quarta-feira, 7 de abril de 2010

Os primeiros passos

A imagem invade-me como se o ontem fosse presente. Ela cambaleava desgovernadamente pelos corredores da escola, sendo os olhos a única parte sóbria do seu organismo rebelde, sóbrios numa autonomia que implorava socorro. Ela a minha professora de Filosofia, a tirania uma doença, Esclerose Múltipla. Dos pergaminhos dos livros de Filosofia, ela a professora, ressuscitou em mim o desejo de escrever. Não questionou a forma como opto expor o que pretendo, não foi pedopsicóloga, simplesmente contemplou e limpou o caminho do sim, que me permitiu seguir o meu trajecto.

Recuando um pouco mais, para as primeiras letras escritas em papel para corrigir a ortografia, mas que disciplina alguma trouxe às formas que a minha mão direita sempre foi desenhando. “Não tinha ninguém, estava sozinho”, assim terminava a minha composição da terceira classe. Texto surpreendente de uma maturidade impressionante disse a professora aos meus pais. O vendedor de castanhas, as cores do Outono, o frio, as crianças que passeavam com os pais. Era só uma criança e as crianças têm de sorrir… Obrigaram-me a reescrever a estória, onde alguém comprava um cone de castanhas e o vendedor ainda sozinho, estava agora feliz.

Os anos passaram, outros registos se sucederam sempre com tentativas de perceberem o porquê de algo tão cinzento nas palavras que tomavam como minhas, mas mais não eram que meras escolhas enumeradas em simetrias mais ou menos conscientes.

Houve uma revolta, fora acusado de plágio a forma apaixonada como descrevia campos de batalha, a febre irracional de violência dos homens, a frieza comovente de soldados esventrados chorando lágrimas de criança chamando a sua progenitora, a infâmia da violência sem motivos, tudo me valeu uma ridiculização. Em momento algum me esforcei por negar os factos porque era acusado, já no passado o fizera e de nada me valera, apenas questionei se estava bem redigido e se visualizaram. Seguiu-se um silêncio, para mim foi o bastante… Obrigado à jornalista por ter acreditado, obrigado por me ter defendido, mas não era necessário. Ela, a jornalista marcou uma decisão da minha vida, não iria seguir letras na faculdade, porque não me iria defender nunca, mas as batalhas decorreriam como decorrem na minha mente e só eu decido se dou uma vida fora dela ou não, pela escrita.

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