malta a destruir cigarros. Felizmente que sabem que aquilo faz mal. Estranho é que depois queimavam umas barras cor de chocolate e enrolavam novamente. Tinha um cheiro esquisito. Acho que fiquei enjoado, não como mais chocolate...

Mas o que mais gostei foi de ver muito a fazer bulhas na areia aos pares e no final ficavam abraçados, penso que por causa do frio. Não brinquei com ninguém para não sujar a roupa...

Estavam a dar palhinhas, mas eram muito curtas para beber. Na embalagem das palhinhas tinha uma imagem que mostrava que era para meter no nariz, deve ser nova moda. Tentei mas não gostei, magoava..."

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Os primeiros passos

A imagem invade-me como se o ontem fosse presente. Ela cambaleava desgovernadamente pelos corredores da escola, sendo os olhos a única parte sóbria do seu organismo rebelde, sóbrios numa autonomia que implorava socorro. Ela a minha professora de Filosofia, a tirania uma doença, Esclerose Múltipla. Dos pergaminhos dos livros de Filosofia, ela a professora, ressuscitou em mim o desejo de escrever. Não questionou a forma como opto expor o que pretendo, não foi pedopsicóloga, simplesmente contemplou e limpou o caminho do sim, que me permitiu seguir o meu trajecto.

Recuando um pouco mais, para as primeiras letras escritas em papel para corrigir a ortografia, mas que disciplina alguma trouxe às formas que a minha mão direita sempre foi desenhando. “Não tinha ninguém, estava sozinho”, assim terminava a minha composição da terceira classe. Texto surpreendente de uma maturidade impressionante disse a professora aos meus pais. O vendedor de castanhas, as cores do Outono, o frio, as crianças que passeavam com os pais. Era só uma criança e as crianças têm de sorrir… Obrigaram-me a reescrever a estória, onde alguém comprava um cone de castanhas e o vendedor ainda sozinho, estava agora feliz.

Os anos passaram, outros registos se sucederam sempre com tentativas de perceberem o porquê de algo tão cinzento nas palavras que tomavam como minhas, mas mais não eram que meras escolhas enumeradas em simetrias mais ou menos conscientes.

Houve uma revolta, fora acusado de plágio a forma apaixonada como descrevia campos de batalha, a febre irracional de violência dos homens, a frieza comovente de soldados esventrados chorando lágrimas de criança chamando a sua progenitora, a infâmia da violência sem motivos, tudo me valeu uma ridiculização. Em momento algum me esforcei por negar os factos porque era acusado, já no passado o fizera e de nada me valera, apenas questionei se estava bem redigido e se visualizaram. Seguiu-se um silêncio, para mim foi o bastante… Obrigado à jornalista por ter acreditado, obrigado por me ter defendido, mas não era necessário. Ela, a jornalista marcou uma decisão da minha vida, não iria seguir letras na faculdade, porque não me iria defender nunca, mas as batalhas decorreriam como decorrem na minha mente e só eu decido se dou uma vida fora dela ou não, pela escrita.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Nome de Código: Tuga

Foi escrito já algum tempo mas continua muito actual, se haverá algum dia que o deixe de ser...

Podia ser uma frase de incitação a um anúncio publicitário de um desodorizante, que não vou referir o nome por razões óbvias... Não me lembro do nome...

Mas então e se um desconhecido te oferecer flores?

1) Pedes-lhe também uma jarra para as colocar
2) Pensas: finalmente o esforço do ginásio está a dar resultado, o rabo nestas calças e as mamas neste decote ja fazem estragos
3) Gritas: socorro acudam-me estou prestes a ser atacado por um freak
4) Olhas para o lado e finges que não é contigo e se não resultar dizes que não tens trocos
5) Ainda não pensaste sequer numa situação dessas.

Pois é, perdi algum tempo a pensar nisto e a minha aposta de maioria de respostas não é animadora.

Façam o exercício ao contrário e coloquem-se no papel de quem oferece as flores. Pensem o que vos motivaria, pensem na coragem que requer abordar alguém. O que custa ser original, ter piada, tocar nos pontos certos e porquê o fariam. Por causa de um simples sorriso, na forma como ela afasta o cabelo da frente dos olhos, pelo olhar...

