domingo, 31 de janeiro de 2010

Diário de Fim-de-semana

Fim-de-semana em seis actos:

Acto I
Alterno entre sms pessoais e telefonemas de trabalho, acrescendo factor de risco a um aumento alucinante de adrenalina na fronteira da conciliação destes dois mundos. Entre os pensamentos que não vou conseguir estar no local marcado à hora combinada, lá termino o trabalho e fecho os últimos assuntos mentalmente enquanto conduzo em direcção a casa. Chego 5 minutos antes, o tempo suficiente para lavar os dentes e já me lanço em direcção ao shoping mais próximo com sala de cinema, mas agora acompanhado.
Entre algumas garfadas de comida chinesa lá se trocaram algumas palavras. O filme, sim o filme, muito bom, reflectivo, cinzento, humor perspicaz e ironias contidas num espaço onde só cabe o mundo real. Teve o mérito de me mudar a empatia com o sorriso e me lançar numa torrente de considerações interiores. Concordo com o título de principal candidato ao Óscar. A banda sonora há muito pauta momentos meus, agora decifrei que reduzo diariamente a minha backpackage.


Lugar no estacionamento para o cinema, mesa perto do restaurante e claro lugar de estacionamento mesmo em frente às Galerias. Casa do Livro, o nome leva-me sempre lá. Entre músicas e duas cervejas tivemos oportunidade de trocar mais algumas palavras, lançando uma confusão que baralhou. Seguimos caminho para casa, numa rota alternativa. A Refinaria parece tão bela, o mar está sereno e a lua cheia. Não falamos, apenas olhamos nos olhos um do outro como sempre deveria ser.

Acto II
Acordar penoso devido às poucas horas de sono. Dois segundos e um salto da cama, é Sábado, é para o mar que eu vou e não fazer por merecer o salário. Liga o Engenheiro e cá vamos nós em direcção Aguça. Ondas medianas, chegamos no final mas a teimosia lança-nos à água quando todos seguem o sentido oposto. Pelo menos repos-se o nível de salinidade no corpo e o equilíbrio na mente. Passo num restaurante trago consolo para o estômago e chego a casa. Uma tarde doing nothing, para além de farmeville e algumas páginas no livro.

Acto III
Jantar em casa de amigos. Levo vinho que sei ter um valor na casa das centenas de euros e nada digo. Na boca saberá a mesma coisa, para quê estragar o sabor com o odor a euros?! Anfitriã surpreende pela riqueza de paixões e pela debilidade e insegurança da postura. Não consigo deixar de tecer um comentário que penso que foi recepcionado. Recordo-me que já fui assim e a solução foi nunca mais olhar por cima do ombro, as vozes tornam-se cada vez mais indistintas e o múrmurio passa a melodia. Não és tu que estás mal, é o mundo, a sério acredita mas não o tentes mudar, muda tu, muda para um sítio onde nada precise ser mudado.
Passagem na pracinha, saudações habituais. Um pulo a outro bar, mais saudações. Humor pelo meio, trocadilhos, piadas, atrevimentos, toques... A mesma ementa de sempre e o mesmo resultado de sempre. Faço o que esperam de mim e animo as hostes. Vou dormir.

Acto IV
Dormi tão pouco... Acordo e ligo. Vamos 3, chove imenso, o carro lavado de vésperas, lama por todo o lado. Equipamos à chuva e junto da praia estamos. Mais de duas horas no mar e sinto que a mente está noutro lado. O mar não se compadece e atira-me vezes sem conta ao fundo ao ponto de me questionar o que ali faço. Lá faço uma ou outra "coisa", a que gostaria de puder chamar ondas. Já são 14h, ainda bem que pedi ao mano para buscar papás regressados dos 60 anos do velhote em terras do charuto. Telefonema só para ter certeza que tenho comida ainda que fria, passo por casa meto roupa "digna" a um saco e saio disparado.
Os papás estão óptimos, a viagem muito aquém das expectativas para as quais contribui. Um dos último refúgios de sonhos que ganharam vida, está a perder chama. Como, colho o que tenho a colher no maldito vício, lavo o carro, tomo banho, atiro a minha roupa para dentro do saco, onde está o vazio deixado pelas roupas que tenho agora no corpo. Despeço-me, brinco com o Gaspar uma última vez e arranco. Telefonema, sms e apanho-a mesmo à porta da FNAC.

Acto V
Está gira como imaginei. Ar sorridente, divertida, simpática, educada e sofisticada. Sei que criarei impacto e assim é. Todos questionam quem está comigo, menos o meu colega a quem pisco o olho, pois sabe do plano. Apresentações feitas e seguimos para o nosso lugar, ao ouvido ouço um sussuro: "tenho um casamento muito em breve, quero-te lá." Olho por olho, ou neste caso favor por favor.
Um local simples mas simpático, um enquadramento de surpresa com o que é apresentado. Coro de música clássica e orquestra de sopro. Concerto de Ano Novo em finais de Janeiro, devidamente justificado e contextualizado, passando a ter sentido. Olho em volta e vejo os colegas de trabalho. O impacto que os sons tiverem em mim foi tranquilizador. Jantamos rapidamente, uma vez mais no shoping e conversamos com palavras e com os olhares. Ambos concluímos que as mãos dadas de há pouco não foram apenas encenação... Voltamos costas e saímos, troca de sms posterior para concluir que ambos fazemos um para agradável, mas, mas há um mas...

