quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Voz do Passado II

Num dia que se pretende um marco de mudança, estudo o meu passado recente para fechar o ciclo e iniciar um novo começo. É sem surpresa que me vejo precipitar num caminho que já conheço e quem me diz é a minha voz do passado que ainda ouço como presente. Afinal não consigo evitar de colher a flor, seja rosa ou orquídea, não diga ela que não avisei...


"Murmúrios de Jardineiro

Tomava forma. Ao início apenas uma sensação, uma névoa disforme. O fumo toma forma, consistência, algo que se move como um todo, que toma vida, que respira que suga energia vital da minha mente e obstinadamente me perturba... Solta-se um múrmurio, o meu demónio abandona-me para depressa voltar... O murmúrio cresce em breve tornando-se audível!

A tela encheu-se de tons cinza com as primeiras palavras, quando o resultado deverá ser bastante colorido. Fujo à tentação de começar com o "era uma vez"; Foi de certeza uma vez, numa deambulação encontro uma bela flor. Ambiente inóspito cuja agressividade dos meios apenas era superada pela delicadeza da flor. "Tem de ser minha". Pensei eu e num acto de intolerante lucidez, corto a flor e levo-a para casa.

Deambulo bastante, como algumas são as flores que encontro. O fim sempre o mesmo: uma jarra com água. Dias de encanto que me absorvem cada impulso irracional da mente, na observação de algo que julgo possuir. Uma por uma murcham, morrem, perdem a alma, desfaço-me delas... Atormentado acelero a busca, não deambulo, persigo incessantemente, numa demanda sem paralelo, mas o fim o mesmo...

Doiem-me as mãos de arrancar, doiem-me os pés de deambular, doi-me o espírito pelo fracasso. A obstinação dá lugar à sofridão. Baixo os braços, pendo a cabeça em direcção aos joelhos, selo os olhos com as sobrancelhas e deixo o frio enregelar as orelhas. Eis que, mesmo ali, ali mesmo, não quero acreditar e estendo a mão. "Se não acreditas toca as minhas chagas!" A mais bela das flores. Desta vez sufoco os impulsos, algemo as mãos, mas sou vencido pela lúxuria qual Gollum repito: minha preciosidade, não permitirei que te roubem de mim. Num momento infinito de vaga memória sinto um punhal penetrar a minha pele e ferir a minha mão - um espinho. A dor trás a clarividência. Não te posso cortar, não te vou levar, nem mesmo num vaso com raíz como parece sugerir esta criatura irritante no ombro esquerdo.

De profanador a jardineiro. Mais beleza alguma parecerá às minhas mãos. Velarei para que nada de mal lhes aconteça. Terão água, sol, a energia de que necessitam, o carinho, as doces palavras e tudo o que peço delas é que não muchem antes do tempo, não morram, que me permitam observar. Não são minhas nunca serão.

Obrigado pelo espinho. Obrigado à mais bela das flores porque emergi da escuridão. Do cinza se fez côr, murmúrio se soltou o grito, e de gritar não pararei, até levantar os braços, erguer a cabeça, afastar as pálpebras e aconchegar as orelhas com os cabelos..."

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Arca do Tesouro IV

Parti na viagem usando o mapa de alguém. Alguém que me sugeriu, que recomendou, "a tua cara, irás reconhecer-te". Que melhor cartão de visita para empreender uma viagem que decorre no desfolhar das páginas de um livro?! O livro, "Jogos de Sedução" de Madeline Hunter.

Sem enredos demasiado elaborados ou construções que se desenvolvem ao longo de todo o livro para um culminar de poucas linhas, a autora é ousada e mostra ousadamente onde pretende chegar logo nas primeiras páginas, e por primeiras páginas compreendem-se mais 300 em diante. Ousada é mesmo o adjectivo "substantizado", mas é um risco calculado pois possui um trunfo desarmante...

Nunca, e é mesmo à força da palavra que me refiro, nunca vi uma mulher que descrevesse tão bem o lado masculino da sedução, do amor, do sexo. O oposto existem imensos homens que o fazem. Uma força tremenda, imagens penetrantes, carnais, musculadas, suadas, sentimento de possuir, de arremessar toda a energia contra um corpo que desejamos incessantemente...

"Acariciou-lhe as coxas por baixo da camisa de dormir. A sua mão deslizou sobre as suas ancas e nádegas. Um toque hábil e erótico provocou um estremecimento avassalador..." Corto a cena por aqui porque afogam-me as imagens na mente de uma ansiedade inquietante, mas pelas poucas palavras, ficam apenas os primeiros metros da descida alucinante de uma montanha de encostas propícias a debaneios eróticos. Há porém o lado marcadamente feminino, as palavras que ele devia ter dito, a expressão errada de rosto com o sentimento que demonstra, o gesto errado, em suma os pequenos detalhes que dilaceram qualquer tentativa de considerar homem e mulher sentimentalmente iguais no sexo e no amor. Tudo lá, o lado masculino e feminino.

Há um grande parêntises a fazer, toda a estória se desenrola no que presumo pelas descrições, ser o século XIX, o que sublinha uma vez mais a ousadia... Termino com uma nota muito pessoal, mas nada surpreendente para quem me sugeriu o livro, de facto a forma como estas duas personagens vivem a sua relação tão intensamente, quebrando tabus e lutando estoicamente contra todas as adversidades é a forma de viver e sentir que aspiro, sem no entanto fazer daquele final a minha Meca de fé...



terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Coronel Enciclopédia Ambulante

Não há garantias que a alcunha que me tenha sido grangeada apenas com propósitos de elogio. Contudo recebido o baptismo é com convicção que ostento as patentes.

