Actos quotidianos são frequentemente acompanhados pela banda sonora perfeita. A mesma química associo ao meu livro de viagem que me acompanhou nestas últimas quatro noites. O livro, Um km de cada vez de Gonçalo Cadilhe, a viagem, Wroclaw na Polónia.
"Mas não te apresses nunca na viagem. / É melhor que ela dure muitos anos / Que sejas velho já ao ancorar na ilha / rico do que foi teu pelo caminho / e sem esperar que Ítaca te dê riquezas . / Ítaca deu-te essa viagem esplêndida (...)" (Ítaca, poema de Kavafis)
Gonçalo Cadilhe é uma descoberta pessoal com pouco mais de 1,5 anos. É com paixão, admiração, respeito e acima de tudo inveja que li cada um dos seus livros, tendo tido a oportunidade de conhecer o seu mundo, ou melhor o mundo pelos seus olhos. Preencheu um espaço na minha imaginação e tem em cada um dos seus livros fornecido combustível que reúno cuidadosamente para um dia iniciar a minha própria utopia, a EUtopia.
Sentir-me-ia defraudado neste livro não fosse a explicação inicial do autor. Guardo como meus os motivos e parto para a descrição da minha viagem usando algumas pontes comuns usadas pelo Cadilhe. "Não quer viajar, quer apenas chegar". "O sedentário está perdido porque tem um destino que não encontra. O nómada não procura, encontra-se no próprio acto de viajar". Nestas frases encontro o mote da minha viagem. Parti, parto sempre para chegar, mas com a esperança de me encontrar, fugindo para isso do que tento deixar para trás.
Cadilhe (GC) tem uma postura pessoal muito própria. Defende o que parecem lugares comuns, sendo no entanto autêntico e genuíno numa coerência única. Foi por ele que encontrei a melhor definição de turista em oposição a viajante. Partilho em princípio, os mesmos valores que ele defende. Como referi atrás, vou mostrar a minha viagem como se de uma estória do livro se tratasse, fazendo a minha leitura muito própria sobre ideologia do GC e os ensaios para a EUtopia.
O avião a forma mais rápida de lá chegarmos e por definição para (GC) não é viajar, porque perdemos tudo o que Ítaca dizia; para mim serve. Viajei sozinho numa forma egoísta de me por à prova, mas com rede de segurança uma vez que tinha amigos no destino. Viajar sozinho é aliciante não podemos contar com ninguém, dá-nos liberdade, obriga-nos a estar atentos, em constante estado de concentração. Inevitável o uso da linguagem gestual como meio essencial de comunicação quando falha o inglês, espanhol e até mesmo francês, seja para pedir indicações, informações sobre transportes públicos, horários de monumentos, descrição da comida no restaurante...
Viajei sozinho, cheguei ao aeroporto encontro taxista com inglês perfeito e cultura acima da média para os patamares europeus, sucedendo-se um diálogo muito interessante durante a hora de viagem até ao meu destino, que nem consigo ler na sms que mostro ao taxista. Resolvo arriscar e aceito marcação de estadia numa residência de estudantes, com a garantia de casa de banho e quarto individual. Convenço-me que sai mais barato e é uma forma de estar mais próximo da "viagem". Levo com um grego gay, num quarto onde a minha cama não caberia, sujo e onde abundam cheiros nauseabundos. Dou por mim em seguida num Hostel, ainda sem casa de banho privativa, mas com um quarto individual pequeno, mas ausente de cheiros e mais importante sem qualquer cavalo de troia que me possa atacar durante a noite. Na manhã seguinte acordo e digo que vou saltar mais uns km na "viagem", vou para um hotel com todas as comodidades.