Acto VI
Corro os três contadores. Organizo a roupa lavada e a fruta traziada da casa dos progenitores. Acendo a lareira, visto o pijama. Pego nas facturas do mês e trato do controlo de custos do mês de Janeiro, os resultados esses os esperados, sempre o mesmo. Tomara que as pessoas fossem números. Termino, pego num cálice e vinho do porto escorre pela minha gargante, sugados que foram os odores pelas narinas, escurecido que foi o olhar com a cor de escarlate oxidado. Na boca explodem sensações que deveriam estar no cérebro. Encosto-me atrás, escrevo estas linhas e penso: já foi, já terminou?

sábado, 30 de janeiro de 2010

Os "Moedinhas" desta vida

Pelo fogo que me arde na alma, algumas palavras têm mesmo de sair. Viro-me para o passado e ganho algum tempo que me permita ordenar tudo o que ameaça ganhar forma e rapidamente ruir.

Jornal enrolado em cone, empunhado em riste no ar, qual mosqueteiro esgrimindo argumentos... Não foge da realidade, mas a imagem real suscita outros sentimentos opostos no campo do agrado.

Inundaram primeiro as cidades, as periferias e estão em todo o lado qual vírus. Primeiro eram os simples despojados da vida, simples como é o esgoto que não interessa a ninguém, mas complexos nas agruras que os atropelaram. Hoje são tudo e todos, sem racionalidade da droga que os faz recorrer a todos os expedientes, quando não sobram familiares para roubar, amigos para enganar, ou quando o corpo já não atrai nenhum perverso que pague dinheiro por qualquer momento desprovido de sentido.

Multiplicam-se dizia eu. Em número e em estirpes. Agora é vê-los nos semáforos, com uma água, com uma caneta, com um isqueiro. É vê-los nos parques dos supermercados a judar com as compras, em troca da moeda que fica no carrinho. Há tudo, em todo o lado, o denominador comum é um: a moedinha!

Fizera as compras do mês e uma vez mais a lista de compras mais não servira do que me levar ao supermercado, porque o que trouxe não estava escrito. Resmungava comigo próprio, não só pelo dinheiro desnecessário que gastara, mas já antever a guerra que seria transportar aquela carrada de sacos no elevador e adivinhando quantas viagens teria de fazer da garagem até casa, para abastecer a despensa de artigos que falta alguma me fazem.

Contorno a última esquina e dois precipitam-se sobre mim. Penso: "foda-se só me faltam estes putos de merda para me moerem o juízo!" Ultrapassada a questão de qual dos dois me iria "abordar" (claro que o maior, que este mundo não é para peixinhos), a atenção recaía toda sobre mim. Ostento a cara mais obtusa que tenho e digo a mim mesmo que não vou estar com as rotinas de que não tenho dinheiro, nem mesmo dar uma volta maior, ou fazer qualquer manobra de diversão. Não, desta vez vou mesmo direito ao carro. Ainda nem liguei o rádio e já ouço uma música que mais não é que a rotina de mendigagem do miudo num português incompreensível.

Permaneço calado, com o mesmo olhar. Abro o carro, olho para o puto nos olhos pela primeira vez e digo: cala-te lá com essas pechinchices que o carrinho já é teu. E ele calou-se... Foi-me passando os sacos e observando discreta o conteúdo. Terminando tão árdua tarefa, olho-o pela segunda vez e digo: obrigado. Não um obrigado de circunstância, mas um obrigado por se ter calado e por ter sido útil. Ele devolveu-me um obrigado, mas não um obrigado de circunstância. mas um obrigado por não o ter obrigado a repetir o discurso que diz vezes sem conta, e por não ter colocado as perguntas de onde estão os pais, se tem fome... Foram dois obrigados de respeito, de diferença e igualdade nessa experiência.

"Fugimos" de dar a moedinha, não com medo que nos risquem o carro, não com receio que nos espetem uma agulha, mas pelo receio de encarar uma realidade que pensamos ter optado ignorar. E não é pelo preço, preço esse que é muito baixo. Com a moedinha fazemos o que Pilatos fez e lavamos as mãos de um problema que não é nosso, mas que poderíamos e deveríamos ajudar a resolver.

Daria uma e outra e mais outra; daria todas as minhas moedinhas e ainda assim sobrariam fantasmas, receios, angústias e sentimenos de impotência e fragilidade, mas não páro!

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Sinopse Expurgativa

Dolorosa ferida se abriu no âmago do registo da intencionalidade e da convicção da existência da complementaridade. No alto do meu animismo busquei nas reflexões do momento, uma afirmação peremptória do estado de espírito.

Exercício exterior de incessante busca de um Graal que são palavras, palavras que não são frases, frases que não transcrevem emoções, emoções que me dominam; então porque não podem as palavras caracterizar-me? A necessidade, os meios, o desejo, os ingredientes para o início de uma viagem com muita bagagem mas sem destino...

O processo arrastou-se pelo tempo, não sabendo se escurecia ou se amanhecia, pois o tempo importante não é medido em relógios. As impurezas da alma jorraram feito lava de um vulcão, as limalhas do espírito soltaram-se, ficando a suavidade onde antes havia aspereza. Processo muito palpável, exorcismo visível, materialização de desejos, ânsias, expectativas, fulgor sem paralelo.

