quinta-feira, 30 de abril de 2009

O Bilhetinho

O prazer da solidão é imenso, como imenso é espaço vazio deixado pela partida. Uma letra com imenso sentido, uma imagem sem sentido nenhum... Parto para voltar.

O meu País em Outdoor

Mas... Como?! Não é inteiramente nova, todavia esta ideia invade o meu espírito. Já antes me questionei sobre os outdoors. Formulei várias teorias sobre a forma como surgem. Sim como surgem, que até hoje não me deparei com o simples acto da colocação de um outdoor e sem questionar, ninguém se afirmou como testemunha do crime. Durante a noite poderão dizer alguns; ok porreiro não sou nenhum vampiro invertido na alergia à ausência de luz, para nunca ter caminhado durante a noite. Inclinei-me para a hipótese de empresas com tipos especializados nas artes ninjas ou ex forças especiais, mas passada a bebedeira excluí a hipótese, todos sabemos que esses tipos estão num qualquer CNO a fazer reciclagem profissional, para enveredarem por uma carreira nas escolas, onde são efectivamente precisos. Devolvo-me à lógica infantil e encaro-os como árvores metálicas, numa floresta de betão; crescem em qualquer lado, algumas dão flores, poucas dão frutos...

Aceite a origem, debato-me agora com dois fenómenos, por um lado a crescente quantidade, por outro a decrescente qualidade. No percurso Via-sacra diária, já de si espinhosa e penosa, vejo agora a minha visão obstruída com enormes outdoors, que impedem uma prospecção de poucos metros que a vista alcança. Já por si só, esta dilaceração visual já era suficiente, o pior é o encandeamento provocado por tão horríveis flores... Poderia facilmente fazer um top10, mas escolho apenas 3. Assinalo em seguida as minhas escolhas...

Terceiro lugar
Quando me deparo com este fotograma penso: "espera lá que faz ali uma foto do Sócrates com aquele senhor da UE a promover o casamento gay?". Dá para entender a cara do Durão Barroso, do género, abraça-me mas com cuidadinho, não evitando uma inércia muscular na aproximação excessiva. Os Berloquistas conseguem e já fizeram melhor, este desiludiu. Uma forma imediata de melhorar seria utilizar o "k" no lugar do "q", assim todos entenderiam e a geração rebelde conseguiria ler os hieróglifos estranhos dos cotas demagogos.
Segundo Lugar
"Meu Deus!" Deveria ter sido esta a expressão usada, mas não foi, simplesmente me arrepiei quando a vi... Para ser senhora e política em Portugal é preciso ter um contrato com a Loreal e destruir a camada do ozono. A tensão dos músculos que esboçam um sorriso, só comparável à expressão facial de quem leva um pontapé bem encaixado na masculinidade (não digo que os tenha, também não digo que não os tenha). A questão é bem simples, não é o aspecto estético que deve ser avaliado, mas que me resta: "Política de verdade" e uma mão amputada de três dedos?! É mesmo a esfinge que tenho de me focar. O que mais me intriga é o número de fotos que foram necessárias e as horas frente a um qualquer photoshop para chegar “aquilo”; se o ponto de chegada é este, como teria sido o de partida?! Até aprecio a postura e ideias da senhora, talvez esteja novamente a subir à portaria da minha escola secundária, de cabelo comprido, vomitando palavras de ordem por um megafone, para uma multidão de estudantes (ok, meia dúzia), contra as provas globais e os motivos pelos quais fechamos os portões naquele dia.

A grande vencedora
Desculpa ex vizinha... És uma campeã sem dúvidas e acho que mereces bem mais medalhas das que ganhaste, só assim a ironia do destino poderá ser corrigida. Há algum tempo que acompanho com curiosidade a Vanessa publicitária e não paro de me pasmar. Este não é o último, há um mais delicioso que reza algo assim: "Era esta a meta que me faltava." Pensei que era publicidade a uma clínica de cirurgia estética... Já passei lá várias vezes e ainda não consegui perceber o que é publicitado. Escolho este outdoor, como poderia escolher qualquer outro, porque este primeiro lugar é atribuído à pessoa, pela coerência, pela simplicidade e pela insanidade de quem insiste. Sinceramente prefiro a visão da bandeira Nacional nos teus ombros a percorrer vitoriosamente a volta de honra. Aí és a mais bela mulher portuguesa!

Resumindo, tudo vai mal. Deixem-se de coisas, plantem árvores que produzam flores e frutos como a que em baixo segue. Quero lá saber que os estudos digam que a publicidade deverá ser dirigida às mulheres, pois elas é que consomem. Está totalmente errado. Esta publicidade acalma os homens, os acidentes aumentam sem dúvidas mas o trânsito é menos agressivo, tudo anda feliz e sorridente; reduz o ruído e as buzinadelas, o excesso de velocidade passa à estória (todos queremos ver o máximo tempo possível). Ficamos felizes e relaxados, somos mais produtivos. As mulheres ao verem resultado, apressam-se a ir comprar lingerie igual e surpresa das surpresas, oferecemo-nos para ir junto, não resmungando nas trezentas e vinte e quatro lojas que ela pára antes, para desempenhar essa nobre arte das compras. Na loja nirvana, encontramos um daqueles cartazes em tamanho real da figura da publicidade e espumamo-nos de prazer visceral. Claro que a nossa não fica exactamente, melhor nada igual, mas com um toque de imaginação lá conseguimos exercitar a libido. Sem precipitações elogiamos, levamos a jantar ao italiano para comer aquelas pastas e gelados calóricos e ouvi-las resmungar que comem muito pouco e não emagrecem. Chegados a casa, depois de tamanho esforço mereceremos a recompensa...
O comércio floresce, a indústria também, a economia melhora, o país avança. A TVI deixa de ter "investigação jornalística" para fazer e volta-se novamente para os Big brothers; a família reúne-se novamente em frente à TV e somos todos novamente felizes. Tão simples, porque não fazem isso?!

Compreendo que tenham de existir algumas árvores feias. Por isso proponho algo que permita expressar o repúdio por elas. Todos os outdoors deveriam ter uma escada e um marcador próximo tipo IKEA, bem como alguns lugares de estacionamento próximos. Assim, depois de um dia de trabalho miserável em que digo sim senhor ao chefe e elogio a sua visão abrangente, quando engulo palavras como filho desta ou carvão do caraças, posso sempre estacionar o meu carro, agarrar um marcador, subir ao outdoor e desenhar uns cornos, uns óculos, pintar uns dentes de negro e fazer tudo o que a minha imaginação me suscita.

E o país andaria...

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Outro passo para o confim

O início de um novo processo. Metamorfose corpórea com expressão no sublime da energia anímica... Exteriormente o mesmo processo de sempre, preencher dias, noites, climas, hábitos sociais, em vestuário e outros artifícios de necessidade absoluta questionável, a colocar numa mala. Interiormente, reunir um outro tipo de bagagem, a "garrafa de Coca Cola" que os deuses loucos lançaram neste mundo, já de si pouco harmonioso, cujo ensejo permitirá largar nos confins, permitindo um regresso à efemeridade do equilíbrio harmonioso.

Anseio pelas experiências, anseio pelo anonimato só obtido quando somos mais que estrangeiros na própria pátria. Em tempos julguei entender a diferença entre viajante e turista, como se isso tivesse valor na minha moeda corrente. Julgo-me um pouco de ambos e nada de nenhum. Há algum tempo que não sou nenhum de ambos, escolhendo a toga de fugitivo para me catalogar.

Muda-se o semblante em vários momentos, quando o avião descola, quando o piloto comunica a temperatura e horas locais do destino, mas toma expressão definitiva quando os telemóveis tocam e é possível ler a mensagem de boas vindas, num país que não é o meu, mas numa língua que me amordaça de incapacidade expressiva, desde que a linguagem me define por ser humano...

Transporto esse semblante comigo, moldo-o, coloco-o à prova, meço-o, aprecio-o... prostro-me na mais movimentada avenida. Formiga que recusa seguir o carreiro da restante colónia, não avanço. No início instala-se um desassossego circunscrito ao local em que me encontro, desassossego esse rapidamente compensado pela necessidade imperiosa de prosseguir das restantes formigas. Ergo os braços, fecho os olhos, permito à pele respirar, solto os sentidos. Todo corpo funciona como uma enorme parabólica, por um simples toque sinto a forma da pessoa, múltiplos toques alinham-se perspectivando uma visão tridimensional do que me rodeia.
Os odores dos perfumes mesclados com o suor, o cheiro do medo, da alegria. Os sons indistintos na perceptividade da língua desconhecida, imperceptíveis na forma, mas compreensíveis no veludo da expressão, fiéis ao sentimentos universais. Tudo se perspectiva, tudo flui num só sentido, tudo canalizo em mim e o que entra desobstrui os canais do nefasto, permitindo aos glóbulos brancos da alma destruírem a bagagem que contem os arqui-inimigos da harmonia.