A minha frustante revolta aumenta quando penso na mulher portuguesa, que eu energeticamente designo por TUGA. Odeio quase tudo na postura da TUGA, quase tudo. A mulher TUGA nunca usaria a primeira resposta, NUNCA!

É viajar um pouco para perceber a diferença que é muita...

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Onde Vais???

"Onde vais?" Recordo-me eu de ter ouvido e pensei: onde fui?!

A necessidade de impressionar o chefe, não pela relação hierarquica, mas pela pessoa, pela experiência, pelo trajecto de vida saiu hoje abalada. Digo: cuidado que escorrega!

E saio disparado para o carro tentando evitar a chuva. Contorno a traseira do carro e dou o tombo da minha vida... Ouço: "Onde vais?!" Tão depressa caio, como me ponho a pé e um estrondoso FODA-SEEEEEEEEEEEEEEE ecoa pelo mais profundo do meu ser interior. na boca só se vê um sorriso.

A cena já é lamentavel o suficiente e é agravada por ter sido assistida por dezenas de pessoas, que viram a sua refeição ser coroada com um idiota que se espalha ao comprido numa merda de uma poça. Olha e penso: "QUE CARALHO DE MERDA, nunca mais cá venho almoçar!"

O balanço mostra um cotovelo toda amassado, todo o corpo do lado direito dorido, mas pior que tudo, e isso não há soro fisiológico nem betadine que cure, a dignidade destruída...

Chego ao gabinete, oriento um polo, umas calças de trabalho da empresa 4 numeros acima; meto papel para nao sentir a humidade dos boxers molhados; respiro fundo e penso em trabalhar e passar as 4 horas que me faltam para o fim-de-semana. Levanto-me e o gozo total, desta vez pelas calças. Pareço um palhaço, dizem eles. Penso para mim: PUTA QUE PARIU hoje não é mesmo o meu dia!

Caso para perguntar: "Onde vais?!" Ao que responderia: "Se soubesse, se soubesse..."

Onde vais?! Poderia simplesmente ter terminado assim, mas não...

Começa o meu dia finalmente, são 18h! O habitual berro interiorizado ao cumprimentar os vigilantes de serviço e passar o portão das instalações.

Sucedem-se as ideias do que fazer. Apesar de magoado fisica e mentalmente nada me pára, afinal é sexta-feira e eu "estamos eléctricos". Eis que reparo na indumentária... Calças com faxas luminosas, risca ginásio, risca qualquer lugar social... Porquê não sei.

Amuado recordo-me que posso ir levantar novo livro; esqueço-me da indumentária e entro alegre pela biblioteca dentro. Olhares cruzam-se e apontam num só sentido, espera lá é em mim. Procedimento como fiz várias vezes e olham na mesma. O livro que quero está requisitado. Começo a ficar irritado, resolvo "atacar".

Kafka tem?
B: Isso é?
Literatura checa.
B: É para si.
Não é para o meu filho. Ainda só lê esta literatura ligth mas qualquer dia já lê o mesmo que eu. (esta confesso não disse)
(em vez disso) Sim, "O processo" de Kafka pf.

Ainda me recordo de tecer algumas considerações do "metamorfose" que "odiei mas que apercebi no final que me tocou de forma única e inexplicável, mesmo repugnante e que penso ser essa a vontade do autor". Podia ter falado na traição do amigo que publicou os 4 livros após a sua morte contra a sua vontade... Não foi preciso, o que aparenta não é - ficou bem evidente.

Corrida "forte a forte", excelente música, o corpo não reclama. Termino, encho os pulmões de ar, de mar, de iodo e sou brindado com um fabuloso por-de-sol e ninguém com quem partilhar. Melhor assim...

Igual ao por-de-sol que a "coisa insecto" via do seu quarto e que lhe trazia significado!"

quarta-feira, 31 de março de 2010

Alma Emprestada

Como eu gostava de ser poeta... assim começa um poema de Manuel Quintella e Sousa!

