segunda-feira, 14 de julho de 2014

Despertar do olhar

Momento que desconhece fronteiras físicas ou temporais. Reveste-se de significados que se perdem até onde a raça humana se atreveu a povoar, numa escala de tempo apenas mensurável na tradição oral.

Fusão de significados, de sentidos, de uniões indisfarçavelmente absurdas. Luz e penumbra, início e fim, noite e dia, apenas a parte do tudo que é representado, cativando para além da compreensão.

Sem lágrimas, sem risos, sem palavras, sem gestos... Imobilidades físicas, abraçando um momento solene de indiscutível profundidade.

O dia morreu, a noite nasce. Fecha os olhos a luz, arrefece o calor, o nosso corpo acompanha estes estímulos que nos circundam, abrandando e entregando-nos a uma sonolência que se apodera de nós. Sentimos chegar uma morte sem luta, sentimos aproximar-se o desejo de recolhermos e dormirmos. Mais um fim, mais uma morte, a morte do dia, o sono, o adiar da vida numa pausa obrigatória.

Observar o por do sol é um ato de solidão, um ato de egoísmo. Sentirá o pescador ser apenas dele este momento, quando se julga só? Milhões destes momentos, multiplicados por todos os locais, porque não possuir este, negando mesmo a quem o captura pela lente? A sua dimensão dissolve-se tal qual a sua silhueta perante a incapacidade de focar; jaula alguma pode conter este momento, pelo que o que vem e vai independentemente da vontade e do desejo, alguma vez pode ser propriedade de alguém.

A cor que explode como gastando as últimas réstias de energia, antes da lâmpada se fundir e a escuridão tomar o seu lugar devido. O Sol desaparece com fulgor para regressar timidamente, enquanto que a Lua goza de mais maturidade e aguarda pacientemente a sua vez de chegar e partir. Não há nascer, ou por da Lua, não há, ela apenas existe.

Outras histórias, outros fulgores, dispersares de ideias e sentimentos. Arrebatamentos, memórias, sensações que perduram e estimulam. Entre recordações e estímulos, sejamos exacerbados pelo poder paralisante do por de sol mais marcante que tenhamos presenciado, finalizando momentos que têm de terminar, com a promessa de um novo começo nos encha de uma nova esperança.

Assim se julgue o pescador seu proprietário, despertando pela penumbra!

In Letras do Olhar 20/04/2014

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