Tudo o resto, é tudo e muito mais que o resto. É arquitectura, são museus, a gastronomia, os livros, a música, a cultura etnológica, a simplicidade da complexidade, e o adorno do linear. Sempre munido da recém fiel ladra de almas, fotografo o que dito e julgo ser merecedor, julgando captar um ângulo único e inovador de quadrados retratados milhares de vezes, por iguais pretensiosos. Como pretensioso que sou, desejo captar tudo o que os restantes sentidos me proporcionam. Só uma forma me permite aproximar do objectivo, mas ainda assim não é mais que me julgar muito próximo da lua, tendo apenas subido o Evereste. Hemingway com o seu moleskin e eu com o meu ambar, porque palavras não se gravam em modas... Não procurarei roubar a alma da beleza mas apenas a sua sombra, a sua projecção num espelho, na água. Projecções e sombras pode a alma produzir imensas, o contrário não tem correspondência.

Destino mediático infelizmente, mas já levo as respostas para responder às perguntas que me aguardam... "Passei muito bem as porcas antes de comer; As suínas foram devidamente confeccionadas antes da degustação". Outras variantes, não da estirpe, mas da resposta serão servidas automaticamente para desviar atenção, do interlocutor das questões que me levariam a revelar onde é o confim do mundo onde larguei a garrafa, permitindo que ela volte a mim. Preciso escolher as fotografias/almas que tirei/roubei, rasgar as folhas que odiei de tanto amar e só depois poderá ser servida a última dignitária imagem, responsável por uma harmonia perene exteriormente e inadequadamente breve interiormente...

O confim do mundo não se mede em distâncias físicas, mas na capacidade de triunfar no jogo do esconde-esconde, do que me nego e ao que aspiro atingir. A minha viagem a Madrid...

terça-feira, 28 de abril de 2009

Balanço Tenebroso

Percurso lógico, sucessivamente adiado, apenas mais uma etapa na quimera pessoal, foi este o julgamento. Julgamento sem sentença, mas com o prelúdio de saciar uma fome de instável sofridão que, deglute o equilíbrio do eu social.

O fascínio pelos livros extravasou os muros físicos do meu mundo, pelas portas que abriam, pelas paisagens, realidades, culturas, condições humanas que são capturadas em simples palavras; frágeis em aspecto, fugazes em memória, mas perenes em conteúdo. Ao fascínio sucedeu a inveja, sentimento este de devoto reconhecimento e humildade pela alma que traça o percurso das letras, como Ele dá forma ao barro com as suas mãos. Criação soberba da fútil existência dimensional humana, perpetuada no lirismo de sentimentos comuns a impressões digitais universais.

Em êxtase afirmei-me capaz de seguir tal rumo, de trilhar tais pegadas. A sobriedade mostrou-me que o vento, o mar, os elementos eliminam as pegadas ainda antes de as ter visto; o meu passo não se coaduna, o esforço exaspera, a frustração instala-se, e sou projectado violentamente para o interior dos muros do meu mundo. Buggy jumping incessante até à exaustão, lapidação de uma rocha nua e fria, fermentação de ideias, escola de vivências, baú de sensações.

Nesta fase confesso-me confuso, o elástico está preso por fios e sinto que a próxima vez que me arremessar para fora dos meus muros, este romperá. A violência do regresso confortante é substituída pela incerteza de "figurar", sem paragens sequer para coffee breaks, numa forma de barro que eu mesmo moldei, num papel que eu rabisquei, nas palavras com que me aprisionei.

Encontrei um reconhecimento inesperado, uma pequena clareira de amistosidade genuína e de despretensiosa compreensão. O sentimento de curiosidade, a necessidade de aproximar dessa clareira, muito rapidamente deu lugar a um instinto arrebatador e primitivo de fuga, de criar pegadas em sentido contrário, numa distância que impõe um ritmo de corrida, que alguma vez pés humanos consigam juntar.

Fui buscar O Livro, abro-o aleatoriamente num reviver de um acto perdido no tempo e busco significados. Exercício curioso de resultados infalíveis...

Curioso... afastado que estava, em boa hora abrandei o passo. Uma força controlada mas persistente, aumenta o atrito no sentido em qual troteio, convidando-me suavemente a abraçar atracção que me impele em sentido contrário, com promessas de esforço nulo. A pegada esquerda afunda na parte posterior, a direita alonga-se na anterior; os braços seguram uma corda imaginária, erguida defronte de mim, debato-me num esforço insipiente de resistência, não às forças da física, mas às abelhudas curiosidade e vaidade.

A extremidade do elástico já não está dentro dos muros, mas bem para além do local mais distante que alguma vez fui arremessado. De onde me encontro, os muros guardam uma Lilliput e no extremo oposto Brobdingnag surge. Este Gulliver acorda em diversas praias e em cada uma delas vive uma existência diferente, desejando apenas expugnar as últimas células de Yahoo do seu organismo.

Levanto os pés, liberto a corda que tiranamente prendia e deixo-me subjugar à elasticidade magnética. Magnético é o movimento que me faz firmar os pés no solo como estacas. Movimento cessado a distância prudente, medida pelo compromisso de equilíbrio entre o apelo da clareira e das certezas da solidão.

O fósforo trás luz às trevas. Aceito a efemeridade do momento da lucidez, com o protagonismo que o sabor da descoberta trará. Se eu abrisse agora a boca, todas as palavras se precipitariam para a minha garganta, sufocando, como sufocada fica a lava de um vulcão, pela preguiça da que solidificou no percurso do seu destino...

Agradecer por não esperar... não desejo
Esperar não ter de agradecer... não ouso
Sim sinto... grato sinto por tal cortejo
Sim busco... busco compreensão e repouso.

P.S.: Gigante bondoso, inclino-me à mercê da tua descrição.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Sensações Sublimes

Invadem-me prazeres múltiplos, despertando um desejo de volúpia que transcende as fronteiras estanques do carnal. O poder de invasão nasce no pensamento do corpo feminino, despido perante meus olhos e sorvido perante o meu olfacto. Amputado dos restantes sentidos que a memória não apazigua, desejo insaciável de tocar, de sorver cada gosto e aroma, de escutar gemidos surdos que, escondem poderes de absurda força dissipadora da minha resistência enquanto homem.

Cada contorno do corpo da mulher tem a mão do artista divino. O torneado tem a forma distinta e única do toque do criador. Perscruto, palmilhando cada centímetro de pele na tentativa ideológica de dar a mão com Deus e física de possuir a arte e engenho, patentes em tamanha beleza.

Receber a mulher despida é um acto que imagino apenas comparável, à primeira vez que uma mãe recebe o seu filho recém nascido nos seus braços e inatamente todos os seus sentidos capturam a essência deste novo ser, que vê como seu e parte de si.

O toque de veludo virilhas da fêmea que magnetiza toda atenção para a porta da concepção, canto da sereia que conduz navios ao naufrágio iminente nas rochas, atracção irredutível pelo abismo, fonte que não sacia o prazer, faz-me sentir Sméagol que não vence o Gollum...

O desejo de posse obstina-me a viagem, abstrai o percurso, mas não afasta o destino. Por conceito as singularidades são únicas, por devoção perscruto cada uma delas. Artífices e cosméticos, mascaram uma beleza de reciprocidade igualizada apenas pelo meu desejo de a contemplar. Abstraio-me do destino, foco no percurso, agora sim a viagem peregrina tem início. Aventureiro no Novo Mundo, um continente defronte da minha presença e ferramentas aparentemente diminutas para explorar todos os sentidos sensoriais novos. Avidez contrastante com a devoção.

Os passos convertem-se em centímetros, os pés em mãos. Delicadamente percorro quilómetros com as mãos, que abrem caminho à restante comitiva de sentidos. A diversidade de formas, de temperaturas, de aspereza, de rugosidade, de tons, de odores, contrasta em diminuto espaço. Acariciar a fronteira que separa o cabelo da pele desabrigada, perseguindo a forma do mesmo, com os dedos, até que seja percorrida a distância que o separa definitivamente da sua proprietária, para voltar num ápice à origem.