Tropecei neste livro e achei que precisava de o ler. O livro esse, "Dias sem Sol", é muito mais que isso. É a alma de alguém. Por ele sei que o poeta ficou orfão ao 5º dia, quando Deus só descansou ao 7º. Sei que, perdeu a rosa com quem se entrelaçava ao vento, com quem fazia amor metafisicamente, por quem deseja todos os dias que a morte o leve para junto, a quem a cama é o mesmo que uma campa, tamanho é a solidão e a frieza.

Sinto invandir a vida deste indivíduo, como se o futuro estivesse retido no presente que já é passado. Página a página, poema a poema, palavra a palavra, sentimento a sentimento, sensações familiares, medos únicos, ansiedades muito minhas. A alma roubada é a minha afinal.

Quem me dera ser poeta e mandar aos 4 ventos o que me corroi internamente e com isso conquistar a paz que teima em me atormentar.

Empreste-me o poeta a alma e diria por palavras que não são minhas, mas que possuiria por próprias:

in Dias sem Sol, "Sinto-me Só"
"Sinto-me só, abandonado,
Como aquele que perdeu o autocarro,
Sinto-me como o mendigo
Que escolheu o local errado,
Sinto frio, vindo de dentro,
Sinto aquela mão,
Que não me dá alimento,
Sinto que vivo, por viver,
Sinto que vejo, só por ver!
Sinto que sou o palhaço
Sem circo, sem público,
Sinto que me esgoto,
Que me gasto,
Sinto que só falo
Quando estou só,
Sinto que me vejo
E até a mim meto dó,
Sinto que sinto
O que já não sinto,
Sinto que já estou por tudo,
Sinto que falo
Só porque não sou mudo
Sinto isso tudo,
Mas matem-me, ao menos,
Porque não quero estar só
no Mundo!"

Manuel Quintella e Sousa, com a tua alma entendo melhor o que dentro de mim transporto e por isso o meu muito obrigado, ao poeta, ao filho, ao amante, mas acima de tudo ao homem...

sexta-feira, 26 de março de 2010

New York

Mais de semana e meia volvida do regresso, com um saltinho à Las Ramblas pelo meio, onde a energia e vida de uma cidade, à data pulsante mas que agora se move vagarosamente na minha mente, e ainda sinto na pele a chuva que molha os sentidos, os sons que despertam a mente, os vultos dos edifícios enormes que entorpecem as sensações, a simpatia do arco-íris de pessoas que perturbam as emoções...

Como um filme, um mundo à parte, sem descrição, tantas são as definições simplistas e muitas vezes ouvidas que descrevem parte do que a cidade nos devolve. No meu caso não devolveu nada, porque nada levava de expectativas; no meu caso despertou...

Já diz a música, a cidade onde as ruas nos fazem sentir bonitos. Fazem sentir-nos bonitos, diferentes, iguais, especiais. Há espaço para todos, é multicultural, há oportunidades únicas nas quais encontramos não só um pouco de nós como do mundo.

A distância seja temporal como física não apaga as sensações. A poeira que se levantou e me deturpava a visão está a assentar, ficando a impressão marcante que recolhi, impressão essa que não se apagará. É uma presença nos sonhos, é uma presença acordado, manifesta-se em diversas situações da rotina diária, originando um sorriso indisfarçável.

É um mundo e é a nossa aldeia, onde as pessoas param simplesmente para nos darem um olá ou perguntarem se está tudo bem e em seguida oferecer ajuda. As pessoas marcaram imenso, o nova iorquinho surpreendeu a níveis aos quais não estou já habituado quando a surpresa sendo positiva, vem de outros seres humanos.
Talvez estas linhas tenham sido escritas cedo demais. Talvez precisasse de deixar assentar devidamente a poeira antes de expurgar esta tosse que me aflige com o medicamento que são as palavras. Mas rudimentares são as palavras, como as figuras do homem das cavernas, para ilustrar a grandeza com que ele vê a caça e o que o cerca, como presa fui no emaranhado de sensações em que me envolvi em New York...

sexta-feira, 19 de março de 2010

Suspiro

Quando alguém surge
É quando mais só me sinto...
Perco aquela que é a minha melhor companhia,
A Solidão...