Empreitada pulsa de vida, pequenas formigas trabalhando arduamente cada qual numa tarefa, dando dimensão à Colónia. Do posto do comando vejo máquinas, trabalhadores, materiais tudo numa dança cuja coreografia é traçada em papel pelos senhores de capacete branco. Pela janela traço na pauta algumas das notas que traduzidas na obra darão a melodia que simbolize harmonia e exactidão do propósito.

Geralmente, sem antecipação e também sem precipitação, início o ritual calçando as botas e segurando o meu capacete. Traço a fronteira da sala de oficiais e imediatamente o capacete salta da mão para a cabeça. Depressa se reune uma multidão que por vezes é de uma só pessoa, mas sempre em excesso face ao que me proponho recortar da obra. Chovem explicações quando nenhuma questão saiu da minha boca, tenho dificuldades em avançar, quando por educação tento manter contacto visual com os interlocutores, quando gravo os registos dos monólogos para mais tarde analisar.




Intercalo passos com cumprimentos aos mais diversos intervenientes que chegam a ser superiores a noventa. Sempre antes da resposta bem um ar de admiração. Afinal o capacete branco vê mais que formiga, ainda para mais o Dono-de-obra. Piso lama como se de areia da minha praia se tratasse, mantenho a visão entre as cargas que se movimentam ao meu nível, por cima da minha cabeça e registo pela objectiva da mente cada detalhe. Não deixo de constatar uma aceleração no organismo vivo que é o todo enquanto soma dos indivíduos e equipamentos. A grua transporta ferro, madeira e betão a uma velocidade estonteante, os homens numa coreografia perfeita atingem índices de produção extraordinários, tudo tem vida, tudo produz a sua parte da vida.

De regresso à sala de oficiais, já sem o capacete branco, sento a multidão e peço um silêncio de poucos segundos para rever tudo o que me foi bombardeado anteriormente. Segundos apenas bastam para que debite todas as impressões, todos os pormenores, todas as precupações, todas as alterações, em resumo tudo o que necessitavam de ouvir ainda que preenchendo sempre o espaço reservado à surpresa, que sempre me é permitido.

Rigor, intransigência, obstinação, resistência e uma visão ampla associada a uma capacidade de antecipação. Saber reconhecer o valor, saber repreender, capacidade de motivar ainda que retirando primeiramente toda a pseudo motivação... Cansaço, frustação, desespero por vezes, até nova injecção de adrenalina e engrenar novamente a máquina.

Oscilar rigor e espírito sisudo intolerante a qualquer desvio do profissionalmente esperado, com humor confunde todos abrindo brechas no espírito e personalidade de cada um. Por essa brecha retiro a essência do próximo ataque ao indivíduo e um por um coloco o meu fio. Quando terminado o propósito, todos serão marionetas na minha mão e com eles comporei a mais bela obra, de uma beleza clássica.

A dificuldade está em gerir o medo originado em falhar, que algema a mente e origina entraves em cada um. Colecciono confrontos, na sala de oficiais, meço forças com os sargentos de campo e sem me usar do trono de Dono-de-obra, esgrimo homem a homem argumentos, numa luta que me excita e coloca toda a tensão no desempenho da mente. Enorme jogo de xadrez na mente, antecipando respostas, recuando um pouco para avançar o imenso, Colocar na pele do oponente, manipulando até que seja nosso aliado quando ainda julga que contra nós luta, mas é contra o que inicialmente defendeu que esgrima o seu "engarde".

A obra avança, os níveis de exigência também e os objectivos somam concretizações positivas. Sem procurar o reconhecimento fomento uma mística em redor da figura de Coronel e somo ordens a quem por esta altura deveria ser General, quando este coronel não é mais que uma formiga que se cansou de ver capacetes brancos incompetentes.

domingo, 27 de dezembro de 2009

Pedaços de Sonho

Contorcer pelo desconforto, voltando-me para o interior deixando expostos apenas espinhos. É esta a minha reflexão cuja origem desconheço, mas o sentido aponta num desgovernar de objectivos. Num prazer esquecido algures num passado recente, redescubro sentidos e significados para a forma como parte da minha essência comanda os caminhos que trilho. Fácil encontrar denominadores comuns, a natureza, o ambiente, a comunhão com o meio transcendendo o humano. Com estes significados reúno alguns dos pedaços do meu sonho, com a esperança que me sobre cola para o ter de volta...

Muitas são as experiências que não encontro forma de decifrar o que significam para mim. A descoberta do surf assombra-me esse desejo de dissecar algo que tenho dificuldades de entender se quer as transformações que me provoca. Este filme é uma bandeira e um hino...

"Out There"


Experiência sensorial alucinante, marca o início de algo anteriormente anunciado mas só agora conseguido. Proporções épicas, com conteúdo bíblico, mas com o factor humano bem presente. Um grito ambiental bem audível mas cuja reflexão fica latente no cérebro. Brilhante mas excedível por em determinados momentos ser muit...o previsível, ainda assim o desafio é ficar na cadeira e não encetar a longa viagem que se depara perante os nossos olhos e ouvidos.

"AVATAR"

sábado, 26 de dezembro de 2009

Voz do Passado

Preciso mesmo expurgar, sinto-me de alma pesada e um peso que não me liberta, mas sim condena a sentimentos de frustação e vulnerabilidade. Talvez por precisar de escrever não o faço. O presente é proibido mas o passado está bem presente. As palavras eram minhas a imagem passou a ser, o sentimento o mesmo em ambas, no passado e no presente, o futuro não quero pensar.