O pescoço, belo e incauto a qualquer investida. Como a superfície calma de um lago, é imediata a sua reacção quando arremessada uma pedra. Um estímulo produz uma reacção imediata, mas incerta. É a pedra de roseta que proporciona uma visão da energia contida naquele corpo. Por ele sei como se arrepiará pele, o odor que será emanado resultado das alterações metabólicas de um organismo em ebulição, escutarei indecifráveis sons que traduzem significados de despudor genuíno, exaltarei na minha boca sabores divinos, observarei contracções musculares e espasmos que confluem num bailado harmonioso. Apenas um Big Bang em tubo de ensaio...

Percurso alucinado, conseguido através de corridas apressadas, para logo voltar atrás em passo contemplativo, alheio à abstracção. Orelhas, olhos, queixo, boca, maças do rosto, frontes... Cada qual encerra um segredo, cada qual possui uma senha que abre portas para um mundo de sensações, em que um Abre-te Sésamo é tão provável de resultar como ganhar o Euromilhões sem ter jogado. Têm de ser superadas todas as portas, sem ordem definida para atingir um estado de comunhão e sintonia únicos. A humidade dos lábios entreabertos, as formas únicas do lóbulo das orelhas, a suavidade das pálpebras...

Chegado aqui, resigno-me e rendo-me ao evidente – não me consigo abstrair do destino. Este exercício infrutífero de fazer caber um mundo de emoções numa amálgama de frases e palavras, esgota-me em frustração. Sou assaltado por imagens do passado e aturdido pelo voluntarismo dos sentidos em seguir o desejo, deixando-me órfão da vontade. Não posso ousar traduzir a cascata de sensações, a torrente de lava em que o desprimor das palavras trai o mais básico. Não desejo cartografar o Novo Mundo, não desejo acrescentá-lo ao mundo conhecido, desejo tomá-lo, possui-lo em todo o seu potencial, em toda a sua beleza, em todo o seu vigor, resgatando tudo o que tem para me oferecer e desejando que me abrace e me permita fundir com ele, para que juntos sejamos ainda mais belos e únicos, para que juntos sejamos capazes de trazer novos mundos ao NOSSO MUNDO...

Até lá, navego solitário na minha caravela, orientando-me pelas estrelas, pelo vento, pelas aves, seguindo mapas medievais traçados pelas minhas experiências. Evito ilhas de ninfas, evito terras de oportunismo... Tenho mantimentos para bastante tempo, não tenho de atracar. Saberei quando chegar, saberei... Até lá...

segunda-feira, 20 de abril de 2009

O Relatório

A busca de significados fez-me tropeçar numa descrição Psicograma, como se a psicologia fosse vendida ao quilo. Li e reli, analisei à luz da distância temporal de dez anos, o verdadeiro S.I. das minhas metas. As palavras ganham alguma consistência na minha mente e reconstruo uma imagem minha. Não vejo mais de que uma múmia, uma versão minha esvaziada da minha genuína essência. A visão é ainda turbada pelo ondular da superfície, tornando indistinta a múmia no espelho de água.

Então compreendo que o Psicograma mais não é que um auto-retrato. Seguro a mão da terapeuta e desenho com o píncel os contornos do meu rosto, da minha alma, da minha mente. Só que não é nem a minha mente, nem a minha alma, nem o meu rosto, que estão retratados, mas sim uma ténue imagem desfigurada e mutilada de mim. Para que cortaria Van Gogh a orelha se não para se retratar em seguida?!

"(...)Trata-se de um indivíduo caracterizado por alguma ponderação na expressão das suas necessidades, mas apresentando, por vezes, uma certa labilidade e hiperemotividade. Por vezes também, as cargas afectivas dominam-no, o que pode levar a uma utilização inapropriada da excitabilidade. Ocasionalmente pode apresentar falta de objectividade, mas é sintónico e espontâneo nas reacções.

De notar a existência de perturbações afectivas importantes, o que pode levar a um insuficiente controlo das reacções afectivas indesejáveis e alguma imaginação desregrada.

O contacto humano é bom, e parece haver boa relação com o conjunto parental, embora haja uma referência negativa ao simbolismo da autoridade e do masculino. Por vezes, a realidade e a forma como a vive face a si mesmo são relacionadas a aspectos negativos e angustiantes.(...)"

Dez anos volvidos sobre isso sei menos que julguei saber, mas então como agora, a forma como me captam é um registo de "por vezes", "parece", por alguma", "ocasionalmente". São peças de puzzles e não mil pedaços de espelho que se partiu... Até entenderem podem ver o meu mundo do lado de fora da redoma de vidro, agitem-me e provocarão alterações climáticas, basta dar corda e enchem tudo de música... É belo, é único, mas só faz sentido com o vidro que nos separa. Sente-te tentada a quebra-lo e nada restará, aceita o que te posso dar...

domingo, 19 de abril de 2009

Voz do passado


Meu amigo Joel,

Na melancolia de um destino que se precipita, na angústia de um legado hipotecado, na opressão latejante a que te sujeitei, deixo uma mensagem em que a ilusão da cura é arremessada para o poço dos fracassos, surgindo somente a figura do modesto paliativo. Por favor aceita-o.

Ousei-te chamar meu amigo, quando caro, ou simples Joel, se deveriam impor por cautela que um desconhecido deveria assumir ao acercar-se de quem se esforça por o afastar. Se o fiz foi por desejar que purgadas as angústias, esclarecidas algumas dúvidas, apaziguado o desconforto, sejas capaz de guardar estas palavras e dizeres: meu eu que fui, não sou nada sem ti e com os teus medos ganhei forças, com as tuas certezas conquistei mundos, com as tuas inseguranças evitei sofrimentos e carrego dentro de mim o vórtice supremo da indivisível essência do que fui e do que tu és em tempos passados.
Entende que o que somos nunca é verdadeiramente nosso, já foi de outro e será de mais alguém. O bebé que foste não te pertence, se muito pertence aos teus pais pois eles acudiram a cada choro, satisfizeram cada necessidade, estiveram sempre presentes para uma criaturinha que não te recordas e que a única coisa que partilhas seja talvez o nome e vagas recordações.
Cingirei o espaço temporal na década. Dobrada que está a meta dos "inta", percorro um percurso mental que me transporta aos vinte anos, dez anos anos não são nada e ao mesmo tempo cavam um enorme fosso entre o que sonhamos e o local onde nos encontramos. Limites temporais transformados em barreiras físicas. Sorriso irónico perante a imagem recordada do que era. Porque desististe de lutar, porque não seguiste aquele caminho, onde estaria se tu tivesses feito o que sabias ser o correcto?! Porquê?! Diz-me, responde-me... A resposta não surge e não permitirei que tal suceda de novo. Por isso aqui tens esta mensagem, para que não me julgues com mais severidade com que o teu eu futuro, te julgará dez anos decorridos de onde te encontras e que esta voz do passado não se desvaneça com a volatibilidade do tempo, mantendo-se presente tal qual um farol quando necessário.
Sei exactamente o que quero dizer, mas desta vez só isso não me basta, preciso mesmo de ser ouvido. Uma distância muito curta da boca ao ouvido, não fosse o capricho do tempo que nos afasta e nos aproxima simultaneamente. Cada palavra que credito neste texto é um débito arrancado da profundeza de nós, num balanço que oscila entre implo ou explosão.
O nosso corpo, quantas vezes o levei à exaustão, quantas vezes não fiz dele o cavalo ofegante que suplica por descanso e eu levei vezes sem conta ao limite. Sentindo a mente "apodrecer", castiguei sem fim o corpo para que corpo e mente se abraçassem num destino de igual súplica. Horas retiradas ao sono, álcool como veículo de fuga a realidade, dores auto flageladas... Trato-o muitas vezes como um carro de aluguer, tenho consciência disso mas garanto-te que quando o te entregar terás pneus, gasolina, direcção e óleo para mais dez anos de condução, daí em diante a responsabilidade é tua...

