sábado, 30 de janeiro de 2010

Os "Moedinhas" desta vida

Pelo fogo que me arde na alma, algumas palavras têm mesmo de sair. Viro-me para o passado e ganho algum tempo que me permita ordenar tudo o que ameaça ganhar forma e rapidamente ruir.

Jornal enrolado em cone, empunhado em riste no ar, qual mosqueteiro esgrimindo argumentos... Não foge da realidade, mas a imagem real suscita outros sentimentos opostos no campo do agrado.

Inundaram primeiro as cidades, as periferias e estão em todo o lado qual vírus. Primeiro eram os simples despojados da vida, simples como é o esgoto que não interessa a ninguém, mas complexos nas agruras que os atropelaram. Hoje são tudo e todos, sem racionalidade da droga que os faz recorrer a todos os expedientes, quando não sobram familiares para roubar, amigos para enganar, ou quando o corpo já não atrai nenhum perverso que pague dinheiro por qualquer momento desprovido de sentido.

Multiplicam-se dizia eu. Em número e em estirpes. Agora é vê-los nos semáforos, com uma água, com uma caneta, com um isqueiro. É vê-los nos parques dos supermercados a judar com as compras, em troca da moeda que fica no carrinho. Há tudo, em todo o lado, o denominador comum é um: a moedinha!

Fizera as compras do mês e uma vez mais a lista de compras mais não servira do que me levar ao supermercado, porque o que trouxe não estava escrito. Resmungava comigo próprio, não só pelo dinheiro desnecessário que gastara, mas já antever a guerra que seria transportar aquela carrada de sacos no elevador e adivinhando quantas viagens teria de fazer da garagem até casa, para abastecer a despensa de artigos que falta alguma me fazem.

Contorno a última esquina e dois precipitam-se sobre mim. Penso: "foda-se só me faltam estes putos de merda para me moerem o juízo!" Ultrapassada a questão de qual dos dois me iria "abordar" (claro que o maior, que este mundo não é para peixinhos), a atenção recaía toda sobre mim. Ostento a cara mais obtusa que tenho e digo a mim mesmo que não vou estar com as rotinas de que não tenho dinheiro, nem mesmo dar uma volta maior, ou fazer qualquer manobra de diversão. Não, desta vez vou mesmo direito ao carro. Ainda nem liguei o rádio e já ouço uma música que mais não é que a rotina de mendigagem do miudo num português incompreensível.

Permaneço calado, com o mesmo olhar. Abro o carro, olho para o puto nos olhos pela primeira vez e digo: cala-te lá com essas pechinchices que o carrinho já é teu. E ele calou-se... Foi-me passando os sacos e observando discreta o conteúdo. Terminando tão árdua tarefa, olho-o pela segunda vez e digo: obrigado. Não um obrigado de circunstância, mas um obrigado por se ter calado e por ter sido útil. Ele devolveu-me um obrigado, mas não um obrigado de circunstância. mas um obrigado por não o ter obrigado a repetir o discurso que diz vezes sem conta, e por não ter colocado as perguntas de onde estão os pais, se tem fome... Foram dois obrigados de respeito, de diferença e igualdade nessa experiência.

"Fugimos" de dar a moedinha, não com medo que nos risquem o carro, não com receio que nos espetem uma agulha, mas pelo receio de encarar uma realidade que pensamos ter optado ignorar. E não é pelo preço, preço esse que é muito baixo. Com a moedinha fazemos o que Pilatos fez e lavamos as mãos de um problema que não é nosso, mas que poderíamos e deveríamos ajudar a resolver.

Daria uma e outra e mais outra; daria todas as minhas moedinhas e ainda assim sobrariam fantasmas, receios, angústias e sentimenos de impotência e fragilidade, mas não páro!

1 comentário:

  1. Sabes que evito dar a moedinha porque me revolta contribuir para a mendiguice! Agora tento não meter a cabeça na areia e fingir que não é nada comigo ... é com todos é algo que afecta a todos e todos temos que fazer algo, quanto mais não seja exigir que o governo tome medidas!

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