Alvorada dos Sentidos:

Tranco a porta, como centenas de vezes. Descalço-me, pouso telemoveis na mesa, deito-me no sofá. Em tudo igual, em tudo diferente, o sofá não me liberta, é imensa a sua força, ou será imenso o peso que transporto?!

Aconchegado nos ouvidos por uma recente descoberta, Two Spot Gobi brinda-me com um espelho das minhas emoções, “No More”! Não sei como, surjo na varanda. Contemplo primeiro as estrelas que são poucas e pouco brilhantes, tal como as pessoas que antevejo entre paredes, à medida que o meu pescoço traça um sentido descendente.
Dou por mim a imaginar a quantidade de pessoas nas casas que avisto. O que fazem, o que dizem, meras rotinas, tristes, alegres, cansadas, a fazer amor, a discutir... O exercício seguinte é lógico, e multiplico as emoções do que me circunda, a um número que para mim serão todos os lares. Haverá alguém no mesmo comprimento de onda que eu?! Certamente que sim...

O conforto da certeza matemática de poder partilhar esta alvorada de sentidos é depressa ultrapassada pelo ultrajante sentimento de me sentir mais um, ou um mais... What’s wrong with me?

A resposta surgiu de alguém de um passado presente e espero de um futuro próximo. O diagnóstico pronto e simples, o prognóstico o mais optimista possível da parte do profeta mas não da parte do “deus”. Estranhamente íntimo, estranhamente lógico, estranhamente meu. Fez todo o sentido, trouxe todo o significado, trouxe uma justificação, até mesmo uma desculpa. Mais fácil viver com a desculpa, do que com a culpa.

Sim sou eu! Sim sou especial e ao mesmo tempo familiar... Surge-me como um raio e eis que encontro, as mesmas palavras, o mesmo diagnóstico, uma outra pessoa:

“(...)aliviado por mais uma vez ter escapado à ameaça iminente da intimidade humana, da amizade, e de toda a confusa carga emocional que as acompanha. (...) tinha fugido aos limites cláustrofóbicos, desaparecendo das suas vidas antes que esperassem alguma coisa dele.”

Alma matter talvez, apenas coincidência numa perspectiva mais pessimista, no entanto sinto a mesma atracção pelo abismo.

Afinal existe uma casa no mundo, uma pessoa, que faz exactamente o mesmo que eu. Não importa o que sente, importa que se questione da mesma forma. Sigo o meu caminho e Chris estão bem visiveis as tuas pegadas...

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Vulcaozinho

Seja a época talvez, mas surge em mim um Charles Dickens e volto-me para as gavetas da memória procurando o meu conto de Natal. Primeiro as gavetas todas arrumadas, memórias impecavelmente dobradas, depois volto-me para as restantes e surgem as surpresas, a estória que já não recordava ter.

Entre o que reencontro, há o que gostaria não ter recordado e o que me faz esboçar um sorriso. Cinjo-me novamente ao espaço temporal desta época, mas naturalmente oscilo entre o desconforto e o sorriso, entre aniversários de projectos que deveriam ser de uma vida, mas que não superaram as primeiras crises e o que de mais próximo tenho de espírito natalício. Troco o que desejo tenazmente por um conto ao jeito o "Sexo e a Cidade", sem cidade mas com sexo e sem quarentonas ligadas à máquina que fingem viver.

Não era uma vez, assim começa. Faz dois anos, o motivo, jantar de Natal da malta de "A Nossa Confraria", algures em Felgueiras. Ainda para situar, tinha apresentado nessa mesma semana a demissão da empresa e deslocava-me num carro que seria meu apenas pelo tempo, que na carta dizia que me prostituiria a troco de dinheiro no final do mês.

Várias vivências, várias partilhas, número recorde de confrades. Trocam-se os galhardetes da faculdade por fotos dos miudos e eu fico sem nada que trocar. Julgo-me perto de uma noite catastrófica... Chega cabrito à mesa, ou direi cabritos, bem regados por um vinho delicioso que ostenta no nome a cabeça de um asno. O cabrito corta-se à tesoura da travessa ao prato e do garfo à boca é um instante refrescado e ardonado pelo óptimo vinho. Guardam-se as fotos, aumenta-se o ruído e frequência dos brindes. Cada qual cumpre o seu desígnio e come mais de um cabrito e bebe o correspondente a cerca de um terço do seu volume de sangue mas em vinho, que não é de vampiros que retrata o conto.

Mesa por mesa, o restaurante fica vazio e apenas sobra a imensa volúpia da nossa mesa e um quadro com uma notícia do Expresso indicando esta casa de repasto como uma essencial a frequentar para aqueles camelos de Lisboa à caça de safaris no deserto que é todo o país fora de Lisboa. Ainda bem que é cabeça de burro e não camelo que bebemos. O dono antevendo uma noite longa tenta subornar um desfecho mais rápido com digestivos e acerta trazendo CRF, o brazão máximo da Confraria. Não resulta mas estamos cansados, a conta é debitada num pedaço de papel rasgado na mesa e o número escrito é confirmado pela empregada que nos diz 37€ por pessoa... Faz-se silêncio, mas não para reclamar mas talvez para converter em escudos ou talvez direi, em fraldas. Silência interrompido pelo dono que diz, que são 30€ para facilitar o troco. Ainda atropelamos o silêncio e ele já pergunta em que ano nasceu o mais velho da mesa... são precisos cinco minutos para trazer uma garrafa de Cabeça de Burro com 36 anos e umas rabanadas quentinhas.

