quarta-feira, 29 de abril de 2009

Outro passo para o confim

O início de um novo processo. Metamorfose corpórea com expressão no sublime da energia anímica... Exteriormente o mesmo processo de sempre, preencher dias, noites, climas, hábitos sociais, em vestuário e outros artifícios de necessidade absoluta questionável, a colocar numa mala. Interiormente, reunir um outro tipo de bagagem, a "garrafa de Coca Cola" que os deuses loucos lançaram neste mundo, já de si pouco harmonioso, cujo ensejo permitirá largar nos confins, permitindo um regresso à efemeridade do equilíbrio harmonioso.

Anseio pelas experiências, anseio pelo anonimato só obtido quando somos mais que estrangeiros na própria pátria. Em tempos julguei entender a diferença entre viajante e turista, como se isso tivesse valor na minha moeda corrente. Julgo-me um pouco de ambos e nada de nenhum. Há algum tempo que não sou nenhum de ambos, escolhendo a toga de fugitivo para me catalogar.

Muda-se o semblante em vários momentos, quando o avião descola, quando o piloto comunica a temperatura e horas locais do destino, mas toma expressão definitiva quando os telemóveis tocam e é possível ler a mensagem de boas vindas, num país que não é o meu, mas numa língua que me amordaça de incapacidade expressiva, desde que a linguagem me define por ser humano...

Transporto esse semblante comigo, moldo-o, coloco-o à prova, meço-o, aprecio-o... prostro-me na mais movimentada avenida. Formiga que recusa seguir o carreiro da restante colónia, não avanço. No início instala-se um desassossego circunscrito ao local em que me encontro, desassossego esse rapidamente compensado pela necessidade imperiosa de prosseguir das restantes formigas. Ergo os braços, fecho os olhos, permito à pele respirar, solto os sentidos. Todo corpo funciona como uma enorme parabólica, por um simples toque sinto a forma da pessoa, múltiplos toques alinham-se perspectivando uma visão tridimensional do que me rodeia.
Os odores dos perfumes mesclados com o suor, o cheiro do medo, da alegria. Os sons indistintos na perceptividade da língua desconhecida, imperceptíveis na forma, mas compreensíveis no veludo da expressão, fiéis ao sentimentos universais. Tudo se perspectiva, tudo flui num só sentido, tudo canalizo em mim e o que entra desobstrui os canais do nefasto, permitindo aos glóbulos brancos da alma destruírem a bagagem que contem os arqui-inimigos da harmonia.

Tudo o resto, é tudo e muito mais que o resto. É arquitectura, são museus, a gastronomia, os livros, a música, a cultura etnológica, a simplicidade da complexidade, e o adorno do linear. Sempre munido da recém fiel ladra de almas, fotografo o que dito e julgo ser merecedor, julgando captar um ângulo único e inovador de quadrados retratados milhares de vezes, por iguais pretensiosos. Como pretensioso que sou, desejo captar tudo o que os restantes sentidos me proporcionam. Só uma forma me permite aproximar do objectivo, mas ainda assim não é mais que me julgar muito próximo da lua, tendo apenas subido o Evereste. Hemingway com o seu moleskin e eu com o meu ambar, porque palavras não se gravam em modas... Não procurarei roubar a alma da beleza mas apenas a sua sombra, a sua projecção num espelho, na água. Projecções e sombras pode a alma produzir imensas, o contrário não tem correspondência.

Destino mediático infelizmente, mas já levo as respostas para responder às perguntas que me aguardam... "Passei muito bem as porcas antes de comer; As suínas foram devidamente confeccionadas antes da degustação". Outras variantes, não da estirpe, mas da resposta serão servidas automaticamente para desviar atenção, do interlocutor das questões que me levariam a revelar onde é o confim do mundo onde larguei a garrafa, permitindo que ela volte a mim. Preciso escolher as fotografias/almas que tirei/roubei, rasgar as folhas que odiei de tanto amar e só depois poderá ser servida a última dignitária imagem, responsável por uma harmonia perene exteriormente e inadequadamente breve interiormente...

O confim do mundo não se mede em distâncias físicas, mas na capacidade de triunfar no jogo do esconde-esconde, do que me nego e ao que aspiro atingir. A minha viagem a Madrid...

1 comentário:

  1. Vais acordar cedo! Mas é bom acordar quando tudo dorme e nos podemos julgar donos do mundo, porque estamos e sentimos enquanto os outros dormem ...
    Somos os primeiros a despertar a sentir o ar gélido da manhã que nos refresca a alma e paralisa os medos ...
    Os medos dos quais fugimos quando viajamos e que nos esperam a cada chegada, no entanto regressamos sempre diferentes e com outra convicção para os encararmos!
    Boa Viagem ...
    Bom Regresso!

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