Metaforizando, como de uma nascente para a foz, tudo flui da alma para um aquário. Aquário cheio, alma limpa. Obscuro na alma, límpido no vidro. Seguro-o firme entre mãos, com o encanto da criança que observa o seu tesouro. Cautelosamente, movo-me enfeitiçado, feitiço esse que dura pouco. Mil pedaços, água por todo o lado, peixes sem vida. Debato-me incessantemente para colar cada pedacinho, para salvar cada peixe, afinal é parte de mim que ali está, a minha essência, o meu código genético. O vidro dilacera-me as mãos, prostro-me à minha condição humana. Sinais fisiológicos de mesquinhez, raiva, impotência, contudo todos efémeros.

Sou fulminado "caprichosamente" e ironicamente, intuindo a engrenagem do processo. A visão é agora mais ampla. Não preciso, não necessito, já me recordo... Isto é quem eu sou, a percepção das partes aglomera-se para perfazer um todo. Não posso retirar uma fracção de segundo que seja, quanto mais um momento, seria uma amputação dolorosa demais. Entendi o rastilho, que precipitou esta cascata de sensações.


Não sou usurpador de ilusões; A solidão não é uma disponibilidade mas a minha parceira para a vida, humilde o suficiente para me partilhar a tempos com alguém; O meu "Antes do Amanhecer" preencheu-me de fascínio e arrebatamento.

Quero fundir duas palavras, desculpa e obrigado, mas não encontro solução para tal desafio. Não importa, não preciso, tu viste, tu tocaste, tu ouviste, tu provaste; TU SABES...

Sigo o rumo da viagem. Agora entendo...

P.S.: Este será um dos últimos se não mesmo o último laivo de egoísmo neste espaço. Tenho asas, vou voar é altura de abraçar o projecto ao qual me propus.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Arca do Tesouro VII

Um poeta, um só livro, uma obra, uma vida... Estes poemas organizados pós morte do seu autor encerram para mim um sentido único, as origens de um poeta. Pela inquietação, pelas buscas das técnicas e pela crítica que cada mudança de direcção que a escrita tomava, mostram um percurso de crescimento de um poeta.

Curiosamente fica patente que quando Cesário tenta causar impacto na sociedade literária da época é quando a escrita menos fascina e fica mais amorfa entre convencionalismos ditados pelas correntes. Libertando-se deste celeuma de desejo de se notoriar, a sua alma é enorme havendo lugar ao racionalismo da profissão herdada, com a paixão e beleza do mundo rural. Há ardor sem dúvida nas descrições, há chama de vida e presença de morte.

Toca-me imenso a mensagem e a devoção do amigo que publica o livro a título póstumo. Possa a morte levar-me e surja um amigo que reuna algo que assemelhe a uma obra e o publique, porque assim não terei fracassado.

A morte roubou o homem mas fez nascer o poeta, porque partiu na exacta altura em que se imortalizou pela obra...

domingo, 24 de janeiro de 2010

Signs

A minha busca por significados tem-me permitido descobertas fabulosas. Agradeço esta descoberta à menina dos caracois doirados. "Signs" uma curta-metragem premiada de Cannes em 2009.

Um despropósito de vida, a ausência de significados. Apenas mais uma ovelha no rebanho, fazemos o que fazemos porque temos de o fazer, sem nos questionarmos se não há mais para além disso. Dia após dia, adiar de desejos, do verdadeiro pulsar de vida, deixando que o vazio nos preencha e nos absorva. Os dias são longos, todos falam, ninguém nos ouve, nem mesmo nós nos ouvimos.

Invejamos o que nos rodeia, simplesmente queremos a simplicidade, alegria, um antibiótico para este vazio. Inquestionável o paralelo que estabeleço e assalta-me uma onda de calor no corpo que mais não é que compreensão. Termina aqui o reconhecimento e surge a esperança...

Um evento muda a vida. a música acelera a um ritmo que trás alegria. O sentenciar do despertador enche-nos de uma energia que nunca acaba. Tudo surge pelo ritmo natural, sem saltar passos, com significado, crescendo diariamente. Em breve se antecipam os toques, a suavidade da pele; os sons, a melodia da voz; os cheiros, o suave aroma; os odores, o perfume do cabelo; sem deixar de desejar trazer o quinto sentido à acção. Tudo se processa como deve processar, como sonhamos processar.

Pior que sentir o vazio, é perder o conteúdo uma vez que o tivemos. Sentimento de impotência, de desespero apodera-se de mim, porque não é de nós que eu falo. O meu final foi sempre aqui, sempre... Quero, desejo, mereço, tenho de ter um final idêntico a este retrato de compreensão de tantos seres nesta vida.

The signs, pouco mais de 12 minutos encerrando algo que leva uma vida a perceber e talvez várias a encontrar. Dois adjectivos, soberbo e arrebatador!

sábado, 23 de janeiro de 2010

Verona

Paz de espírito, foi o que mais assinalo nesta viagem. O motivo, não pelo sentimento, mas da viagem, o trabalho que em cinco horas se despachou deixando o resto de tempo para conhecer a pequena cidade de Adro em Brescia e Verona.

Fácil a justificação para o anterior motivo, mais difícil para o motivo que verdadeiramente me interessa. Revivo a viagem em mente, a descrição da cidade, sonso, cheiros, cores, texturas, vibrares, pedindo o auxílio da memória que os meus sentidos depositaram na minha mente.

Sem egoísmo dou traços gerais das fotos mentais, como quem dá a miudos livros de colorir. Os contornos proponho eu, a cor preencha quem o desejar. Talvez um pequeno traço de cor, mas com a subjectividade do ângulo da minha máquina que fica sempre uns passos atrás da perspectiva que espero captar. Uma foto, uma cidade.