Depois de tanto calor, saímos e a contingência do frio obriga às despedidas menos calorosas da noite. Interrompo os abraços para me oferecer para ir à frente no carro, num gesto altruísta de quem não tem ninguém à espera em casa e que pode passar uma noite na esquadra a contar a outros desafortunados que dentro de mim está uma porção de um nectar divino, de um valor comercial bem simpático para as superfícies comerciais. Todos aceitam, até porque imaginam mulheres e filhos em casa bem quentes à espera deles e seguimos numa procissão de carros tipo casamento.

Percorremos menos de dez quilómetros e uma raquete mal visível na noite com a palavra STOP diz-me que chegou a hora do meu sacrifício. O plano resulta, tudo passa menos eu. Os habituais procedimentos, entrego documentos, com a mão esquerda segurando a direita enquanto os entrego ao agente para disfarçar o tremer. Angústia apodera-se de mim e só isso consegue esconder o pânico. "Sente-se bem?"... "Acho que sim"... Alguns segundos de observação, olha para trás, todos os alcoolímetros estão na boca de outros condutores e apenas vejo uma continência e votos de uma viagem segura. Descarga de adrenalina, tremo todo mas mantenho a capacidade suficiente de fazer a recta que me afasta do local até fazer uma curva e páro para conseguir respirar, como se tivesse sido mantido debaixo de água demasiado tempo, mas um segundo antes de desfalecer. Depressa batem ao meu vidro; todos estão lá, ninguém foi embora para as mulheres e filhos, todos aguardaram solidariamente. Meto o meu ar mais calmo, sem saber de onde veio e conto a estória com ar fanfarrão.

Cada qual segue o seu caminho e eu vou na minha mente ruminando os últimos vestígios de adrenalina e... e não pode ser, cortada a ligação da A41 à A3, tudo pára na Brisa e operação STOP com mais meios ainda. Novo jorro de adrenalina no organismo como um rio que corre num leito muito pequeno para tanta energia. Estou parado numa fila e aproxima-se o meu carrasco. Esboço uma argumentação na minha mente que acabara de parar numa operação STOP e que devia haver um certificado assim como num espaço de 24 horas o fizemos, para poupar dinheiro aos contribuintes e permitir apanhar os verdadeiros infractores. Claro que fiz isso que pensei, tal como pensei, só que calado. Habitual continência que julguei que me privaria de todos os prazeres, mas que apenas me retardou a viagem. Algumas horas de observação que não foram mais que segundos e ouço desejos de uma boa viagem. Assim sem mais e sei que o meu poder argumentativo resultara mesmo, eu não falando e ele não ouvindo.

Esta foi a droga mais potente que experimentei na minha vida, mas queria mais e mais. Nada podia parar este sentimento de invencibilidade. Pego no telemóvel, escolho criteriosamente mas sem critério o alvo e mando uma sms que diz simplesmente, algo alusivo a noite de prazer mas com hábitos de higiene primeiro. Envio e apanho a A4, não me recordando como lá cheguei. Rapidamente recebo sms de volta e é quando vejo que são quase 4horas. Como não sei, mas cheguei a casa dela e entro. Entro e vou directamente à casa de banho. As minhas instruções foram escrupulosamente seguidas, a escova de dentes já com pasta, o copo com água, a banheira cheia de água quente e espuma, as velas de cheiro...

Estou fresco, estou com ela, estou com os sentidos entregues num nirvana de intensidade única e indescritível. Ela sabe-o, ela sente-o e sem a mesma adrenalina que eu esforça-se para me encontrar na estrada do prazer. Apanha-me está quente, sem forças mas com imenso fulgor, doida, perdida, louca. Damos a mão, sintonisamos os sentidos e cortamos a meta juntos com o estrondo de um Big Bang à escala do nosso universo...

Não sei as horas, estou ressacado, acordo quando de dormir não me recordo. Sinto o peso dela no meu peito e que bem me faz sentir. Tranquilamente continuamos o significado do momento de partilha e saio. São 11horas estou a jogar futebol com os meus amigos, a minha habitual agressividade e entrega em campo é substituida por um sorriso que mostra o universo mas esconde o meu mundo. A mais poderosa droga, as horas mais intensas da minha vida, o meu Trainspotting.

Pela tua energia, pela tua entrega, pela forma como escolheste partilhar com significado estes momentos contigo. Pelo prazer da descoberta, pela coragem com que juntos derrubamos fronteiras... Te presto um solene tributo por quem és, mas acima de tudo me teres aceitado como sou, sem me tentares mudar ou compreender. Vulcaozinho te apelidei e muito feliz fui no baptismo, porque energia, força e deslumbramento são átomos na tua essência...

E não, não viveram felizes para sempre...


sábado, 19 de dezembro de 2009

Pacotinho de Açúcar

Já não me recordo quando, mas recordo-me onde e desde esse momento perdido e esse local que o trago comigo. Trago-o comigo para não me esquecer ou talvez para me recordar. O pacote de açúcar que me diz:

As essências da felicidade
- Ter o que fazer
- Ter a quem amar
- E alguma coisa por esperar.

Quando algo ou alguém é um ponto ou uma vírgula em todas as frases e as frases são momentos presentes na minha vida. Como pontuo a minha respiração, se parar significa desistir de viver?

Exausto de fazer,
Desejando odiar
Sem nada por que esperar...
Não preciso de ti
Pacote de açúcar não és nada
Não és mais que um pacote.
A embalagem é a imagem
O conteúdo as legendas
Sou quem fui ser,
Quem fui, quem sou
Para depois renascer
Aquele que eu fui, desejou.


sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Simplicidades desequilibrantes

Noto hoje que virei a barreira dos 10.000 visionamentos de leitura...

