Abro-o com o fascínio habitual, perante promessas de me permitir sentir, de lentamente me entregar, de deixar o refúgio para viajar, num espaço e tempo de fantasia imaterial.
Página sobre página, busco a confiança, que autoriza a mente a introduz-se na história. Olha para as letras e vejo cores, formas. Olho para as letras e cheiro as personagens, cheiro-as no medo, na alegria, em todos os estados com que vivem encerradas na história na qual me encontro agora. Só de as olhar, a elas as letras, ouço tudo, ouço o silêncio, ouço o ruído. As letras, novamente elas, só de as ler sinto na pele o toque, sendo como que cada milímetro da minha superfície esteja emerso em sensações. O que as letras não me dão é uma voz, essa roubo-a...
Já enredado, no feitiço que sobre ameaça dos olhos que se encerram, me faz continuar página atrás de página, como que receando qual película de cinema, o realizador corte a cena e os autores sigam o seu rumo.
Eis que me surge um livro dentro do próprio livro. Este sem letras, mas desafiando ainda mais os sentidos. Pistas desgarradas de sentido, peças de puzzle que se prostram perante mim desafiando-me a que as encaixe.
Recibo de produtos cosméticos, senhas numeradas de atendimento e acima de tudo areia. Tudo isto, muito pouco, o suficiente... Empreendo uma viagem que me fascina, me esgota, me seduz, me vicia. Datas, locais, qualquer dica, qualquer pista, tudo busco.
Encerro finalmente uma janela temporal, janeiro a agosto de 2011. O mais simples está feito, mas não se constrói um puzzle apenas com as peças do canto, não se escreve um livro onde faltem personagens, um local para que essas existam.
Tenho-te a ti, és a minha personagem. "Serviços de transporte", "devoluções, D ou B, "obrigado pela visita - volte sempre". Mas mais importante a areia, cada grão como que alojado entre as páginas do livro que encerra as pistas, como milestones na viagem que o meu espírito empreendeu.
Insistentemente me tens desafiado. Timidamente aproximo-me escutando esse desafio de forma aparentemente desinteressada e casual, quando dentro de mim explode uma ânsia de expressão. Será este o estímulo? Foi propositado?
Com elas, com as pistas consegui toda a matéria prima. Tu a personagem, eu o realizador. O livro dentro do livro, o filme feito livro. Filme porque vejo o movimento fluir ante os meus olhos, olhos esses que observam a mente. Ainda não livro pois não estão vendados os olhos, quando só aí, apenas nesse momento serei capaz de capturar todos os movimentos transformando-os em palavras. Palavras essas que tragam expressão aos sentidos e voz a quem quer ser ouvido.
É muito, é demais. Fervilham os dedos como procurando obedecer aos sentidos, a todos os sentidos, mas os olhos pedem só mais um pouco. Esse pouco esgota o tempo, a timidez apodera-se de mim, a ânsia sossega e eu, eu procuro voz antes de conseguir dar voz...
Mas está tudo ali, vejo-te mas não te consigo cheirar, não te ouço, não te toco. Tens um tempo, um lugar, uma existência. É esse o apego, a posse de não fechar os olhos para dar voz.
E tudo num livro emprestado...