Os sonhos adiados, o maior fantasma que me acompanha e que te entregarei muitas vezes maior, pois é criatura oportunista que se alimenta do sentimento do fracasso e da intriga da derrota. Idealizei um sonho para ti que é o melhor para mim, aceita-o ou sê corajoso para o mudar. Gostava que o aceitasses, vou lutar muito por ele, superar muitas barreiras, encetar uma longa viagem até te trazer até ti uma pequena parte do mundo contida no espaço necessário para sonharmos juntos.
Os filhos que não sacrifico como se mostrou disponível a sacrificar Abraão a Deus quando lhe foi ordenado. Sacrifício é mesmo o saco que escolho para juntar os sentimentos amargos que me inundam a pele, o cabelo, todo o corpo, ao imaginar-te ficares com os meus filhos. Desculpa mas não posso chamar nossos filhos, serão meus quando deveriam já ser, faz por os mereceres e eu esforçar-me-ei por aceitar que os tomes por teus.
Os livros que não li, os que não escrevi; as mulheres que não amei, as mulheres por quem não sofri, as que não permiti que me amassem; os concertos a que não fui, os desejos que não materializei; os pores-de-sol que não vi, o nascer do sol que não aceitei como uma nova oportunidade desperdiçava vezes sem sentido, os abraços que não dei, os sorrisos que não distribui; Resumindo, o que não fui tendo sido o que não deveria ter sido e o que me deveria ter tornado no que deveria ser.
Mas afinal o que fui e o que deveria ter sido, será que me sabes responder? Saberás, certamente saberás, eu é que não poderei ouvir. Não te martirizes no entanto, essa sensação inquietante de algo que vives, sentido que já viveste serei eu a tocar-te no ombro e mostrando-te o caminho. Tudo o que precisas é fechar os olhos e seguir a direcção que te indico, serei o teu deja vu.
Trato-te por amigo e rompo um dos lacres que coloco em volta das amizades que mais prezo. Peço-te desculpa Joel, este pedido de desculpa é como um martelo imponente e impiedoso que lanço sobre esse frágil lacre, sem contudo destruir a amizade amordaçada, nesse preconceito ditado por mim. Desculpa-me e aceita todas as más opções, aquelas inconscientes e acima de tudo as que sabia erradas...
Não quebrarei mais lacres se te pedir uma coisa. Não quebro porque não tenciono pedir-te mais do que podes dar. Joel não te pressiones e não permitas que te pressionem; segue o instinto, não te falte a coragem de seguires os teus próprios sonhos, não obstante este que te entrego num belo embrulho; não fujas da tua verdadeira natureza, preserva-a e acredita quando te digo que não é possível a partilhares; guarda a tua energia para as batalhas que valham mesmo a pena, mas nunca voltes as costas a nenhuma guerra; não aceites que há kriptonites, vê as fraquezas como oportunidades e não como ameaças; guarda sempre no teu coração um lugar para os que te amam, idolatra-os e não deixes de recordar o que significam para ti; ajuda quem precisa, foi-te dada uma arma que pesa imenso (sei porque a transporto não te esqueças), com essa arma podes terminar guerras em muitas pessoas, usa-a; nunca te sintas sozinho, tens-me a mim...

Lidas estas linhas poderás sentir que tento traçar-te o futuro, que te entrego um livro de instruções, que já fiz as escolhas por ti, quando de facto assim não o é. O que faço é o que qualquer pai faria pelo sei filho, começo por pedir desculpa por tentar e forçar-te a ser o que eu não consegui ser e depois tento auxiliar-te no melhor que posso e sei. Sim vejo-te como um filho e como pai estou convicto que não me decepcionarás.

Bonitas as palavras que escolhi para me despedir de ti, no entanto não tão nobre e simbólicas como o beijo que minha alma anseia por te dar. Escolho portanto as palavras daquele que a frase transporto impregnada no meu espírito e visível no meu pulso, certo que encontrarás o significado que escondo nelas:

"Quero vivê-lo, quando mais tarde me procure
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é a chama
Mas que seja infinito enquanto dure."

Associa as palavras que te deixo à imagem que com elas sepulto, qual cruz de jazigo em que descansam em paz pavores e receios.

Do sempre teu amigo,

O Joel que foste e que eu sou...

sexta-feira, 17 de abril de 2009

A minha Poetisa

Saudade

"Alguém disse que a Saudade é a palavra mais linda da língua portuguesa.
Tem razão esse alguém. Para mim não só é a mais linda como a mais significativa. Na verdade essa palavra encerra tudo o que ficou para trás na nossa vida e que vale a pena recordar.
Quando se tem saudade, é sempre de alguma coisa, cuja lembrança é agradável, ou de alguém que nos é muito querido e que partiu numa viagem sem regresso.
O resto é para esquecer.

Ilbete"

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Pedacinhos de mim


As palavras podem ser imagens, mas há imagens que são mais que palavras nossas. Sinto estas imagens como minhas e sinto-me nelas, é tudo quanto importa. Pequenos pedacinhos possíveis de colar...

terça-feira, 14 de abril de 2009

Memorial a um Amigo

Esclareça-se, não o faço porque me tenhas pedido, ou porque preciso de recordar, não o faço pela dimensão imensurável do teu feito, ou para esclarecer alguma questão. Porque o faço não sei, mas sei porque o faço agora...
Selaste a entrada neste mundo com tragédia. Aquela que te carregou no seu ventre permitindo que te alimentasses da sua seiva, foi sepultada ainda antes de ter padecido. Como que se as suas últimas lufadas de ar tivessem sido roubadas, por aquele pequeno ser que eras e esperneava ensanguentado e cheio de vontade de abraçar a voz que aprendera a conhecer do interior. O destino te roubou o cheiro e o carinho de mãe e apenas agora te começava a pregar partidas.
Amaldiçoado, diriam alguns; sobrevivente era o vaticínio de outros. Pudessem aguardar pelo último acto, para que a cortina encerrasse o palco e a dúvida tomaria proporções ainda mais dantescas.
Órfão de mãe, um entre muitos irmãos és deixado ao cuidado de avós e tia solteira. Cresces um pouco como uma flor que se precipita sobre um riacho, deambulando no seu leito sem que as abelhas têm colhido todo o seu pólen. Mas cresces e mesmo da água, nesse movimento errático que não permite adivinhar o próximo percurso que irás tomar, é inesgotável o teu instinto de sobrevivência.
Juntos construímos foguetões; cantamos a lenga-lenga que era suposto convencer aquele afortunado insecto musical a abandonar a sua toca sombria, para uma existência numa gaiola com alface fresca todos os dias; fomos o terror dos pássaros que mais não pretendiam que seguir o rumo que a natureza lhes traçara e criar a sua prole... Juntos construímos sonhos e juntos sonhamos ainda mais alto.
Nem a vida regada te poupou ao martírio. Todo o desporto, a opção de dizer não aos cigarros, a abstinência alcoólica, o trabalho dedicado, o rigor eucarístico, de nada valeram. A notícia cai como uma bomba. Perdidos à tua volta procurávamos decifrar todos os contornos. Não pode ser penso eu, enquanto me mostras a casa que irás habitar com essa mulher sem ímpar, que idolatro pela sapiência da bondade, da simplicidade, da entrega plena. Não acredito penso novamente, não podes estar a ser devorado por dentro, tu casas daqui a 4 meses, não vais morrer neste mês ainda, não pode qual galopante qual quê. Na minha boca um sorriso perdido nas agruras de um desejo de vingança, que se agoniza quando mostras um quarto que será de costura mas muito em breve dos frutos do vosso amor...
Vi-te vomitar sangue, vi-te vomitar a tua própria carne. Muito chorei, assim como as lágrimas me partem agora dos olhos para se despedaçarem no teclado que escolho premir, para me trazer um pouco de paz. Perdeste quilo sobre quilo. Luta titãnica para fazer retroceder a comida em direcção ao estômago quando o organismo insinuava que o caminho natural já não era esse. Aceitavas e não questionavas, sabias que ias vencer nem que tivesses de roubar mais lufadas de ar à tua mãe que agora tomava o lugar vigilante à tua cabeceira, para te poder mostrar o rosto da voz q ouvias, pela primeira vez.
O teu amor, essa mártir, essa santa, adjectivos humildes face à distância da dor que percorreu para te mostrar que o vosso amor era eterno, não vacilou um segundo, não correu uma lágrima naquele rosto sem que num quadro maior se visse um sorriso. Por uma vez, uma única vez te vi extenuado de tão atroz sofrimento, olhar para cima e simplesmente questionar o porquê, o porquê de te estar acontecer isso. Desta vez sem coroa de espinhos mas o sentimento genuíno era o mesmo: "Pai, se quiseres, afasta de mim este cálice."
Todos saiam, todos se desfaziam ao assistir, invariavelmente restavam na sala eu e vocês os dois essas criaturas magníficas. Não digo que não saía por coragem, mas sim porque me sentia magnetizado perante o que via à minha frente, perante a inesgotável fonte de amor, vontade de viver. Sentia-me tão pequenino, mas ao mesmo tempo tão quente e tão pacífico junto dos dois.
Um mês tornou-se em dois e em três e assim sucessivamente. Chegamos acreditar, usamos de tudo. Procurei respostas milagrosas na internet, buscamos o que o mundo da ciência tinha para oferecer, não se esgotaram mesinhas de freiras e menos freiras... Só vocês, posso dizer mesmo só tu, porque já não vos distinguia como duas pessoas mas uma só, perceberam e beijaram no rosto a morte que vos veio buscar e nem um segundo mais pediste.
Ensinaste-me tanta coisa Tino, mas tanta coisa que hoje tenho de esquecer para desculpar as asneiras que faço, quando cada ano que vivo depois de ti, aproveitarias bem melhor num simples minuto da tua vida. Aprendi também as coisas mais simples, aprendi a força de um sorriso e onde encontrar a energia para o trazer ao rosto das pessoas. Orgulhoso estarás por veres que não mais parei e por cada pessoa que faço sorrir num momento menos bom, é um tributo que eu te deixo. Pouco é, mas é o que sei dar.
Morreste e só me lembro do abraço que a tua meia metade que ficou para trás,me deu para me consolar. Lembro-me do beijo que te deu numa testa que não era tua e já estava gelada. Uma lágrima correu e não a impedi, o mais puro de mim estava lá e quem sabe o que não poderia fazer quando tocasse os teus olhos. Nada aconteceu... Olhava-te e via ossos de um herói, num lugar que deveria estar carne que nunca se deu por vencida mas por sacrificada. Transportei orgulhosamente o teu caixão, não como irmão de sangue mas como irmão de vida. De cabeça levantada ajudei a baixar-te e a tapar o teu resquício neste mundo e afastei-me no sentido de uma pedra que não era tua, mas de quem tinha a mão sobre o meu ombro. Chegado lá, chorei do mais profundo da minha alma e só de lá saí quando a Miquinhas me colocou a segunda mão sobre o ombro...
Também agora sinto uma mão no ombro que me dizes ser a tua, ou porque aceleraria assim o meu coração, porque arrepiaria a minha pele, porque se toldaria a minha vista? Tanto para ser dito e necessidade alguma de o dizer. Estou-te eternamente grato, és uma das pedras vacilares que me moldaram como sou e ainda assim sinto-me uma sombra do que tu eras.
"Chegaste, VIVESTE e partiste" de uma maneira única. Obrigado pelas lágrimas que tal como agora me caíram e limparam a alma, obrigado pela descoberta da força do sorriso e obrigado por me teres permitido partilhar um fragmento do teu exemplo de bravura e beleza de heroísmo simples. Obrigado Tino, quando nos reencontrarmos no mesmo patamar de materialidade sei o que te dizer...