Porque dizemos adeus,
A quem nunca chegamos a dizer olá?
Será porque é mais simples
O adeus que o olá?

Nunca fui bom com despedidas
Mas desaprendi a dizer olá...

quarta-feira, 17 de março de 2010

Aconchego dos sentidos

Mergulhei numa orgia dos sentidos. Volúpia intensa rematada pela pele, pelo olfacto, pelo paladar, pela audição; percepção que escapa aos olhos...

A visão, essa faculdade do ser humano, habituada a ser personagem principal, que nos devia mostrar o mundo como ele é, mas esconde o que se esconde para além do cheiro ensurdecedor prostrado perante os olhos.

Enganei-a, enganei a visão. A receita é intransmissível, não pode ser replicada. Os ingredientes banalizam o resultado. O corpo está exausto, os músculos comprimem num latejar, não de agonia mas de concretização. O coração brada a sua força a cada recanto e a cada célula do meu organismo. Os pulmões dizem presente, fomos capaz de acompanhar... Sucesso individual, transportando o colectivo para excitação plena de equilíbrio. Como sempre falta algo...

Incenso, temperatura, amplitudes, som, velas, água, algodão "sedoso"... Fecham-se os olhos. Mergulhar num emaranhado de sons, cheiros, percepções da pele. Sem esforço o som da respiração progressivamente sobrepõe-se, desencadeando um fluxo de energia que se propraga como um tremor de terra suave mas avassalador. Os dedos dos pés, as pernas, o abdomen, os braços, o pescoço, o rosto, os cabelos. Emergir num espaço intemporal e plasmático. De novo em uníssomo. Transformação de dentro para fora. Venha o universo contido naquelas paredes.

Não há entendimento, não há percepção, o que há é um som que vibra no corpo, odores que abraçam o ar em teu redor, ondulando lentamente em direcção ao nariz; a pele transforma-se numa imensa antena parabólica que capta cada estímulo, cada mudança de temperatura, cada gradiente de pressão. Tudo como uma parte, mas uma parte do todo...

E a visão? A visão está lá mais atenta que nunca, a fazer o papel que realmente é o dela. Lentamente os outros sentidos convidam-na a juntar-se à tela. Abrem os olhos, mas, mas, mas... O que é tudo isto? já cá estava? Nunca vi um vermelho assim; formidável as sombras criadas pelo ondular do fumo da vela, e o brilho da água a correr, mas, mas, mas...

Esteve sempre lá, está sempre lá, só saber como e deixar os sentidos aconchegarem a alma!

segunda-feira, 8 de março de 2010

Morreu... Ela morreu!

"Morreu... Ela morreu! Mano?!" Talvez as palavras mais difíceis de dizer na minha vida. Corri, na minha mente as ideias atropelavam-se, os sentimentos ameaçavam retirar toda a energia, mas não podia parar, tinha de continuar, tinha de chegar a ti, tinha... Lá fora ouviam-se gritos histéricos, não se percebia se de alegria, ou de desespero, pois agonia e alegria vivem tão perto da nossa alma; num instante se acercam e cometem a sua tirania, tal qual vizinhas bisbilhoteiras.

Saíste do banho, não me lembrei o quão frágil estavas, queria abraçar-te e mentir-te. Passaste tanto, porque tinha eu corrido tanto, porque tinha de ser eu o portador?! "Morreu... Ela morreu!" As palavras saíram-me cuspidas da boca e entrei em choque, nem de respirar tenho memória. De toalha caída, apenas segura pela mão, olhaste-me como não consigo descrever, mas não havia ódio, não havia raiva, não havia chama, não havia nada; havia apenas um assentir que fiz o correcto. Passaste por mim, quis novamente abraçar-te mas... Vestiste algo, saíste para o barulho da vizinha que já sabias não ser a vizinha menos má. A tua mãe abraçou-te, a mãe dela abraçou-te, beijaste ambas, eu olhava...