Percorri a cidade toda, mochileiro genuino vergado ao peso nas costas onde vão o portátil, máquina fotográfica, mapas, livro, mp4, chocolates, ou seja, tudo o que um mochileiro júnior necessita. Percorro todos os locais do mapa triunfalmente e entre também nas zonas menos turísticas. Sinto o pulsar da cidade e das suas gentes. Dica, na Polónia os museus e monumentos só estão abertos de Quarta-feira a Sábado. A cidade é limpa, organizada, sem sinais do comunismo, o que aliás encaixa perfeitamente na espécie de amnésia colectiva dos polacos, parecendo que nunca foi um país comunista. Pelo que vi e conversei, são um povo desprovido de identidade pessoal, quer ao nível musical, gastronómico, arquitectónico, dividindos entre uma postura russa mas com filosofia alemã. Não primam pela simpatia mas são bastante disponíveis à abordagem sendo o domínio da língua inglesa apenas para alguns e de faixa etária baixa.
Um pouco por toda a cidade reconhece-se cicatrizes da Segunda Grande Guerra Mundial. Curiosos os pequenos duendes de bronze colocados estrategicamente em pontos chave da cidade, às centenas como medida moralizadora pelo que apurei. De facto funciona e parece alegrar os Polacos, para além que acresce de interesse a minha prospecção ocular em cada local a que vou, no sentido de capturar mais um desses divertidos seres em fotografia.
É uma cidade voltada essencialmente para a vida estudantil tendo inúmeras faculdades e estudantes estrangeiros, com forte presença latina. Como tal a diversão nocturna é forte, com música actual. A moeda Polaca o Zloty, só em 4 unidades iguala o Euro, tornando a vida mais barata em relação aos níveis portugueses sendo que apenas em vestuário e tecnologia a diferença é pouca ou nula.
De dia sozinho, de noite puxava a rede de segurança e encontrava-me com os meus amigos. Muito mais haveria a falar, condições metereológicas, locais visitados entre outros. Não era isso que me propus e retomo os passo que escolhi trilhar nestas linhas. O meu corpo pagou a minha ousadia de km sem fim, mal alimentados, com demasiado peso e sinto dores latejantes nas pernas. Revogo o meu plano final de passar uma noite em Barcelona e salto mais uns km na minha "viagem". Booking online e escolho o melhor hotel que encontro junto ao aeroporto, com SPA, e tudo o que um 4 estrelas da Europa Ocidental oferece, não olho a custos, estou em dívida para com o meu corpo. É do quatro estrelas que escrevo estas linhas.
Acordei, perguntei ao organismo como estava, avaliei a possibilidade e dei por mim no autocarro a caminho de Girona. Valeu a pena Girona é uma cidade lindíssima com passado, identidade e uma rica história arquitectónica. Aconselho vivamente uma viagem para a conhecer, nas suas muralhas, inúmeros monumentos barrocos, ruínas romanas e indícios de presença árabe. Lá em cima as muralhas, cá em baixo o rio. O mochileiro júnior, qual obra do destino encontra o mapa da cidade no chão e inicia a caça dos tesouros. Foi uma forma de recuperar alguns dos km perdidos da "viagem".
Acordei, perguntei ao organismo como estava, avaliei a possibilidade e dei por mim no autocarro a caminho de Girona. Valeu a pena Girona é uma cidade lindíssima com passado, identidade e uma rica história arquitectónica. Aconselho vivamente uma viagem para a conhecer, nas suas muralhas, inúmeros monumentos barrocos, ruínas romanas e indícios de presença árabe. Lá em cima as muralhas, cá em baixo o rio. O mochileiro júnior, qual obra do destino encontra o mapa da cidade no chão e inicia a caça dos tesouros. Foi uma forma de recuperar alguns dos km perdidos da "viagem".
Pouco mais merece o meu esforço em decifrar. Ainda não sinto o desejo de chegar e avaliando sei que saltei imensos km nesta "viagem", se calhar não estou ainda preparado para a EUtopia; ou se calhar é mesmo esta a minha EUtopia.
Senti-me em breves trechos fugir, fugi sem me encontrar talvez por isso mesmo tenha conseguido fugir. Foi este o meu "livro de viagem", resume-se a este desejo de fuga.
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