Viajar mais do que uma fuga, sempre foi uma perseguição de sentidos nos quais melhor me encontro e defino. Tenho levado alguns dias a absorver as sensações da última viagem e não é fácil a distância a percorrer, que me separa de uma percepção nítida do que sinto.
Não sei onde começa, não sei onde termina, se é quente, se é frio, ou se tem mais de bom que de mau. Um prato de esparguete com várias pontas, sem que perceba por qual puxar, para esvaziar o prato e saciar a minha fome de entendimento.
Pondo alguma estrutura no diálogo monolizado, tinha apenas 7 horas de sono após uma privação de 43 horas e o telefone teimosamente toca, quando avisara que não iria trabalhar nessa manhã. O motivo, na semana seguinte esperavam-me na Polónia. Pela primeira vez recebo a notícia de uma viagem numa sensação visceral de atordoamento, arrepio na espinha e acelerar do coração, ao que poderia chamar de pânico.
O motivo, em traços gerais que não chegam para desenhar um quadro seja ele cubista, impressionista ou de qualquer outro movimento artístico, é muito simples. Não quero falar mais da minha experiência pessoal, tanto que o frio penso que todos o sentimos, o medo, o receio, a angústia, de uma forma ou outra é vivida em formas idênticas, mas doses diferentes. O vulcão, os aeroportos, as pessoas que por tudo tentam regressar a casa, e se deparam com algo que contraria o adquirido e coloca em causa as certezas que trazem conforto ao quotidiano. Também eu lá estive, também eu vivi a incerteza de voos cancelados, de viagem de carro malucas, de horas mal dormidas, de refeições frias fora de horas...
Há uma altura que rendido à fadiga, cansado, exausto me deixei levar. Foi o momento que mais me senti em sintonia com o que me rodeia. Mais intensamente sentia os outros, entrava na mente deles, sem bater à porta. Estava deitado no chão do aeroporto como tantos outros, via novos, velhos, mulheres, homens, de todas as cores e credos. Correria infernal entre placard de informações e bancas das operadores aéreas. Boatos de abertura de um voo, malas ao abandono, choros, desespero, rendições. Todo o ar fervilhada de humanidade, não havia máscaras, o mais ancestral do homem estava bem patente, tudo era visceral, fosse o odor de pânico, o suor escorrendo no rosto, os olhos raiados de sangue e cansaço, a linguagem corporal dispersa nas tremuras das certezas perdidas... E no entanto tudo se movia em estranha harmonia, como se cada indivíduo fosse uma célula de um todo maior, que era um organismo vivo de vontade própria.
A tentação foi grande, num gesto lento com receio de afugentar a "presa" e estragar o momento, inicio um movimento intuitivo e diversas vezes repetido, movimento que me coloca na mão a "arma". Disparo uns quantos "tiros" vejo pelo pequeno visor e perdeu-se algo. Tento novamente e volto verificar o resultado. O sucesso é relativo, guardo a arma, percebo que apenas consigo captar um flamingo e não o bailado de todo o grupo. Como outras vezes, a melhor imagem sinto-a na minha pele, nos meus olhos, na minha boca, nos meus ouvidos, no meu nariz. Recuperei algumas energias e juntei-me ao bailado, afinal de contas era regressar que eu queria.
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