Quanto é ténuo o meu equilíbrio, vivo num submundo da simplicidade humana onde o sol é sinónimo de frio e as cores montra de escuridão. Penetro bem mais profundo no meu mundo e a vontade de regressar dissipa-se a cada passo que dou no sentido oposto, já nem olho para trás e se vozes houve que me chamavam, já não as ouço...

Tenho noção da minha fragilidade e da devastação que a recente dependência pela aceitação dos outros me atormenta. Devassidão plena da pedra de roseta pela qual me decifrava. Melhor assim...

Atravessei o ponto sem retorno, só me resta o caminho em frente que atrás bem a torrente de água que me ameaça arrastar. Tenho de correr, correr, ganhar velocidade sem temer o precipício, sem hesitar. Correr, sentir o sangue jorrar nos meus braços que em breve se converterão em asas e voando serei eu, o eu que perdi ou talvez o eu que nunca fui, mas concerteza o eu que devo ser.



Se algum sentido fazem estas palavras, tem de ser emoldurado com este som.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Duche sensações

Alguns foram as estadias fora do local onde escolhi chamar lar. Fosse em trabalho, lazer, ou ambos, hotéis, hostels, residências com Grego gay e de hábitos de higiene percários, o ritual é idêntico e o significado similar. Preciso olhar para os dedos dos pés, pois na mão não encontro número suficiente para contabilizar as estadias fora de casa.

Marcou-me o último. Certamente o mais sumptuoso, mas não é pelo luxo, pelo design, pelo conforto, pelos serviços... Nada disso e tudo isso, tudo isso pelo prazer que despontaram em mim. Profusão da mente em sintonia com o corpo. Definições astrológicas catalogam-me no elemento Terra, sendo que me sinto mais água e água me lave a mente.

SPA fabuloso, único e direi mesmo arrebatador. Sou sentimental, mas na raiz do conceito da palavra. Sou equilibrado quando os sentidos me trazem o mundo. Este tratamento trouxe-me o mundo, cada sentido tomou o seu lugar certo e todos remaram num só ritmo, partindo a embarcação na direcção do júbilo da descoberta sensorial.


Duche sensações, sensação tropical. Uma cabine em forma concha de caracol, que num pequeno percurso nos transporta numa imensa viagem. No seu interior simples de início, desenvolve-se uma aventura sem paralelo. Fecho os olhos, porque sempre tentam roubar o protagonismo aos outros sentidos. Os ouvidos são os primeiros a serem chamados, ouvem-se aves, rãs. A pele é beijada com uma leve chuva de temperatura tépida.Penso que tenho de abrir os olhos, mas eles sentem receio. Um odor a terra molhada, a flores exóticas, penetra-me as narinas e invade o cérebro sem bater à porta. A mistura de cheiros com o sabor da chuva, dá-me um gosto doce na boca. Abram-se olhos ordeno. Cores vivas, oscilando, beijando o meu campo de visão. Todos os sentidos estão reunidos... Soa um estrondo, inicia-se a trovoada. A chuva acelera, os pássaros calam-se, o vento ruge e água vem lateralmente. A temperatura desce, a água magoa, a luz apaga-se e acende-se muito rapidamente... Passa a tempestade, chuva quente, os pássaros regressam, a pele é novamente beijada e não apunhalada!

Uma longa viagem, num pequeno espaço, em pouco mais de um minuto, mas que me transportou mais longe que qualquer coisa neste último ano. O meu tratamento de água...

domingo, 13 de dezembro de 2009

Despedida

Lágrimas, sorrisos, alívio, sentimento de perda, felicidade... tudo ingredientes de um momento sempre muito intenso na existência humana, a despedida. Muitas foram as despedidas, fossem locais, pessoas, animais. Sempre as soube assimilir, integro num coágulo na minha mente, no meu organismo, no meu ser. Isolo-os, corto cada nervo ao meu sistema nervoso e assim que não me causar qualquer impulso espásmico, os coágulos são expelidos sem qualquer ponte sináptica.

Porque não o consigo fazer? Porque não me sai a carta de despedida? Penso que não passou tempo suficiente mas algo me diz que não é essa a justificação. Sinto ainda à minha volta aquela voz que me faz estremecer como o mais gelado sopro de vento no Inverno; sinto ainda o olhar que me aquece a pele como o mais quente raio de sol de Verão. Frio, calor, Verão, Inverno, oposições que se reunem numa encruzilhada, que não me deixa partir, quanto mais despedir...

Prescruto nas minhas "memórias" e entre "algumas" das despedidas que me fizeram encontrei uma que me diz imenso. É com esperança que a releio, pois o frio e o calor caminharam para uma temperatura amena e o Inverno e Verão encontraram-se na Primavera.

"Vou ficar no meu canto, canto esse que não devia ter saído. Tudo aconteceu de forma inesperada, não esperava começar a sentir por ti o que acabei por sentir. E foram poucas as hipóteses que tivemos...apercebi-me que não há espaço para mim no teu mundo, de alguma forma.

Negaste alguma hipótese de deixares que isso acontecesse ou até que não acontecesse. Mas posso dizer que se na altura achaste que me podias ajudar, SIM, posso dizer que aprendi o que tinha para aprender, que foste uma grande ajuda para sair do estado destroçado que me encontrava. Se por algum motivo sentiste que era essa a tua missão, posso dizer que a missão foi cumprida. E se o que podemos tirar desta história for isso, não há nada que tenha falhado.