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Pato diabólico


Aspecto inofensivo, meigo, divertido e carinhoso. De tão seguro me fez sentir que achei que estava preparado para dar o passo seguinte. Sim achei que era chegado o momento que a minha relação com ele aguardava, estava preparado para partilhar a minha intimidade com ele... O Donaldinho iria compreender, as coisas com ele não poderiam voltar a ser as mesmas...
A banheira estava preparada, tinha tudo, água abundante e bastante quente, o gel de banho e os sais. Pé ante pé, entro na banheira deixando a água beijar cada centímetro do meu corpo preparado para o choque térmico. Confortavelmente instalado e sem mais contemplações num apelo repleto de significado digo: é agora Luisinho!
Ao início tudo bem, as coisas decorreram normalmente, tal qual com o Donaldinho e achei que poderíamos iniciar a brincadeira dos submarinos. É um jogo muito simples, bastava ele andar pela espuma relaxado com aquele ar querido e o periscópio do submarino iria surgindo do meio da espuma tentando derruba-lo. É bem divertido e menos "doente" do que parece. O que é facto é que ele se transformou, ficou verdadeiramente possesso. Rondava insistentemente a área que seria mais provável o submarino estar e quando lá chegava próximo mergulhava com aquele bico voltado de lado. Algo me diz que não era para me dar prazer infinito (evito o jogo fácil de palavras), mas aquele bico pretendia retalhar a minha masculinidade. Queria dizer, o periscópio do submarino...
Na minha mente revive o pânico quando via os filmes do Chuckie o Boneco Diabólico e senti que encarnara no Luisinho. Terminei imediatamente o banho e deixei-o percorrer nervoso o oceano de espuma buscando o alvo para atormentar.
Já seco e de pijaminha vestido deito-me na cama e lanço o meu braço sobre o lado esquerdo até encontrar uma coisinha fofa e aveludada, o meu ursinho... Encosto-o a mim e quando o barco inicia a marcha para atravessar a margem que me leva ao mundo dos sonhos, sou acordado com uma dor no rosto. Maldito urso que me arranhou a cara com a porcaria da etiqueta. Que estupor de demónio possuiu os meus brinquedinhos?
O barco só partirá daqui a umas horas, por isso fico nesta margem e uso o tempo para pensar. Que faço, arranjo um sacerdote para um exorcismo ou interpreto como um sinal que tenho de crescer e comportar-me como é esperado de mim?!
O barco atrasou-se ainda mais... Numa fugida vou à sala, botão on, aguardar, homepage, search por exorcista de objectos, ficou tudo resolvido...

sábado, 11 de abril de 2009

Sombra do que fui



Quem sou eu? Quem sou afinal? Será que eu mesmo saberei?! Olho para o reflexo na água e digo que ali estou; olho para a sombra que me acompanha e sinto que sou eu, mas a sombra e o reflexo sou imagens distorcidas pela física da materialidade, materialidades essas sem lugar na minha caixa de Pandora.
Não é igual dizer que estou a sofrer com um sorriso nos lábios, ou com uma lágrima na face? Questionam o sentimento ou a honestidade? Impeço-me de quebrar a promessa que fiz num momento de calor glaciar. Choro e faço-o por amor, pelo amor que esbanjo, pelo que os abraços que não dei, pelo rosto que não afaguei, mesmo pelo estalo que não fiz sentir. Choro num mundo de medo com receio da incompreensão, choro independentemente de verter lágrimas ou não, choro sorrindo, mas choro sobretudo por mim.
Não creio que tenha mudado assim tanto. A metamorfose não foi tão extensa para o sistema imunológico das pessoas mais próximas me rejeitar como indivíduo estranho e indesejável. Como em tudo uma opção, ser ou não ser, sentir ou não sentir, ver ou não ver e a escolha foi nitidamente pela negação. Vejam, olhem para mim, retirem mentalmente a máscara, ela não está cá para vos impedir de ver. Deixem a sombra, deixem o reflexo, sou eu, eu porque não me vêem?!
Um sorriso não é sempre sinal de alegria, nem o silêncio sinal de tristeza. Muitas batalhas se vencem com um sorriso e muita sabedoria se atinge com o silêncio... Viro uma página e outra, sempre virando, sempre. Quero chegar ao fim, aí decidirei; um final "viveram felizes para sempre" irá levar-me a fechar o livro, enquanto que um final real abre-me um mundo de opções.
E são tudo opções, não vejam só, escutem, usem todos os sentidos. Não há livro de instruções, a vida não é um móvel do IKEA; não há dicas, as pessoas não são vídeo jogos... Sou forte mas não sou indestrutível, regenero cicatrizes mas preciso de tempo até que me façam outras, sou solitário mas só porque há espaço para mim em multidões...
Várias são as equações químicas que explodem sensações incríveis dentro dos bastidores da minha vida. Não sei se algum dia passarão para o palco e se haverá audiência caso aconteça. Muito provavelmente não restará ninguém para dizer sequer o "muita merda", mas a sombra é a do que sou e não do que fui!

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Recortes de sentimento



Sou a moeda que levas no bolso. Segues o caminho com a mão jogando-me alegremente contra outras moedas que infortunamente partilham esse espaço... As notas, essas transportas bem arrumadinhas na carteira, porque é delas o valor, julgas tu.

Transfiguras o valor da nota e inseres num qualquer bolso; infortúnio calonioso! Lavas as calças, moeda e nota abraçam o mesmo fado, mas sentem-no de forma diferente. A nota lamentas-te, apregoas as pragas do Egipto mas mais não te resta do que aceitar que é apenas papel amarratudo e molhado, o valor que tinha já não tem, então que valor é esse?!
A moeda essa está lá igualzinha, o mesmo sem valor, mas com valor. Com ela pagas um café, sentes o sabor meritório da estimulação da cafeína e partes num percurso, jogando uma contra a outra, a outra contra todas e juntos vamos, até que um furo deliberado pelo destino, nos liberta da guilhotina.
Alguém encontrará a moeda do chão, alguém achará que vale o valor, alguém a limpará e se recordará dela quando sentir que com ela tem o gosto que agora sente na boca...
Sentimentos recortados de uma noite diferente das outras e de em tudo igual.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Tens orgulho em mim?