Eu olhava, tu estavas na cama, não falavas, não tinhas fome, não tinhas sede, não sei para onde olhavas. Tinha medo mas ainda assim aproximava-me só para ter a certeza que respiravas. Foste ao funeral. Seguraste o rosto dela com ambas as mãos, tomaste o teu tempo, beijaste-a e tomaste o teu lugar na fila dos murmúrios. De todos aceitaste as condolências, nunca choraste. Duas semanas ficaste na cama, não falavas... Eu gritava: "morreu... Ela morreu!" Agora ouvias e eu não falava. Não abracei mas quis tanto.

Foi minha a tua raiva, a tua cólera, a tua indignação, o teu ultraje. Repugnei Deus, porque teria ele feito isso. Porque te fazia sofrer tanto. Só a salvou quando te quis matar, para poder castigar mais tarde. Não devias ter sobrevivido, não podias, ninguém sobrevive, enganaste-o, ele não poderia deixar passar imune. Passaste tanto e nem por uma vez te ouvi dizer, afasta de mim este cálice. Bravamente lutaste.

Vi-te ligado a máquinas, desejei que elas se calassem para que te pudesse ouvir, mas apercebia-me que se elas parassem morrias. Via-te ali deitado e ouvia os médicos dizerem que tínhamos de estar preparados e a cólera, a raiva cresciam. Eu também não chorava, não te queria envergonhar. Venceste, apeteceu-me perguntar se estavas orgulhoso de mim, não o fiz...

Ela esteve sempre lá meu irmão, em todos os momentos te segurando a mão, te arranjando o cabelo, te dando comida. Tanto carinho no olhar dela, tanta devoção, tanto amor... "Morreu... Ela morreu!" Deus não te castigou, eu sei que não te castigou, quero pensar que não, quero pensar que a foice falhou o centeio na primeira passagem, mas teria de passar na segunda. Penso que a pessoa que te amava, que te segurou a mão, penso que ela, eu quero pensar, eu quero acreditar... Penso que ela trocou de lugar contigo quando a foice passou, para que as máquinas se calassem e eu te ouvisse finalmente.

Dois meses passaram, tinhas chegado do hospital, onde estiveste quase quatro meses. Parecias recompor-te. Ouvia gritos, corria, corria. A tua mãe, a nossa mãe gritava, tu não falavas, tu não comias, tu não bebias, não precisei de me aproximar para saber que não respiravas. Mas a foice já tinha levado o centeio... Conclui a corrida, segurei-te nos braços, fiz tudo o que aprendera. Não sei quanto tempo levou, mas ambulância tinha chegado, podia deixar-te já respiravas. Desculpa, não consegui ser mais forte, chorei, vomitei, fui fraco.

As máquinas, novamente as máquinas. Tinham-te de operar novamente. Oito horas, abriram-te a cabeça, o nariz, os olhos, os teus lábios, todos se juntaram ao teu pescoço. Arranjaram-te, arranjaram o que podiam. Tiraram cabelos e vidros da tua cabeça, não devias estar vivo, ninguém sobrevive aquilo. "Lamentamos". O meu irmão não pode morrer ele não vai, por favor não vás. Fugi dali, berrei gritei, chamei-O filho da puta. Não morreste.

Foram mais meses de recuperação, foi a miquinhas que também partiu para resolver as coisas do outro lado de cara a cara com quem decide estas merdas, foi o nosso maninho que também se aproximou da foice. Não te vi chorar, não te tenho na mente a chorar. Perdeste visão, audição olfacto, mudaste a personalidade...

Quantas vezes estou sentado a teu lado e penso como será que tu consegues, e grito na minha alma: "Morreu... Ela morreu!..." E porque não te abraço?

sábado, 6 de março de 2010

Capitães de Areia

Pedro Bala, Professor, João Grande, Dora, Sem-pernas, Gato, Boa-vida, Querido-de-deus, Volta-seca, Pirulito... Miúdos de rua da Bahia, meninos feito homens que superam a ausência do carinho de uma mãe, de um adulto, a fome, a violência, a miséria, de uma só forma, ripostando com mais força...
Superada a inicial relutância na leitura desta edição em português do outro lado do Atlântico, mais por uma questão de estranheza que qualquer falso puritismo linguístico, vejo-me mergulhado num universo muito confinado que Jorge Amado tece ardilosamente.