O sorriso sincero, o bem estar com nós próprios são peças fundamentais no puzzle da vida. E com essas peças que me ajudaste a saber onde as encontrar, onde as colocar, quando estas estavam perdidas não sei onde, para completar uma parte do puzzle. O puzzle não está todo completo, mas também será que vamos chegar ao fim da vida e sentir que não haviam mais peças para colocar no sítio!?!

A desculpa de não fazer sofrer, NÃO (não tentaste) A verdade, SEMPRE, mesmo que por vezes doa. Mas continuo a pensar e repensar...se não estás disponível porque simplesmente não queres nínguém, se existe alguém que mexe contigo, histórias mal resolvidas que te atormentam, ou porque simplesmente não faço o teu género, não sei.

Podiamos ter evitado algumas coisas, e tu sabes ao que me refiro. E com isto não me estou a arrepender, achar culpados ou inocentes. E também não vou pensar que agiste da forma do "mundo dos Homens", entendes...acho que foi algo mais. Mas depois fechaste todas as portas, as janelas para uma possível entrada numa vida que nem eu nem tu vamos conseguir ver como seria. Dei alguns passos, passos esses gigantescos, mas agora vou me limitar aos passos que posso dar. E com isto não estou a dizer que regredi, continuarão a ser gigantescos, mas noutra direcção, com o seu devido tempo, na altura certa, no espaço que terei de percorrer e vou percorrer.

Obrigada por me teres ajudado a ver as coisas de outra forma, por me teres tirado do casulo.

Queria ter te conhecido melhor, ter passado mais tempo contigo, e tudo de uma forma gradual, lenta. Surgiram momentos precipitados, passos maiores que as pernas (será que foi a facilidade?). Vi em ti uma pessoa cheia de qualidades, virtudes, afectos, inteligência, ideias determinadas, mas no entanto muito individualista, independente, vives muito no teu mundo.

Amigos como antes, ou melhor amigos recentes, ou até mais precisamente amigos do ecrã."

Ponte em Wroclaw (Polónia), onde cadeados selam  a união entre duas pessoas, numa ponte que junta margens. Simbolismo único que muito me diz...

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

O Engenheiro

Na minha mente deambulam temas que orbitam em meu redor. Sei exactamente quais e salto impelido pela inspiração tentando agarrar algum, quando na maior parte das vezes, abro demoradamente a mão para encontrar o nada. Nunca deixei que a frustação de mim tomasse posse e encaro com absoluta tranquilidade, sendo esta goose chase coroada com uma musculatura das pernas, que em tempo me permitirá saltar bem mais alto e encontrar o meu tema.

Sinto-me no entanto em dívida para com uma personagem que me marcou durante um ano e meio. Devotei a essa personalidade um zelo tal que não me permitiu em algum momento esboçar um reconhecimento ao significado que transmitiu às minhas ideias e ao percurso que sei pretendo trilhar. Atabalhoadamente, no dia da despedida usurpei alguns minutos da sua atenção para tentar sublinhar o reconhecimento para com ele.

O Engenheiro, homem da velha guarda, no topo dos seus 74 anos puxa do seu curriculo de uma forma brilhante e ajustada, encontrando paralelo no seu passado, quaisquer situações do presente. Vida repleta de intensidade, emoções vividas no momento certo, assenta arraiais em diversos países mas é de África que guarda no melhor dos frascos de memória, os cheiros e cores.

Impulsivo, coerente, digno... forço-me a parar o elogio fácil, preferia abordar porém os defeitos que os tem, mas de que me valeria se nem sombra trazem à figura de quem, pouco ardilosamente tento representar. Vários "filmes" do seu passado revive com alegria, ao mesmo tempo que os vivo como se meus fossem.

Na sua figura de avozinho, consegue fazer baixar a guarda aos seus interlocutores para depois surgir transfigurado qual Adamastor e semear as sementes que trarão os frutos que deseja. Assim me abordou quando me conheceu e soube tecer uma teia pacientemente até me ter na sua equipa. Hoje entendo a imensa honra que foi ter sido escolhido, quando sempre me habituei a escolher.

Memória prodigiosa, rigor épico, disciplina segura... Pulando o muro com que separa as vidas, do outro lado surge um homem casado com uma pessoa falecida; não conhece o significado da palavra viuvez. Homem que redescobriu a paternidade há meia dúzia de anos atrás, com um míudo de 31 anos, curiosamente a mesma idade que eu. Tive a sorte de me sentir o filho deste lado do muro, quando do outro existia um míudo com amputação de um cromossoma. Quero acreditar que o paralelo termina no muro, mas de certo o Engenheiro algo mais viu para além deste paralelo.

Guardo como minhas as últimas palavras que me endereçou, quando me interrompeu na justa homenagem que lhe pretendi prestar. Por essas palavras modelo a peça de barro que tenho nas minhas mãos, como aprendiz de oleiro, tive as mãos do mestre sobre as minhas. Transmitiu-me o que achou que devia transmitir e deixou-me. Agora sei que tenho o que preciso e da peça final espero que resulte uma vida para contar não só profissional mas também no plano pessoal. Obrigado Engenheiro...

Pela primeira vez regresso a um texto porque a reticência tem de passar a ponto final. O Engenheiro cinco meses após os nossos caminhos se terem separado, surpreendeu-me e encheu-me o orgulho como só um pai consegue. Parte dos seus instrumentos que o classificavam de Engenheiro, deixou-os para mim, para mim. As instruções foram claras: quando chegar o momento, isto será dele.