Minha querida avó,

Muitas vezes falo contigo, geralmente quando as lágrimas lutam furiosamente por sair. Respondes-me com o calor humano ímpar que sinto dentro de mim e os braços em redor da alma. És a saída, és a resposta, és o conforto, és o empurrão que eu preciso... É um diálogo a sós que sempre quis traduzir em algo material, consigo pensar, consigo sentir, não consigo transcrever. Acelera o batimento cardíaco pois o calor é imenso e deixo os dedos serem o coração e o coração seguir a mente.

Carregaste nos ombros um peso que não era teu. Envergonhavas-te por te sentires a serpente do paraíso, quando no máximo foste a semente da maçã. Teu pai, herdeiro das melhores famílias, mulherengo de serviço, pioneiro na condução de carros no distrito no Porto, enfeitiçou-se por uma simples criada e da luxúria fez humildade por amor, tudo trocando. Foi renegado com o alento material de uma vida sem vicissitudes mas sem o requinte de até então. Já com doze anos foste a portadora das alianças que finalmente selaram um futuro e uma união já antes consumada. Pela vida toda sofreste por um apelido que não tinhas, foi-te negado à nascença e atribuído por direito na campa. Não precisavas és bem mais do que um nome, mas pelo nome te conheço por Micas a minha avó, a minha orientadora, a pessoa que me desenhou...

O cheiro e o carinho da minha mãe foi o teu; a primeira noite foi passada contigo. Apenas o prelúdio do papel que representarias na minha vida, tivesse antecipado e já mais largaria esses teus caracóis frondosos e esse sorriso esplêndido, pelo menos no tempo que me foste destinado.

Estiveste sempre lá. Cada momento, cada marco, cada passo estás lá tu. Tinhas um plano para mim, pegaste num esboço de pessoa e foste "tricotando" cada pedacinho de mim, com linhas que eram minhas, um plano que não era teu, mas da qual foste nomeada guardiã. Tu sabias, tu viste, não me mostraste, não disseste qual o caminho, mas preparaste-me. Tu viste o meu dom, tu sabias, sabias o que me iria custar, sabias os demónios contra o que teria de lutar... É difícil avó muito difícil, não o quero mas sei que não me cabe a mim resolver, por isso dá-me a tua mão e não a largarei.

Sempre acreditaste em mim. Soubeste estimular-me, soubeste repreender-me, não importa qual a escala. Quando me confidenciavas o orgulho que tinhas de mim, era tudo o que bastava. Hoje na cama quando não sobra um cabelo de fora dos lençóis ainda te questiono: "tens orgulho em mim?". Sinto-me em dívida para contigo pelo homem que sou, pelo que atingi, mas culpo-te pelo que fracassei. És forte por isso te transmito mais um peso que não é teu, mas és forte e eu não sei se o consigo transportar. Agarra a minha mão e não a largues.

Fez nove anos que partiste. Ao início pela mesquinhez insegura da condição humana, procurei-te incessantemente debaixo daquelas pedras de mármore frias. Sentava-me, fechava os olhos e gritava silenciosamente por ti. Nunca estavas em "casa". Com paciência, com carinho, com tranquilidade apertaste um pouco mais a minha mão e percebi que não tinha de te procurar porque tu sempre me encontravas.

Sei porque partiste. Foi o teu derradeiro acto de sacrifício. Não sei com quem ou o quê fizeste o pacto, mas resultou, o drama terminou, a tua família superou uma das fases mais negras. Saímos todos mais unidos e fortes. Repudio quem ou o quê firmou acordo mais hediondo, mas aliviado e grato me sinto pelo teu gesto. Pedi a mão e abraçaste-me...

Partiste e eu não me despedi. Estava contigo e tinhas aquele sorriso, prostrada de forma indefesa no leito no qual abraçarias a morte. Não me recordo o que disseste, acho mesmo que não falaste, mas disseste tudo e eu não me despedi... Longos tempos carreguei essa imagem, sem perceber o significado que não fosse uma ferramenta de fustigação. Uma última lição me deste nesse dia... Tu "disseste", eu soube e a única coisa que disse foi: "até já Miquinhas!" Disse-o, mas não abri a boca, disse-o com o meu dom, para te mostrar que o entendi. Não senti como suficiente. Obrigado pela lição, aprendi o valor do sentimento em palavras, aprendi o que é perder a oportunidade de demonstrar o que sentimos, ainda que não seja necessário ou não deva ser necessário. Eu amo-te, entrou no meu dicionário. Não passei amar mais, mas a demonstrar mais. Amo os meus irmãos, os meus pais, a minha/nossa família, amo o sorriso que me fazem esboçar, a lágrima que me fazem correr. Eu amo, gestos, olhares, sons, cheiros, texturas, amo e sei que amo. Quando largo a tua mão para abraçar alguém, coloca a mão que agora tens livre nos meus ombros...

Tens orgulho em mim? Até já Miquinhas...

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Diário de um fim-de-semana


Fim-de-semana pleno de actividade a todos os níveis, os medidos materialmente e níveis aos quais está por inventar instrumento ou ferramenta que mensure.

Concerto Cinematic Orchestra uma desilusão só superada pela expectativa. Valeu pela teimosia de um baterista que vomitou prazer individualista, prendendo uma sala magnífica a merecer ser visitada muitas mais vezes e cujos espaços foram preenchidos por fumos de fazer sorrir e sonhar. Seguiu-se depois, do antecedente jantar num italiano, uma ida à nova baixa do Porto. Palpitação de energia, de vida. Artérias repletas de gente, odores estranhos e ao mesmo tempo tão conhecidos. Palete de pessoas e multiculturalidades, sons tão indistintamente intuitivos... Companhia insubstituível...

Preguiça interrompida por um telefonema e continuada com a certeza que não dava ondas. A preguiça precipitou um caudal de energia intenso de tarde. Sinto como se o fato não vestisse a pele, é a pele que esconde o fato. Surfo a tarde toda... Correria desenfreada, compensada por um lugar de estacionamento estratégico. 40 min, arrumar material, tomar banho e chegar a Guimarães. Enfim a merecida cerveja na esplanada com amigos, sem os tremoços, mas os ingredientes principais estavam todos. Romaria ao estádio ali ao lado. Formidável, libertar de tensões e conflitos.

Malditos restaurantes italianos, venha o "Carroça" e não sobraram bois para me puxar de lá para fora. Subir o nível como quem diz, mais cerveja que daqui é sempre a descer. S. Martinho bar, belas recordações me trazem ainda deste ano: "Love will tear us appart". Passo com distinção à dura prova que me propus, não desaprendi, é tudo tão óbvio, tão isento de chama, tão sem alma, tão de nada e tão pouco de tudo... mas eu sei, eu posso, eu não quero; adeus que me vou.

À distância de um telefonema tenho um final de noite com um simbolismo inquietante... "Toto gostas de mim?" Pensei que o exame tinha terminado. Radar assinala algo estranho; há algo, não pode, não quero, não permitirei, mas estou tão próximo que consigo tocar e toco. De repente percebo que este fogo que me devora incontrolável só tem uma forma de ser extinto... Este início de deflagrar desta centelha, que mais não é uma luz que não esconde o poder "destrutivo", seduz-me numa interminável sensação de abismo. É mesmo abismo, caio de um, faço ricochete e sou lançado novamente para um outro, sem piedade. Que há comigo e esta atracção por causas impossíveis? Não pode ser receio de intimidade, não desta vez, o único escudo que transportava comigo era o da ingenuidade e o pseudo sucesso de ter passado um exame "auto-flagelado"...

Deito-me e não sei se é dia se é noite. A luz é alguma e na música dos pássaros não sei se dizem olá ao sol ou à lua. Não me deixo ficar muito pela cama. Não é o telefonema que vai se tornar aliado da preguiça. O cenário repete-se, mas agora vejo-o com os próprios sentidos. Sem ondas, lugar a pequeno almoço, com aqueles que padecem da mesma "doença". À tarde, será à tarde, mas primeiro almoço nos papas com o ritual habitual que num abrir e fechar de olhos se resume uma correria desenfreada, para chegar novamente à praia. Surf total...

"It wont fly the seven seas to you
Cause it didnt leave my room
But it awaits the hands of someone else
The garbage man"

O universo expande-se para de seguida se encolher sobre si mesmo. Fujo para os confins mas tudo o que encontro é o início. Buraco negro que nunca foi estrela, mas se consigo segurar das mais belas borboletas nas minhas mãos, talvez um dia, talvez...

sábado, 4 de abril de 2009

Esgar de Consciência


Algo me perturba que não consigo descrever. Algo no entanto familiar, companheiro de inúmeras situações, inúmeros e momentos na mensurabilidade da minha escala de tempo. Trilho o mesmo caminho de absolvição, busco nos sons, nas cores, nas palavras dos outros, as minhas próprias palavras, as minhas próprias cores, os meus próprios sons. Algo muda desta vez, já são minhas, já foram e ainda são...