A forma como os meninos são apresentados um por um, numa casualidade que só encontra justificação na assertividade da escolha do momento oportuno. A forma como entendemos o grupo como o conjunto dos meninos, sem que perca o espaço do indivíduo em si e por si. O final é o possível, estando a falar do final há tanto no início que ainda sinto versatilmente na minha mente. Uns vencem, para outros a questão da vitória é pessoal, mas todos cumprem os seus desígnios.
É uma crónica social brutal, dura, humana na sua mesquinhez, ingenuidade de sentimentos, na propensão sanguinária, mas acima de tudo real. Choca, pela impunidade da maldade pela passividade da autoridade, do clero...
Cada menino transporta inseguranças minhas, medos, receios, mas também orgulho, teimosia, espírito de sobrevivência, sentido de justiça...

A palavra escolhida seria coragem, coragem dos miúdos, coragem de continuar a ler o livro, coragem por não recear sentir!
Certo que lá chegarei, sem mais desculpas...

sexta-feira, 5 de março de 2010

Pausas pautadas

Give me a fucken break, kitkat moment, o que for preciso. Se isto é como andar numa montanha russa, porque raio esta descida não termina? Será que há mesmo nova subida?

Posso pensar que caminho
Mas é o solo debaixo de mim que se move,
Posso julgar que conheço
Mas tudo o que vejo surge reflectido num espelho!

A parvoíce prospera
A insignificância do desprezo invade-me.

Não sei
Não duvido
Não questiono
No entanto sei, duvido, questiono.

Realidade distorcida
Ânimo hipotecado.

"Yes we bellieve"
"O tio está demente"
Quero acreditar
Não quero tios dementes.

Não me faço ouvir
Então não merece que fale.

Relatividades, Einsteinices
Quantico, sem anti matérias
Eclético patético poético (jorra no micro)
Vidas são vidas.

Não resta magia
Pestanejo e a água não pára.

Já pautei,
Entrei no tom
Posso entrar no ritmo do universo
Exercício egoísta.

A pausa terminou...

terça-feira, 2 de março de 2010

Triste sabor de alegria

Tristeza, alegria?! Há algo que reside no meio, não sendo o meio uma distância que se mede entre dois batimentos do coração... O trajecto de um ponto ao outro é rico, é poderoso, equilibra. Melancolia é a minha medida, onde meço quem sou numa assimetria desconcertante que me deleita descobrir.

A melancolia é o casaco que não deixa entrar o frio, luz que não deixa chegar a noite, o açúcar que adoça as lágrimas, a música que se sobrepõe ao ruído, a cor que sorri no vazio. 

Reside no meio, o que significa que a percorro no caminho de uma para a outra. É um jogo monopólio, com casa partida e casa chegada. A melancolia é a mesma, é luto, é preparação, é a marca de um fim, é o propósito de um princípio.

Estou exactamente no meio num sítio onde nunca antes estive. Faço o luto e preparo-me, é estranho... Se escolho um passo para a direita, direi que resolvi; se a esquerda for escolhida, significará que é o momento... Não posso simplesmente ficar no meio?!

Peço à solidão que me ajude, pois a melancolia me exaspera... Mas não tenho casaco e sinto frio, está escuro e é noite, sinto sal na boca, o ruído ensurdece-me, tudo cinzento...

segunda-feira, 1 de março de 2010

Farol de Sonhos

É noite, são noites. O singular e o plural, um só e todos. O começo não importa o final esse sim marca a diferença. Adormeço com a sensação de estar incompleto, acordo com o desejo, a vontade de ser melhor e mais além e atingir o equilíbrio e harmonia...

É como mergulhar num oceano azul turquesa. Está mesmo ali à frente, ao alcance do braço, mas estendemos e não tocamos, não atingimos, mão cheia de nada. Assim fecho os olhos sem que o ritmo cardíaco se tenha ajustada a um embalar discreto e suave, sem que os músculos atinjam níveis de relaxamento fluídos... Acordar pesado, ânimo inexistente e arrastar anímico dia fora.

Desperto em sintonia com o telemóvel que berra umas quaisquer notas de um slogan publicitário. A velocidade com que me levanto nada se compara ao sorriso que exibo no rosto. A viagem serve de retrospectiva para a sucessão de eventos que conduziu a tal despertar. A memória permite regressão até a um ruído "oco", de frequência aguda que se desvanece com um período harmonizado. Um farol...