Por isso me sentia pressionado a escrever, por isso... Duas semanas após tenho a minha resposta, melhor que o dia que recebi o meu diploma e ponto final.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Arca do Tesouro III


Devia-o, devia a mim mesmo. Iria jurar que havia lido algo do Poeta, olvidando-me qual a peça da sua obra. Juraria mas atraiçoa-me a memória. Poeta maior da Terra que não me tendo visto nascer, me viu crescer e na sua parte me fez crescer. Espacei o tempo da visita física ao lar que o viu crescer e morrer, à visita à parte da alma que escolheu mostrar. Atraiçoado e em dívida início este caminho obrigatório numa antologia que me irá "seduzir e conquistar" na causa Regiana.
Diz o homem de si:
"Poeta sou! cumpro o meu Fado, estranho
Como o dum santo ou um louco
Só posso dar de mais ou muito pouco
Que é tudo quanto tenho"

Como poeta divide o narcisismo da certeza de possuir um grande dom expressivo, com a fragilidade humana em que "as suas virtualidades ultrapassarem sempre as suas realizações". Posso julgar entender, como um filho segura a mão forte de um pai e lhe pede que conduza, com a certeza de abraçar Deus. Neste prazer "recente" da poesia, julgo ter descoberto um alma mater de uma técnica elegante, com arrebatadores e extraordinários excertos de alma, conciliados entre o divino e o profano, o altismo e a fragilidade, emprestando ao objecto da sua escrita uma ingenuidade intemporal.

Um sublinhado para o poema "Romance de Vila do Conde"...


Hemorragia de palavras organizadas em pensamentos vagos de uma diarreia indistinta, do alimento que implicou tal resultado. Fácil encostar o livro e agarrar o Sudoku na viagem à Bavaria. Ficou antes da metade...

sábado, 5 de dezembro de 2009

Perdido Algures

O que faço?
Como estou aqui?
Onde estou?
Que me aconteceu?
Se eu sou eu,
Porque está o meu corpo assim?

Não posso estar na casa de um estranho
Não posso possuir bens que não são meus
Não tenho idade para ter carta
Não tenho idade para trabalhar
Não tenho idade para barba
Não não não não não não...

Viajaste, casaste, divorciaste-te
Sofreste, fizeste sofrer
Desiludiste, foste desiludido
Foste amado, amas
Odeias, odeiam-te
E os meus sonhos?

Os meus sonhos, que é feito deles?
Porque desistimos tão cedo deles?
Os teus filhos, sim os teus filhos?
De que forma mudaste o mundo?
Porque não fizeste o que queria?
Qual é a tua desculpa, diz-me?

O fracasso é teu não meu
Quero voltar, quero ser tímido
Quero acreditar, quero sonhar
Quero ser quem era, quem sou
Quero ser a criança que sou
Desculpa-me...



Alguém ajude ao encontro!

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

EUtopia

Actos quotidianos são frequentemente acompanhados pela banda sonora perfeita. A mesma química associo ao meu livro de viagem que me acompanhou nestas últimas quatro noites. O livro, Um km de cada vez de Gonçalo Cadilhe, a viagem, Wroclaw na Polónia.



"Mas não te apresses nunca na viagem. / É melhor que ela dure muitos anos / Que sejas velho já ao ancorar na ilha / rico do que foi teu pelo caminho / e sem esperar que Ítaca te dê riquezas . / Ítaca deu-te essa viagem esplêndida (...)" (Ítaca, poema de Kavafis)

Gonçalo Cadilhe é uma descoberta pessoal com pouco mais de 1,5 anos. É com paixão, admiração, respeito e acima de tudo inveja que li cada um dos seus livros, tendo tido a oportunidade de conhecer o seu mundo, ou melhor o mundo pelos seus olhos. Preencheu um espaço na minha imaginação e tem em cada um dos seus livros fornecido combustível que reúno cuidadosamente  para um dia iniciar a minha própria utopia, a EUtopia.

Sentir-me-ia defraudado neste livro não fosse a explicação inicial do autor. Guardo como meus os motivos e parto para a descrição da minha viagem usando algumas pontes comuns usadas pelo Cadilhe. "Não quer viajar, quer apenas chegar".  "O sedentário está perdido porque tem um destino que não encontra. O nómada não procura, encontra-se no próprio acto de viajar". Nestas frases encontro o mote da minha viagem. Parti, parto sempre para chegar, mas com a esperança de me encontrar, fugindo para isso do que tento deixar para trás.

Cadilhe (GC) tem uma postura pessoal muito própria. Defende o que parecem lugares comuns, sendo no entanto autêntico e genuíno numa coerência única. Foi por ele que encontrei a melhor definição de turista em oposição a viajante. Partilho em princípio, os mesmos valores que ele defende. Como referi atrás, vou mostrar a minha viagem como se de uma estória do livro se tratasse, fazendo a minha leitura muito própria sobre ideologia do GC e os ensaios para a EUtopia.

O avião a forma mais rápida de lá chegarmos e por definição para (GC) não é viajar, porque perdemos tudo o que Ítaca dizia; para mim serve. Viajei sozinho numa forma egoísta de me por à prova, mas com rede de segurança uma vez que tinha amigos no destino. Viajar sozinho é aliciante não podemos contar com ninguém, dá-nos liberdade, obriga-nos a estar atentos, em constante estado de concentração. Inevitável o uso da linguagem gestual como meio essencial de comunicação quando falha o inglês, espanhol e até mesmo francês, seja para pedir indicações, informações sobre transportes públicos, horários de monumentos, descrição da comida no restaurante...