Qualquer busca no google ditará a sentença desta cidade, local da estória de Romeu e Julieta. Facilmente encontram o site viewing, com os diversos monumentos desde a presença romana na arena, à cidade à beira rio plantada, passando pelas imensas igrejas e torres que prosperam em todo o redor que nos viremos, recortando a linha de horizonte num picotado que se traduz numa silhueta à qual não passo despercebido.  Suspiros lançados da ponte, em águas de uma cor cristalina que adivinham temperaturas baixissimas.

As ruas são estreitas e pulsam de vida, a vida do presente como também do passado. Caminhando por elas, sinto que se estender os braços toco nas extremidades e pelos meus membros sentirei percorrer os sentimentos despejados pelas pessoas que ali passaram, sem distinção do sexo, idades ou épocas.

Os ouvidos sentem o silêncio fúnebre habitual de edifícios que hoje são monumentos mas outrora foram locais onde existiam pessoas de verdade e não seres que disputam ângulos diferentes, para roubar um pouco da alma do espaço em máquinas desenhadas para fotografar.

As fachadas dos edifícios são alegres, de cores vivas não obstante as inúmeras caixas fúnebres que ostentam algumas dessas fachadas.

Sereno dizia-me eu, sim sereno em paz de espírito. Da ponte dos suspiros lancei ao rio um suspiro que há muito se debatia na minha garganta para sair. Paz de espírito foi o que tive. No meu google Verona é significado de paz de espírito, o sentimento que me tem faltado há muito tempo.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Reasons

A all new world of explaining in a true, unique and peaceful way. Sure hope to find the same answer for all the doubts that punish me, for don't knowing why...



Am i part of this world? If so how did i came so far away? Need to know where is my place, and why, allways the same question, why...

Thank God for the only explanation i have but it's not enough, not now, not any time. Although it's the only one, so thank you god, My God, the god that gives the answer i need... I'm just a small particle in the universe, but at my scale i'm a all system, with my star and planets. Why isn't that enough for me, why?

domingo, 17 de janeiro de 2010

Caçador de Almas

Pavor no olhar daqueles que escolheram a natureza como forma de vida. Primitivos dirão alguns, puros digo eu. Índios espalhados por todo o mundo, sem nunca terem tido contacto na primeira abordagem a uma máquina fotográfica, fugiam de receio, ainda mais que de qualquer outro objecto do "Homem Moderno". Rouba a alma, diziam eles, rouba a alma...

Serão assim tão despropositados esses temores?! Eu creio que não. Nas vésperas de uma nova viagem, preparo a máquina como quem prepara uma armadilha para capturar a sua presa. Ghostbuster de almas e não de espíritos e a máquina fotográfica a minha armadilha.

Furtivamente aproximo-me, venço os últimos passos que me afastam da distância pretendida com um ligeiro girar da objectiva. Pressiono ligeiramente para uma primeira leitura e está capturada, em príncipio sem grande ruído para além do click que na selva denunciaria o tigre perante a sua presa, mas na urbe humana passa despercebido.

Aquela pessoa, aquela actividade simples, aqueles contornos, aqueles gestos, tudo aquilo passa a ser meu. Roubei-o e agora é meu, transporto-o como um troféu. Com estes troféus consigo ter uma percepção de realidades que desconheço, de sentimentos que não me permito sentir. Ainda não encontrei a minha alma, enquanto não o faço, entretenho-me olhando para outras almas...

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Arca do Tesouro VI

Finalmente o Nobel, o nosso, o deles, sei lá, creio com a crise de identidade nem ele sabe a que país pertence. Aprendi a odia-lo quando defendeu a inclusão de Portugal em Espanha e sempre disse que por ter levado uma espanhola para a cama, não tem direito de nos foder a todos.

Por diversas vezes comecei as mecas obrigatórias do autor e não passei das primeiras páginas. A justificação, a mesma após atribuição do prémio, falta de pontuação, palavras que não existiam e uma obscuridade de ideias com latências insondáveis, que numa perspectiva freudiana atirariam para a infância uns quaisquer traumas. Curiosidade, no alemão a tradução obedece e pontua...

Presente de Natal, na mente um debate televisivo com um padre. Uma petulância excessiva por parte do autor contrastando com humildade do sacerdote, para terminar num retractamento público do primeiro pelo uso de expressões como filho da puta para substantivar Deus. Ingredientes que faltavam para iniciar a leitura. A inércia do conceptual da escrita do autor desvaneceu-se ao fim de poucas frases e apaixonei-me.

Falta juntar sal à receita, há muitos anos atrás li o Antigo Testamento e entre as exaustivas descrições da tenda de Abraão, fiquei com imensas dúvidas de várias passagens. Porque quereria o Deus benévolo que eu amo, que Abraão sacrifica-se o seu filho? Como surgiu a humanidade se Adão e Eva tiveram apenas dois filhos homens e um foi assassinado pelo próprio irmão? Tantas outras passagens me suscitaram dúvidas, para as quais nunca me foram dadas respostas.

Saramago fez isso, deu-me respostas, preencheu os espaços em branco de forma astuta, coerente e intensa, tendo tudo feito sentido na minha mente. Agarrou-me e entrei nas palavras, nas frases, nas páginas. A pontuação fiz eu, tal como o autor sempre afastou as críticas e estranhamente ganhou uma intensidade e um ritmo muito meu.