Ouço-o. Não é para mim que ele lá está. Ele estoicamente luta contra sereias que atraem vertiginosamente marinheiros incautos, ao fim do mundo, ou pelo menos das vidas deles. Ingenuidade minha pensar em sereias...

Foi ele, certamente foi ele... transportei-o para outra dimensão e como gratidão, este conduziu-me, orientou-me e deu-me esperanças na mais temerosa das tempestades. Assim vivo os sonhos essa noite. Não me recordo, não preciso, ele sabe. Quando o ouço fecho os olhos e deixo-me embalar, deixo a respiração abrandar, os músculos relaxarem e deixo-me guiar como nunca...

Parto ousadamente em direcção ao desconhecido porque ele me trará sempre de volta a casa!

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Momento de colecção

O prazer da fuga, o prazer da descoberta, o desejo de conhecer, a necessidade de evasão. São tudo imperativos, definições e necessidades, que ilustram atracção não pelo destino, mas pelo simbolismo da viagem. Ainda não sou um viajante, mas apenas um turista. A espaços o primeiro, o segundo por conforto.

Em vésperas do mês que mais próximo estarei de passar tanto tempo em viagem com em Portugal, faço um pequeno exercício. Num paráfrago uma análise retrospectiva das minhas viagens. Acto de puro coleccionismo, mas inicia um processo de despir roupas e entrar num casulo do qual sairei viajante, em que o único conforto que necessito transporto comigo.

Destinos de praia, destinos de frio; Europa ou Mundo; trabalho, lazer; não há divisões, que não uma, o avião é o ponto de partida e chegada.

Verona, Itália, Janeiro 2010 - Cidade encantada, história e modernidade, um rio abraça intensamente a cidade que se volta para ele como sempre lá estivesse estado. Evidências relevantes da presença romana e distribuidas entre inúmeros locais de interesse. Romeu e Julieta são referências obrigatórias. Cidade que merece um regresso.

Munique, Alemanha, Dezembro 2009 - Foi esta a última cidade que visitei na Alemanha e sem dúvida a que mais gostei. Visitei mais cidades alemãs que espanholas, das principais falta Berlin que me recorde. Munique destaca-se das restantes pelos seus inúmeros castelos e palácios, a forte influência da cerveja na cultura. Mantem organização típica alemã, mas sai enriquecida com arquitectura bastante poupada da 2º Grande Guerra Mundial.

Wroclaw, Polónia, Dezembro 2009 - Cidade muito curiosa na qual não se encontra um só símbolo do comunismo, mas onde o comunismo prospera. Crise de identidade que se prolonga pela gastronomia, arquitectura e postura social. Vale a pena conhecer a malta mais jovem sedenta de contacto exterior.
Imensas pontes...

Girona, Espanha, Dezembro 2009 - Cidade que se desenvolve nas encostas de uma colina delimitada por um rio. Relação equilibrada, destas duas geografias distintas. Vestígios árabes, romanos e católicos em harmonia. Catedral fabulosa. Fica a vontade de voltar e conhecer a cidade cheia de gente com alegria contagiante dos vizinhos ibéricos.

Wales e Stoke, Reino Unido, Maio 2009 - Stoke típica cidade industrial inglesa, sombria, suja e com poucos locais de interesse não fosse um extraordinário tempo com sol e uma feira de antiguidades nas margens de um dos imensos canais, para encher de cor e uma alegria invulgar. Que dizer de Wales?! Fabuloso, fiquei simplesmente rendido ao encanto e contrastes de um país muito pouco conhecido. Lagos, serras, uma costa magnífica de contos de fadas com castelos incríveis. O mais belo por de sol de sempre...

Madrid, Espanha, Maio 2009 - A cidade desiludiu no que toca à movida louca, encantou pela oferta cultural em especial o Museu do Prado e a obra de Bosch, agradou pelos locais de interesse, chocou com o comportamento de excessiva expressão sexual. Uma cidade muito próxima que merece fugidas frequentes.