Viajei sozinho, cheguei ao aeroporto encontro taxista com inglês perfeito e cultura acima da média para os patamares europeus, sucedendo-se um diálogo muito interessante durante a hora de viagem até ao meu destino, que nem consigo ler na sms que mostro ao taxista. Resolvo arriscar e aceito marcação de estadia numa residência de estudantes, com a garantia de casa de banho e quarto individual. Convenço-me que sai mais barato e é uma forma de estar mais próximo da "viagem". Levo com um grego gay, num quarto onde a minha cama não caberia, sujo e onde abundam cheiros nauseabundos. Dou por mim em seguida num Hostel, ainda sem casa de banho privativa, mas com um quarto individual pequeno, mas ausente de cheiros e mais importante sem qualquer cavalo de troia que me possa atacar durante a noite. Na manhã seguinte acordo e digo que vou saltar mais uns km na "viagem", vou para um hotel com todas as comodidades.

Percorri a cidade toda, mochileiro genuino vergado ao peso nas costas onde vão o portátil, máquina fotográfica, mapas, livro, mp4, chocolates, ou seja, tudo o que um mochileiro júnior necessita. Percorro todos os locais do mapa triunfalmente e entre também nas zonas menos turísticas. Sinto o pulsar da cidade e das suas gentes. Dica, na Polónia os museus e monumentos só estão abertos de Quarta-feira a Sábado. A cidade é limpa, organizada, sem sinais do comunismo, o que aliás encaixa perfeitamente na espécie de amnésia colectiva dos polacos, parecendo que nunca foi um país comunista. Pelo que vi e conversei, são um povo desprovido de identidade pessoal, quer ao nível musical, gastronómico, arquitectónico, dividindos entre uma postura russa mas com filosofia alemã. Não primam pela simpatia mas são bastante disponíveis à abordagem sendo o domínio da língua inglesa apenas para alguns e de faixa etária baixa.



Um pouco por toda a cidade reconhece-se cicatrizes da Segunda Grande Guerra Mundial. Curiosos os pequenos duendes de bronze colocados estrategicamente em pontos chave da cidade, às centenas como medida moralizadora pelo que apurei. De facto funciona e parece alegrar os Polacos, para além que acresce de interesse a minha prospecção ocular em cada local a que vou, no sentido de capturar mais um desses divertidos seres em fotografia.



É uma cidade voltada essencialmente para a vida estudantil tendo inúmeras faculdades e estudantes estrangeiros, com forte presença latina. Como tal a diversão nocturna é forte, com música actual. A moeda Polaca o Zloty, só em 4 unidades iguala o Euro, tornando a vida mais barata em relação aos níveis portugueses sendo que apenas em vestuário e tecnologia a diferença é pouca ou nula.

De dia sozinho, de noite puxava a rede de segurança e encontrava-me com os meus amigos. Muito mais haveria a falar, condições metereológicas, locais visitados entre outros. Não era isso que me propus e retomo os passo que escolhi trilhar nestas linhas. O meu corpo pagou a minha ousadia de km sem fim, mal alimentados, com demasiado peso e sinto dores latejantes nas pernas. Revogo o meu plano final de passar uma noite em Barcelona e salto mais uns km na minha "viagem". Booking online e escolho o melhor hotel que encontro junto ao aeroporto, com SPA, e tudo o que um 4 estrelas da Europa Ocidental oferece, não olho a custos, estou em dívida para com o meu corpo. É do quatro estrelas que escrevo estas linhas.


Acordei, perguntei ao organismo como estava, avaliei a possibilidade e dei por mim no autocarro a caminho de Girona. Valeu a pena Girona é uma cidade lindíssima com passado, identidade e uma rica história arquitectónica. Aconselho vivamente uma viagem para a conhecer, nas suas muralhas, inúmeros monumentos barrocos, ruínas romanas e indícios de presença árabe. Lá em cima as muralhas, cá em baixo o rio. O mochileiro júnior, qual obra do destino encontra o mapa da cidade no chão e inicia a caça dos tesouros. Foi uma forma de recuperar alguns dos km perdidos da "viagem".

Pouco mais merece o meu esforço em decifrar. Ainda não sinto o desejo de chegar e avaliando sei que saltei imensos km nesta "viagem", se calhar não estou ainda preparado para a EUtopia; ou se calhar é mesmo esta a minha EUtopia.

Senti-me em breves trechos fugir, fugi sem me encontrar talvez por isso mesmo tenha conseguido fugir. Foi este o meu "livro de viagem", resume-se a este desejo de fuga.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Suspiros Improváveis

Sinto-me fugir
Sem nunca sair do sítio
Se me afasto cada vez mais
Porque não fujo?

Fugir correndo em direcção do nada
O nada é tudo o que me persegue
Vão pernas, fujam
Levem-nos daqui
Mas não por aí
Aí está aquilo que nos persegue
Aquilo, aquele... sou eu
Não nos entendem?
Fujam, levem-me convosco
Fujam, fujam de mim.
Prosto-me na inércia
De uma fuga sem fim.

Não abro a boca
Não quero, não preciso, não anseio
Abro os ouvidos, sim anseio, sim quero
Sou estrangeiro mudo, um entre iguais
Porque me sinto então desigual?
Nem aqui, nem algures
Imagens que me roubam imagens
Sonos que me roubam sons
Tudo destruo à ínfima partícula
Tal como mercúrio se agrega
Ganhando forma, a forma dela
De forma audível e bem visível.
Fujo...