Exercício continuo e sem fim, nos intermináveis kilómetros rotineiros ao volante, questiono-me sobre os significados, a âncora de valores e objectivos na minha vida e na margem que me dá de manobra sem ficar à deriva.
A âncora afundou e não sei por onde navego. É neste pensamento que regresso a casa após mais uma tentativa de retomar o rumo. Sou despertado da dormência a que o automatismo da condução me botou, pelos farois de um automóvel directamente a mim. Verifico e vou na minha faixa ele tem que retomar a dele. No processo de corrigir a direcção que se lhe espera, o outro condutor ilumina um memorial que me é familiar...
Afinal distraído ia eu, o meu rumo não era na direcção que eu ia e ali ao lado estava "algo" que me recorda exactamente isso. O memorial cresceu em dignidade e no lugar de uma tragédia ficou um significado que é meu, e de todos nós...
"Agosto terminou... Apelidam stress pós férias e porque não?! Se há o stress pós guerra, porque não haver um stress pós qualquer coisa?! A luta por um estacionamento, por um lugar para colocar a toalha, por uma cadeira na esplanada, por mesa no restaurante...
Perdão, vou voltar atrás, ou avançar, nem sei... Terminou o Verão, encontramos motivos para nos queixarmos de tudo: é o trânsito que aumentou exponencialmente, a noite que chega rápido, as miudas que andam mais tapadas (o que bem vistas as coisas é uma vantagem face ao que por aí se vê), o chefe que implica mais que tudo, etc.
Regressando ao presente... "Ontem" queixavamo-nos do estacionamento, blaaa blaaa blaaa, "hoje" é do trânsito do blaaa blaaa blaaa. Queixamo-nos, queixamo-nos queixamo-nos. Questiono-me porque, qual o significado?! Há algum?!
Sem respostas precipito-me em perspectivar e referenciar com quotidianos e vidas. Finalmente chego onde queria, posso esquecer o que escrevi porque significado é agora.
Estória, desculpem história, anónima, de homenagem, de partilha. Não termina mas começa... Sábado de manhã, estamos já atrasados e a viagem até ao restaurante ainda leva 3 horas com paragem em terras de Guimarães. Trânsito, muito aparato, manta térmica, muitas ambulâncias, bombeiros, polícias e curiosos como abutres assinalando uma carcaça... Vê-se uma poça de sangue, uma moto tombada e um par de botas: olha um cadáver! Indignação, consternação e rapidamente o objectivo passa a ser reunir o resto das tropas para o ataque ao "nariz do mundo".
Podia terminar aqui, não faria sentido, não tem de fazer, mas faltaria exorcisar fantasmas. Um dia da semana, a caminho do trabalho, reparo numa cruz improvisado no local do acidente. Dia seguinte velas. Segue-se uma foto de um jovem muito sorridente (a tragédia passa a ter um rosto), choca. Mais um dia, flores; outro dia lenço motard... Os dias passam, sucedem-se as homenagens... Passou um mês, a foto foi trocada, os gestos permanecem.
Este rosto, este jovem, este filho, este irmao, este namorado, este familiar, este amigo, este conhecido nunca mais se queixará da falta de lugar para estacionar, do trânsito e do todo o restante blaaa, blaaa, blaaa.
O significado, a perspectiva dos meus problemas é recordada todos os dias quando passo neste memorial e à minha maneira faço a minha homenagem de gratidão porque cada bocadinho de ar que me entra nos pulmões é uma dávida.
E os vossos significados?"
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