Incrível a presença do significado. Recuso analisar o significado e para ser familiar, tomo para outros aquilo que é meu, para recuperar como meu. Preciso de um heterónimo...
"Mergulhei de cabeça. Senti o meu corpo gelar e o meu espírito efervescer. Conflito de sensações, desorientação de sentidos. Egoísmo misturado com fragilidade.
Não me apetece falar, mas apetece que me ouçam. A percepção de idealismo reside no meio, simplicidade constante apenas nos refúgios que nos acolhem. Não estou por convite, estou por encarceramento. O guarda e o encarcerado são um e um só, EU.
Afinal falo mesmo, afinal não me ouvem. Precisarei mesmo que me ouçam? Tanto me faz. A civilização, as multidões estão aqui, eu estou bem lá longe, figura indistinta distorcida por ondas de calor num horizonte que me parece transportar para aqui, quando no fundo caminho para longe. Só espero não deparar com outra multidão.
O risco de explodir é menor que o de implodir. Num esgar de consciência sinto um grito crescer na garganta. Espero o terramoto de emoções tal qual se espera o estrondo após o relâmpago. Pode tardar mas surgirá e por muito preparado que estejamos, o grito da alma não será contido, porque a surpresa não é tudo.

Mas estou bem. Não sinto o mar, mas sinto a sua energia. Não sinto o vento, mas sinto a sua carícia, não sinto o solo a desaparecer rapidamente debaixo dos meus pés, mas elevo-me no ar...
Pelo menos sou livre, pelo menos..."

Inicialmente tiranamente apelidei de "esgar de fragilidade"

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Quando as palavras tomam vida

Quando as palavras são sentimentos, as frases são pessoas e os textos são fotos. Nesta "foto" vejo não uma mas duas pessoas, numa condição humana de um expoente inatingível a muitos dos comuns.
Sou avestruz, sou tartaruga, escondo-me na concha, enterro a cabeça na areia. A inexpressividade, a forma como a mente amordaça a boca, ata as mãos, é a único suspiro da alma que de mim sai.
Quebro uma regra de ouro e terei mesmo de dizer: obrigado, muito obrigado e não lamento nada...
"Acordei estranhamente em paz e finalmente as coisas fazem sentido! As pancadas intensas que sentia, o peso que reclamava uma decisão esta desfeito! No meio do caos encontrei o equilíbrio… e não sendo necessariamente esse equilíbrio fundamental estou feliz com ele!
Nunca imaginei que nada entre nos fosse normal, nunca foi… começou de uma forma surpreendente quando descobri em ti mais do que o surfista bem-disposto que mostras normalmente! Fizeste-me crescer, ver as coisas de todos os lados, agarrar oportunidades, deste-me tantas e tantas vezes coragem, força, foste o meu abrigo em momentos de magoa, foste o meu ouvinte quando as palavras só parecia fazer sentido para ti!
Recordo com pormenor a primeira vez que me tocaste… quase não cabia no meu corpo, parecia demasiado apertado, demasiado curto… desafiaste então a minha interpretação da vida, o meu lugar no mundo ficou tão mais intenso e mais fácil!! sentada em frente ao computador sentia-me voar nas tuas palavras , perto de ti era impossível estar mais completa! Se isto não é uma espécie de amor. O que é? Não tenho pretensão de criar um novo sentimento, mas simplesmente gosto de ti e não o posso evitar!
Um dia disse-te que a paixão tira-nos o raciocino simples que vivíamos, e deve mesmo ser verdade, no entanto ressalvo-me de tal crise de ciúmes, de sentimento de posse, de imagens negras dentro deste meu gostar simples, que confia a ti a vida, sem pensar, sem ponderar, seja qual for o risco! Confio mais em ti do que em mim…
Estávamos errados! Não ha decisões a tomar! Desde quando é que controlamos alguma coisa???Fica na minha vida para sempre, da forma que te sentires feliz dentro dela!Beijo grande!"
Quando as palavras tomam vida...

quinta-feira, 2 de abril de 2009

A Minha Avó Ilbete

Início do mês, altura de um exercício preventivo face à volatibilidade da memória, verifico os aniversários que se avizinham para reduzir o risco de me esquecer de algum. O Hi5 ajuda, mas felizmente que ainda existem algumas criaturas que estoicamente resistem, logo não é garantia coisa nenhuma.

Neste caso não necessitava que me recordassem da data, mas das recordações da data vividas todos os anos nesse dia. Dia 1 de Maio, aniversário da Vóvó Ilbete Mortoni, uma das figuras mais belas e coerentes que tive e tenho o orgulho de conhecer. Sem trair os pensamentos debruço-me um pouco sobre os acontecimentos e depois o que faltar será preenchido com uma tentativa de desenhar a figura.

Moro a um km da D.ª Ilbete, contudo visito-a 3 a 4 vezes por ano. Culpo-me por não o fazer mais, mas tudo me é desculpabilizado por ela... Contudo dia do trabalhador é sagrado de uns anos a esta parte e a cerimónia sempre a mesma. Pensar, escrever sobre a mesma causa um misto de perplexidade sem a surpresa que me aguarda, admiração e receio... Falarei no presente e não no passado.

Já chego tarde são 16h. Encontro um grupo de senhoras idosas em redor de uma mesa. Como seria de esperar da idade, as mantas cobrem as pernas, nenhuma frase é entendida sem o: fala mais alto mulher que não te ouço. Chegar tarde trás a vantagem de não ter de ouvir falar das doenças intermináveis e na medição de forças quem tem mais doenças e a doença mais rara prémio último a quem tem mais de oitenta anos.

Na mesa está o chã, o pão-de-lo, as bolachinhas, a goiabada que a Ilbete adora e mais alguns mimos. Tudo muito normal, até que ela sempre ela, a D.ª Alice dispara: Oh Ilbete onde tens guardada aquela garrafa de vinho do Porto. Bem é agora que eu tremo, acho que não me vou sentir tão nervoso quando a idade me obrigar a toques rectais frequentes... Transpiro, olha para todas e para cada um delas e antevejo a metamorfose que em breve se sucederá.

A Vóvó: Joel sê um neto amigo e vai buscar a garrafa que eu escondi... Ao que eu interrompo: eu sei onde está! Qual resignação do enforcado perante a sentença. Não há cálices não faz mal, vai na chávena de chã. Uma simples garrafa, 6 a 7 mulheres, o terror de um jovem. Voam as mantas, sai o frio vem o calor. A Ilbete puxa do seu esplendor que me seduz, me faz olhar para ela como uma diva e declama poemas de memória, com uma sensação de pertença dos sentimentos do poeta que só quem viveu pode afirmar. Todas aplaudem, todas mostram os seus talentos, delicio-me extasiado com tamanha demonstração de vida, a quem já não consegue voltar costas à morte por muito tempo...

Até que... Ela, sempre ela, a Alicinha sobe a parada e eu entro em taquicardia porque já sei onde isto termina e este ano tinha esperanças que fosse diferente. "O meu homem era muito meu amigo, comia as outras para me poupar a mim". Onde outrora havia actrizes, poetizas, mulheres de culto, há agora peixeiras, "jovens" com uma apetência sexual indecorosa... Ouço coisas que nenhum ser humano com pais e avós deveria ouvir. Imagens de pessoas daquela idade em burlescos momentos de êxtase sexual, não é propriamente a melhor sensação. Fico com impressão que falha a audição, a visão, praticamente tudo e elas aceitam mas o sexo...

Chegou o momento... condenado não tem direito a últimas palavras, apenas última refeição se desejar... Já não sei se é ela ou se é outra, mas de um momento para o outro os olhares multiplicam-se na minha direcção, sou tomado por uma sensação de desconforto, depois de pânico e sinto-me encurralado, como uma gazela libertada no meio de um grupo de leoas famintas. Não mexo um músculo e penso que tenho tempo de correr até à porta, afinal de contas todas elas não andam sem muletas, mas algo me diz q não chego lá. Despeço-me deste mundo e doutros que ainda estão para vir e resigno-me a tal destino, quem sabe nem seja tão mau... Ouço a voz de um anjo: "Meninas, juízo deixem o meu neto..." Sigo a deixo e digo: "bem é um prazer mas já se faz tarde e sabem como é, ainda tenho muitas memórias a construir para ter algo a contar daqui a 50 anos!" Beijinho carinhoso em cada uma delas e um enorme beijo com um abraço incrivelmente forte na Vóvó e saio.