Não questiono a raiva de Caim por Deus, não questiono o Deus tirano e cruel. Não julgos os desígnios desta personagem que por acaso é Deus, é uma personagem e o livro não é O livro, não é a Bíblia. As descrições são soberbas, a intensidade do coito de Caim com as mulheres é de uma pujança incrível. O ódio de Caim algo que definiria por belo, pois lhe dá um significado, uma coragem e uma missão. No final o autor Homem cala o personagem Deus, expiando o seu Grande Pecado.



terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Significados roubados

Entre os motivos que me questiono mentalmente e que valeriam o esforço de algumas linhas aqui, existem dois que destacaria, o significado de tudo que me assombra faz imenso tempo e que resposta dar...

A resposta foi "pedida" faz dois dias e dois dias foi o tempo necessário para encontrar o seu paradeiro. Demorou este tempo porque estava muito absorto com a primeira questão, que nem me apercebi que uma poderia ser a Pedra de Roseta da outra...

Por vezes procuramos signficados em músicas, livros, estórias de pessoas, filmes... Algo que nos faça sentir mais próximos, mais humanos. Dar um rosto ao nosso Deus, ou melhor, dar feições ao nosso Demónio que nos corrói ou nos enche de alegria.

Assustei-me, não porque não entenda a tua perspectiva, porque entendo; mas porque não te consigo dar uma perspectiva melhor... Pedes-me para te dizer o que vejo para lá do horizonte quando tu vais num ponto mais elevado da escalada. O significado que pretendeste partilhar, eu vou roubar, a perspectiva nova que me pedes eu te devolvo, até que nova seja minha.

Desculpa a "exposição do saque", é a melhor resposta que encontrei para ti, para mim... Certamente lerás as tuas palavras pela mão que não é a tua, a mão não importa quando duas mentes se sintonizam. É contigo identificares-te ou não. Procura o teu local no mundo e chama-me...



"Só quero partilhar um pensamento:

Quanto mais o tempo passa por mim, ou eu por ele :), acho que nós é que escolhemos o nosso par, independentemente de ser a nossa alma gémea (almas que foram feitas no mesmo tempo e matéria cósmicas, uma altura li algo interessante e acima de tudo bonito sobre isto). Acho que não é tanto por encontrarmos o par certo, mas mais por estarmos prontos para isso.

De certeza que já cruzamos com pessoas, com as quais podiamos partilhar uma vida e sermos muito felizes juntos na nossa caminhada a dois ...

Mas o facto de ainda não estarmos preparados para isso é que nos fez não escolher essa pessoa!

As relações podem funcionar bem, melhor, muito bem quando duas pessoas estão de facto preparadas para a caminhada a dois.

Às vezes acho que temos medo de encontrar a pessoa certa, ou de ver uma ou a pessoa certa e não sabermos muito bem o que fazer ... parece que a ideia que criamos à volta desse encontro é mais enriquecedor, mais emocionante do que propriamente a vida a viver.

Muitas vezes ansiamos e desejamos muitas coisas, desde crianças, criamos expectativas tais dentro de nós, mas quando conquistamos o que desejamos prendemos a emoção e controlamo-nos de tal ordem que tudo parece normal e natural, em vez de a deixarmos entranhar no corpo, na alma e ou explodir.

Não sei bem se é isso que acontece quando encontramos alguém que por momentos nos enche as medidas. Mas de uma coisa tenho quase certeza valorizamos muito mais aquilo que nos separa (como confirmação de que não fomos feitos um para o outro) do que aquilo que nos aproxima!

Damos demasiado enfase à expectativa (pelo menos eu tenho esse defeito, espero sempre demais dos outros e de mim tb, crio expectativas quase irrealistas, mas tenho feito um esforço muito grande para contrariar essa tendência) enquanto anestesiamos a vivência.

Fiz o exercício contrário com, tu sabes com quem, e a verdade é que o escolhi para viver ao meu lado, bem ele é que não fez o mesmo, problemas técnicos :)

Mas onde eu quero chegar é que consegui enfatizar muitas vivências com ele, apesar de não corresponderem com as expectativas, consegui ultrapassar isso e sentir o extase da emoção das pequenas partilhas. O dormir lado a lado, comer, vestir, nadar, viajar, dançar em conjunto ... Queria sentir isso e senti, não anestesiei. Queria saber o que era viver com alguém a considerá-lo o homem da minha vida e isso foi deveras bom, por isso fiquei muito revoltada e inconsolável quando cheguei ao meu limite e não consegui mais fingir que ele sentia o mesmo. Pena ele não estar no mesmo grau que eu!

Acho que o sonho está dentro de nós assim como a coragem e a ousadia de o viver .. acho bem mais fácil encontrar alguém especial com que se queira estar a vida toda, do que parece, acho que as pessoas estragam o que podia ser fantástico e mágico. Tive sempre magia na minha vida sempre que me atrevi a vê-la ... o que foi o nosso encontro ... a primeira vez que nos vimos senão magia!

Sempre que ousei sonhar e lutei por um sonho consegui concretizá-lo!

No que toca a vida a dois acho que se complica o que é simples, desperdiça-se felicidade com ambas as mãos!

Acho que és a pessoa certa para compreenderes isto que escrevi e a indicada para me demonstrares uma nova perspectiva sobre o assunto!"

domingo, 10 de janeiro de 2010

Comédia de uma vida (i)real

É verdade que adoro mimo e não é menos verdade que gosto mais de dar do que receber, só que, só que por hora, é de receber que procuro. Arrumo a questão com um ligeiro pormenor, no trajecto para o obter tenho de me expor e assumir o meu fracasso para quem não o queria fazer... Doloroso, mas necessário e sei que me trará todo o carinho que necessito. Tudo se precipitou e o habitual gozo terminou num silêncio carinhoso.