São Miguel, Açores, Fevereiro 2009 - Cumpriu tudo o que necessitava e nunca me senti tão em casa como lá. Tão em casa e ao mesmo tempo num sítio tão alien. Nas costas o verde, em frente o azul, natureza e mar. Cheiros, cores, sons, sabores, tudo se conjuga na perfeição e tudo tão identificável comigo. A minha Terra do Nunca... Mais de que voltar, viver lá um tempo.

Milão e Bergamo, Itália, Outubro 2008 - Milão não encerra muitos segredos, gente bonita por todo o lado. Galeria Vittorio Emanuelle II, um espaço de beleza com lojas de algumas das mais caras marcas. Um Teatro Scala que exteriormente desilude e uma Catedral que é a mais bela que tive oportunidade de visitar. Bergamo é uma cidade dividia em dois, a cidade alta e a baixa. Visitei a alta, monumentos que mais não são que casas entre uma muralha fortificada. Muita história e muita vida emprestada pela faculdade.

Barcelona, Espanha, Maio 2008 - Cidade que vibra, que transpira vida, cultura e identidade que orgulhosamente ostenta. Impossível falar em Barcelona e não referir Gaudi, com todas as obras deixou e perpetuarão o nome da cidade. O mar abraça a cidade, ou deixa-se abraçar por ela. A primeira e até agora única cidade europeia que ponderaria viver.

Uvero Alto, República Dominicana, Setembro 2007 - Caraíbas, calor, mar azul turquesa, ritmos quentes, rum, música, animação, belezas naturais soberbas. Uma cartaz turístico e pouco mais há acrescentar. Insuficiente para voltar a cruzar o oceano e regressar.

Praga, República Checa, Fevereiro 2007 - Cidade ideal para namorados. Demasiadamente turística mas com tantos pontos de interesse que é fácil diluir e sentir-nos menos turistas e mais viajantes de passagem. 360º de surpresas e desafios de interpretação que nos prendem a cada segundo. A noite traz uma nova cidade, voltada para cabarets e todo o tipo de loucuras, difícil é estar no sítio certo...

Varadero e Havana, Cuba, Setembro 2006 - Varadero é igual a qualquer outro resort das Caraíbas, talvez com um pouco menos de qualidade no hotel. Havana e Cuba em si, são um observatório político-social quase laboratorial. Caminhar em Havana é regredir no tempo, no bom sentido é viver, sentir história. Diria ser impossível se não tivesse visto. Infelizmente está a perder-se a mística actualmente, fica a memória e o desejo de não voltar para não adúlterar o sentimento que ficou.

Porto Seguro, Brasil, Maio 2005 - Cidade pequena (meio milhão de habitantes), das mais seguras do nordeste. O que se diz do Brasil é verdade e não é apenas o turismo sexual. Certamente poderíamos todos aprender um pouco com a postura daquele povo e a forma de abordar e relativizar os problemas. Estou a ler o livro Capitães de Areia e recorda-me aqueles miudos que se deixam conquistar pelo carinho. Brasil é um continente e brevemente regressarei para visitar os familiares.

Ilha do Sal, Cabo Verde, Setembro 2004 - Ilha extremamente árida no clima e geografia mas com muita riqueza do povo. Ultrapassada o habitual choque com a cor das pessoas onde passamos a ser minoria, relaxamos e sentimos a impregnação do crioulo. A ilha não tem muito para ver, o clima é incrivel e estável, a cultura com as suas mornas, o grogue, a dança surge em todo o lado. A camaradagem e entre ajuda entre os miudos é algo incrivel que nunca vi em mais lado nenhum por onde passei.

Riviera Maya, México, Dezembro 2003 - Das Caraíbas o mais belo destino que visitei. Equilibra beleza natural incrível e única no mundo, com conforto e segurança no turismo e a história da civilização Maia. Tudo nos é permitido experimentar em troca de capital sejam pesos, dólares ou euros.

Outros destinos houve e muitos mais virão. Este exercício permitiu-me retirar recordações das gavetas, limpar o pó e voltar arrumar. Os sentidos acordados mantêm-se bastante actuais e são passos na minha viagem.