Antes de sair olho uma última vez para trás, com surpresa vejo mais garrafas. Como lá chegaram não sei, o que se passa a seguir, nem me atrevo a pensar. A menos que elas encomendem pizzas e o rapaz vá fazer entrega...

Já cá fora, respiro o ar puro e penso para o ano venho uns dias antes e escondo a garrafa. Não não farei isso, este é um dos dias mais importante do ano para mim e não sei viver sem ele, além do mais elas arranjam sempre alternativas. Estranhos são os desígnios do Senhor, ou neste caso, das senhoras de 80 anos.

Não sobra muito espaço e espaço nenhum sobra para descrever um fio de cabelo desta mulher. Melhor assim, porque odeio a ideia de começar um projecto que não concluo. Senhora, Dona, Menina Ilbete Mortoni, a minha Vóvó, nascida em São Paulo Brasil, neta de italiano e alemã, pai português, uma irmã, vem para Portugal sozinha aos 12 anos. Conheço um "senhor" Aníbal Leite Braga farmacêutico e inveterado mulherengo e amante da vida de quem tem 8 filhos. Perde um filho, Germinal, em 1976 com vinte e pouco anos à altura e abraça um luto que ainda hoje ostenta não só nas vestes como na alma... Faço um parênteses, uso uma prolepse porque uma vida não são palavras e linhas não são anos.

Ilbete é uma mulher incrível, de uma inteligência extraordinária. Precisa na escrita, apaixonada pela leitura, não se envergonha a discutir qualquer assunto seja qual for o interlocutor. Matriarca absoluta no controlo e protecção da sua prole. Solitária, cinzenta, pessimista, prefere a chuva ao sol. Olhos claros, extremamente débil na sua magreza, cabelos cor da neve não profanada. Apela constantemente à morte e não se apercebe do brinde que a vida lhe traz; sonha com o momento que abraçará o filho que viu partir, e não sente plenamente os dos que cá estão.

"Bebi tanto desta mulher, desta criatura que para mim assume contornos divinos, tanto na minha herança genética como na moldagem que o meio teve em mim e na minha personalidade.

"Se o teu desejo for esse,
Coloca a tua mão na minha cara.
Só pararei de pressionar a almofada que tenho sobre a tua cabeça
Se me fizeres sinal com a mão,
Caso contrário acarinha-me
Pois será essa a mais bela recordação
Que guardaremos um do outro.
Se for esse o teu desejo..."

AMO-TE muito Vóvó...

Dia da Libertinagem


Soam as trombetas no alvorar da época da libertinagem. Não que alguma vez ela tenha parado, apenas porque ainda assim somos uns românticos e gostamos de assinalar a data. Que melhor forma de o fazer que coincidir o dia da Liberdade com o da Libertinagem, num louvor capaz de fazer corar o Capitão Salgueiro... (mais fácil teria sido prostar-se perante um canhão que andar por cá nos dias de hoje)!

A resposta ao trompete não se faz tardar e eis que os bravos surgem de todos os lados, debaixo das mais insuspeitas pedras. Não se deixem enganar, esta é uma tarefa titânica ao alcance dos mais persistentes, com anos de experiência e treino. Nervos em franja e fígados de aço...

Vem-me à memória o episódio do ano passado no momento de receber a conta, após alguém fazer a divisão do valor do repasto num coro de indignação unânime: "Que merda de conta é esta? Leve isto para trás e não se atreva aparecer cá enquanto não der menos de 15€ a cada um de nós, e se não sabe como fazer traga a diferença em vinho!" ... Já iamos com mais de duas garrafas cada de planalto a fazer flutuar comida no estômago e uns litros de cerveja que já rendiam desde o Berço da Nação e ainda faltava o xincalhão...

Excitado pelos gritos gloriosos de quem vence no xincalhão e embriado pelo néctar dos deuses, prossigo pelo bosque dentro apreciando formigas gigantes, fadas, unicórnios e outras figuras místicas, mas nunca me afastando muito do riacho, é que lá descansam na pacatez das águas refrescantes do riacho, as cervejas que desaparecem à velocidade da sopa dos pobres, tantos que são os necessitados...

O som das trombetas:

"Olá amiguinhos

Primavera...sol...flores...arvores...a natureza....o alcool....o convivio.....as tainadas....as borraxeiras.....pois é está a chegar a altura porque todos ansiamos durante o ano.... NARIZ DO MUNDO!!!!!!

Pois é....está marcado para o dia 25/ABRIL - Dia da Liberdade (mais um argumento para quem tiver de se libertar das suas caras-metade) o celebre sabado ecológico no Nariz do Mundo....assim o programa das festas será:
12h30 - Concentração no Centro Comercial Triangulo
12h35 - Partida rumo a Cabeceiras, mais concretamente Muscoso
13h30 - Chegada e aparcamento ao Restaurante/Adega/Tasca Nariz do Mundo
13h35 - Largada para o ataque ao cabrito e grelhados15h30 - Café e digestivos16h00 - Jogos populares no parque natural de Muscoso (enfardanço de xincalhão e sueca nos meus adversários)
16h00 ás 19h00 - (tempo livre, dos quais aconselho soneca, tertulia caluniosa e lavagem da cara no regato)
19h05 - Regresso a casa. Os conas vão para casa, os duros vão acabar aquilo que começaram, a borraxeira)

Estão abertas as inscrições (limitadas aos lugares existentes).

PS - O programa poderá sofrer alguns ajustes/alterações, dada as caracteristicas dos seus participantes."

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Balanço de Massas Imateriais

Ao longo "curta" existência sempre fui balizando os meus sucessos com indicadores mais ou menos tangíveis. Eles foram sempre a força motriz que me impeliu a prosseguir. Com o virar da década do BI, os objectivos profissionais foram perfeitamente atingidos e mesmo superados, ficando os pessoais muito aquém dos requisitos mínimos.

Seguiram-se períodos férteis de anseios, redefinições, indefinições e frustrações. Despropósitos insolventes de projectos hipotecados pela incapacidade de sonhar sonhando. Encurtar horizontes temporais, alargar espaço territorial, tudo fui pesado, medido, auscultado e sem sucesso.

A deambulação pelos livros e pela música trouxe algumas perguntas, sem no entanto esgotar nenhuma resposta, mas pelo menos afigura-se um arco-íris para percorrer na expectativa do pote de ouro na outra extremidade. Materializei esta ânsia em algo mais humano, mais terreno. Depressa a boa notícia e a má foram se tornaram uma só. O meu vaticínio comprova-se e já muitas mentes se inquietaram antes, os mesmos gritos surdos se fizeram ouvir...

Pela frustração de outros tomei a minha, pelos sucessos vividos uma parcela senti, compreendi na incompreensão. "Isto passa muito depressa, não julguem que não". Adiamos constantemente o que não pode ser adiado, com a promessa que será a última vez, até ao ponto em que adiar é saltar do precipício, porque não há mais tempo para viver e o que sobra é um imenso vazio!

De que me serve uma vida profissional estável, ser brilhante no que faço, monetariamente muito acima da média, ter inúmeras regalias, um "futuro brilhante" pela frente...?! Será este o meu talento?! Chegarei perto D'ele e direi: "Senhor, entregaste-me dois talentos; eis aqui outros dois que ganhei." (Mateus 25:22); Ou simplesmente os estou a desperdiçar?!

Perfilam-se inúmeras ideias na minha mente. A pilha de lenha tem proporções faraónicas à minha escala, toda muito bem regada de gasolina. O fósforo padece ansiedade de consumar o fim para o qual foi acesso, preso entre os dois dedos da minha mão... Sozinho não consigo, o que até agora encarei como cobardia, vejo agora ser bravura!

Trinta e três, 33, idade com que Jesus Cristo morreu e ressuscitou por todos nós. Trinta e três, 33, idade com que planeio ressuscitar porque morto já me sinto, e apenas por mim porque não vivo um pouco pelos outros. Sem dramatismos o digo, com tranquilidade e clareza o faço, com humildade teço uma teia um pouco mais ou lado. Seria devastador "falhar" este "nostradantismo", por isso ficam sementes neste campo de cultivo que é a minha mente. Sementes cuja planta dará frutos se necessários que mais não são do que se's, se isto, se aquilo... Diferentes conjunturas para diferentes cenários; inflações, deflações... Prudência ou desculpa, não quero saber!

E para já?...