Engraçado como tudo muda tão pouco em tanto tempo. Recebem-me em casa num papel que não é deles, o papel de pais. Talvez seja de maior responsabilidade, porque foi por eles escolhido. Recordo este episódio entre muitos de bons momentos que lá passei. Tudo começou no fenómeno que eu designei por Casalfilia e do qual voltarei a falar.

Finalmente uma comédia poderia dizer, mas... Mas que é a minha vida para além de uma comédia?!

Não estava a ser sarcástico, não desta vez. Venham os factos e avaliação surja naturalmente.

Penso: Porque não?! Um simples jantar, a melhor das indumentárias. Olho para o espelho e penso que já poderei falar na terceira pessoa tal qual um jogador de futebol, quando mais não fiz que agarrar a roupa em cima da cadeira.

Eis que se inicia a estória e em vez de "era uma vez" permito-me utilizar: eu, os papás adoptivos, uma grávida, um afinador de pianos e uma gata castrada...

Debilitado da boca (não mastigo mas falo e bastante), não como mas bebo, bebo e bebo. Chego lá bem mais depressa que habitualmente... O riso é grande, a malta fomenta. A Maria João Pires gosta de brasileirinhos mais novos vestidos de branco; no Japão é que se afina bem pianos; a gata anda fodida que não se lambe; Bla Bla Bla mas está muitos bom.

Alto vou ver o Mamma Mia, finalmente! Sofá enorme e o elenco repete-se: a grávida, o afinador de pianos, os papás adoptivos, a gata castrada que aliás não me deixa vá-se lá perceber porquê e claro, EU. A minha avaliação do filme?! Bem à beira disto o Música no coração é um filme de acção...

Second act. No one mess whit zoan... O espião israelita que quer ser cabeleireiro. Primeiro o Project blair Witch, seguido pelo Miss Sun Shine... Lá diz o povo: não há duas sem três. É verdade adormeci, não resisti, tamanha era idiotice.

Diverti-me muito, tranquilizei a alma, anestesiei a boca e fodi um pouco mais o fígado. É uma comédia, ninguém tem de se rir porque a vida é minha ainda que os personagens saiam da tela de vez para vez...

Tudo termina com os papás, a grávida, o afinador de pianos e eu com uma gata castrada deitada no meu colo a transmitir calor intenso ao meu mais profundo ser... Traduzindo: a aquecer-me a merda da pila como o caraças quando queria era dizer CARALHO...

sábado, 9 de janeiro de 2010

Quando eu morrer

Retrato bem conseguido da mais lírica devoção de uma mulher ao seu ente mais querido, desempenhando um papel que sabia lhe caber desde o dia que entrou de branco na Igreja.

Marca uma intemporalidade que deixou de existir na realidade quotidiana. Existem sim os sentimentos, a perda, esmagamento da simplicidade da morte exposta aos rigores dos rituais, da educação e de um amor que não encontra significados nos dicionários actuais.

Dá ainda uma perspectiva única da dor sentida por os outros, quando mais não é que um fardo. Tem um final que encerra uma lição essencial, a minha lição. Gostaría de dizer que sinto que a mensagem é que a vida prevalece perante a morte, mas a minha mensagem encriptada é que morro e a vida prossegue para além de mim. Não me assusta, porque morrer não é uma consequência mas uma etapa.

Adoro os espaços, a luz difusa absorvida pelas cores amorfas, a recatez das palavras pronunciadas a um ritmo de envergonhar, a vagarosidade dos movimentos.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Sonho

Miquinhas um ano para a década, hoje faz que me deixaste. Deixaste a todos mas no entanto a mim foi maior o abandono, e na verdade nunca ficaste tão próxima de mim. Hoje falas e não te ouço, sei que me compreendes, mas não te ouço. Hoje quando sonhar, aguardo a tua mão no meu ombro e o calor do teu sorriso na minha mente, aí saberei o meu caminho. Não me faltes hoje...


Quero ter um sonho
Não, hoje vou ter um sonho
Será sonho que não é sonho
Não vou ter, mas quero
Quero que seja real.

Fecho os olhos
Ouço a respiração
Cruzo o ponto sem retorno
A passagem é suave
As sensações imensas.
Não há o acordar penitente
Não há o trânsito caótico
Não há o sorriso forçado
Não há a explosão contida
Ouso julgar não haver o que há.

Há a opção, a escolha
Do quando
Do com quem
Do quanto
Do como.

Sou produtor
Sou realizador
Sou protagonista
Sou guionista e...
E não faço nada!

Tudo está conjugado
Tudo flui numa proporção que é só minha
A partilha é egoísmo
Não há dor porque não há prazer
Não há nada e há tudo.

Tão simples o meu sonho
Simples na complexidade
Fecharei os olhos
Ouvirei a respiração
Os olhos não se abrirão
A respiração ficará sempre igual
e aí sim, será REAL.

"se um único
sonho
de cada
homem
se tornar
realidade
que outros
homens
acordarão
dos seus
sonhos?"

Voz do Passado III

Desisto de perscrutar a minha mente, sei que percorri este percurso para quê então gastar as solas da memória?! Sento-me na beira do caminho, descanso as pernas que são as emoções e baixo os braços feitos vontade. A forma da pegada coincide ao milímetro com o meu pé, pé descalço, que a mente não se veste, não se calça. Já cá estive, pisei demasiadamente, não tenho de pisar novamente, basta que me sente, sinta e veja o rasto das pegadas que me antecede, no sentido da linha que distingue o último passo que julgo ter tomado, e aquele que desejo tomar. É isto que senti, é isto que agora vejo:



Mergulhei de cabeça. Senti o meu corpo gelar e o meu espírito efervescer. Conflito de sensações, desorientação de sentidos. Egoísmo misturado com fragilidade.

Não me apetece falar, mas apetece que me ouçam. A percepção de idealismo reside no meio, simplicidade constante apenas nos refúgios que nos acolhem. Não estou por convite, estou por encarceramento. O guarda e o encarcerado são um e um só, EU.

Afinal falo mesmo, afinal não me ouvem. Precisarei mesmo que me ouçam? Tanto me faz. A civilização, as multidões estão aqui, eu estou bem lá longe, figura indistinta distorcida por ondas de calor num horizonte que me parece transportar para aqui, quando no fundo caminho para longe. Só espero não deparar com outra multidão.

O risco de explodir é menor que o de implodir. Num esgar de consciência sinto um grito crescer na garganta. Espero o terramoto de emoções tal qual se espera o estrondo após o relâmpago. Pode tardar mas surgirá e por muito preparado que estejamos, o grito da alma não será contido, porque a surpresa não é tudo.

Mas estou bem. Não sinto o mar, mas sinto a sua energia. Não sinto o vento, mas sinto a sua carícia, não sinto o solo a desaparecer rapidamente debaixo dos meus pés, mas elevo-me no ar...

Pelo menos sou livre, pelo menos...

WELLCOME TO MY WORLD, PLEASE DON'T CROSS THE LINE

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Âncora afundada

Exercício continuo e sem fim, nos intermináveis kilómetros rotineiros ao volante, questiono-me sobre os significados, a âncora de valores e objectivos na minha vida e na margem que me dá de manobra sem ficar à deriva.

A âncora afundou e não sei por onde navego. É neste pensamento que regresso a casa após mais uma tentativa de retomar o rumo. Sou despertado da dormência a que o automatismo da condução me botou, pelos farois de um automóvel directamente a mim. Verifico e vou na minha faixa ele tem que retomar a dele. No processo de corrigir a direcção que se lhe espera, o outro condutor ilumina um memorial que me é familiar...

Afinal distraído ia eu, o meu rumo não era na direcção que eu ia e ali ao lado estava "algo" que me recorda exactamente isso. O memorial cresceu em dignidade e no lugar de uma tragédia ficou um significado que é meu, e de todos nós...

"Significados", Agosto 2008


"Agosto terminou... Apelidam stress pós férias e porque não?! Se há o stress pós guerra, porque não haver um stress pós qualquer coisa?! A luta por um estacionamento, por um lugar para colocar a toalha, por uma cadeira na esplanada, por mesa no restaurante...

Perdão, vou voltar atrás, ou avançar, nem sei... Terminou o Verão, encontramos motivos para nos queixarmos de tudo: é o trânsito que aumentou exponencialmente, a noite que chega rápido, as miudas que andam mais tapadas (o que bem vistas as coisas é uma vantagem face ao que por aí se vê), o chefe que implica mais que tudo, etc.

Regressando ao presente... "Ontem" queixavamo-nos do estacionamento, blaaa blaaa blaaa, "hoje" é do trânsito do blaaa blaaa blaaa. Queixamo-nos, queixamo-nos queixamo-nos. Questiono-me porque, qual o significado?! Há algum?!

Sem respostas precipito-me em perspectivar e referenciar com quotidianos e vidas. Finalmente chego onde queria, posso esquecer o que escrevi porque significado é agora.

Estória, desculpem história, anónima, de homenagem, de partilha. Não termina mas começa... Sábado de manhã, estamos já atrasados e a viagem até ao restaurante ainda leva 3 horas com paragem em terras de Guimarães. Trânsito, muito aparato, manta térmica, muitas ambulâncias, bombeiros, polícias e curiosos como abutres assinalando uma carcaça... Vê-se uma poça de sangue, uma moto tombada e um par de botas: olha um cadáver! Indignação, consternação e rapidamente o objectivo passa a ser reunir o resto das tropas para o ataque ao "nariz do mundo".

Podia terminar aqui, não faria sentido, não tem de fazer, mas faltaria exorcisar fantasmas. Um dia da semana, a caminho do trabalho, reparo numa cruz improvisado no local do acidente. Dia seguinte velas. Segue-se uma foto de um jovem muito sorridente (a tragédia passa a ter um rosto), choca. Mais um dia, flores; outro dia lenço motard... Os dias passam, sucedem-se as homenagens... Passou um mês, a foto foi trocada, os gestos permanecem.

Este rosto, este jovem, este filho, este irmao, este namorado, este familiar, este amigo, este conhecido nunca mais se queixará da falta de lugar para estacionar, do trânsito e do todo o restante blaaa, blaaa, blaaa.

O significado, a perspectiva dos meus problemas é recordada todos os dias quando passo neste memorial e à minha maneira faço a minha homenagem de gratidão porque cada bocadinho de ar que me entra nos pulmões é uma dávida.

E os vossos significados?"

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Arca do Tesouro V

Como eu gostava de ser poeta... assim começa um poema de Manuel Quintella e Sousa!

Tropecei neste livro e achei que precisava de o ler. O livro esse, "Dias sem Sol", é muito mais que isso. É a alma de alguém. Por ele sei que o poeta ficou orfão ao 5º dia, quando Deus só descansou ao 7º. Sei que, perdeu a rosa com quem se entrelaçava ao vento, com quem fazia amor metafisicamente, a quem deseja todos os dias que a morte o leve para junto, a quema cama é o mesmo que uma campa, tamanho é a solidão e a frieza.

Sinto invandir a vida dessa pessoa, como se o futuro estivesse retido no presente que já é passado. Página a página, poema a poema, palavra a palavra, sentimento a sentimento, sensações familiares, medos únicos, ansiedades muito minhas. A alma roubada é a minha afinal.

Quem me dera ser poeta e mandar aos 4 ventos o que me corroi internamente e com isso conquistar a paz que teima em me atormentar.

Empreste-me o poeta a alma e diria por palavras que não são minhas, mas que possuiria por próprias:
in Dias sem Sol, "Sinto-me Só"

"Sinto-me só, abandonado,
Como aquele que perdeu o autocarro,
Sinto-me como o mendigo
Que escolheu o local errado,
Sinto frio, vindo de dentro,
Sinto aquela mão,
Que não me dá alimento,
Sinto que vivo, por viver,
Sinto que vejo, só por ver!
Sinto que sou o palhaço
Sem circo, sem público,
Sinto que me esgoto,
Que me gasto,
Sinto que só falo
Quando estou só,
Sinto que me vejo
E até a mim meto dó,
Sinto que sinto
O que já não sinto,
Sinto que já estou por tudo,
Sinto que falo
Só porque não sou mudo
Sinto isso tudo,
Mas matem-me, ao menos,
Porque não quero estar só
no Mundo!"

Manuel Quintella e Sousa, com a tua alma entendo melhor o que dentro de mim transporto e por isso o meu muito obrigado, ao poeta, ao filho, ao amante, mas acima de tudo ao homem...

domingo, 3 de janeiro de 2010

Dom

"Fizeste-me acreditar que era uma outra pessoa; alguém bom..." Renego-te, devolvo-te, não foste meu de o querer... Equilíbrio de forças, magnetismo de energias, compensação de sensações. Significados, definições:

"Espiritualmente, uma perda significa sofrimento, não revolta. Espiritualmente, quando atrais uma perda, a única coisa que deverás fazer é chorá-la. Fazer o luto dessa perda. Deixar partir. Com sofrimento, com dor. A dor do desapego vai fazer-te ficar mais sensível, mais conectado com as tuas emoções. Vai fazer-te ficar frágil, com a emoção à flor da pele. Vai fazer-te ficar com a sensibilidade aguçada ao máximo. E ter a sensibilidade aguçada é ter o Dom.
Resumindo: quando atrais uma perda é para ficares mais sensível, mais frágil, mais intuitivo, e é para exerceres o Dom. Com isto podemos depreender o seguinte: se o Universo apenas rearmoniza o que não está harmonizado e se quando envia uma perda é para que fiques mais sensível, quer dizer que o que estavas a emanar era o oposto. Provavelmente estavas a emanar a desconexão absoluta, a defesa, a racionalização e a necessidade de ser forte. Tudo coisas contrárias ao ser espiritual."
 
Sim a sensibilidade está cá, aguçada como o gume de uma lâmina de aço Victorinox que dilacera o meu âmago, mas está cá pelo Dom e não o inverso, has suposed to be. Sou um comprimido, um laxante de emoções, o meu papel resume-se a de uma antena, por mim surge o drama, a comédia, o optimismo. Por mim sentem, sem eu sentir.
 
Assombrado pelo espírito que me tem como hospedeiro, mas que de outros necessita para propagar a sua doença. Se doente é sentir, acordar, não renegar as emoções, então vírus que és espírito, não me assombres mas sim contamina-me.
 
Porque buscas aqui o que sou?! Porque segues mapas se tens à tua frente tudo o que precisas para lá chegares?! Senta-te, volta-te para o mar, sente a maresia no rosto, o sol perfumando a tua pele, agitando os teus cabelos com o calor que o vento sopra pelo teu pescoço. Enterra as mãos na areia, a sua rugosidade o ruído com que cada grão beija os teus dedos, enquanto caem no solo que é seu. Põe-te de pé ouve a voz que te chama, caminha segura, não osciles nos passos que sabes têm de ser dados, se sou eu que procuras, sou eu que encontrarás.

 
Estou conectado, sim estou. Perdi, sofro, estou revoltado, sim estou. Mas quero viver, quero sentir, quero apagar a revolta, rearmonizar o meu ser, porque também eu já estive sentado, também eu já segui a voz... Pelo que tenho a ganhar e não pelo que perdi, é o caminho que traço... Fácil fazer sentir, difícil fazer-me sentir.
 
Invade-me a melancolia quando da minha voz nada mais conheces que alegria e porém nas palavras julgas encontrar o contrário do que de mim ouves. Se assim o é, serei apenas um texto prostado na escrita, na fala? Paciência, certezas?! Amotino-me só de pensar num desaforo que põe à prova a convicção dos meus gestos, gestos nos quais participam mais do que palavras.

Nego-me à minha essência, sou apenas uma antena, um meio de receber a energia do Cosmos, estou aqui não é para mim, não é por mim. Por quem seja, por quem necessite, por ti, pelo mistério, pelo enigma, pela dúvida que te arrepia na incerteza que são tuas estas palavras. O meu luto nunca está feito, porque a morte que choro, não era nascido e já tinha ocorrido, essa não é tua de reclamar, mas sim são tuas as palavras e os gestos. Reclama-os ou deixa-me perecer uma vez mais, mas não te fiques pelas convicções ou falta delas e aceita, aceita-te, aceita-me...