terça-feira, 10 de novembro de 2009

Encarregado

Os outros são uma parte de nós e a vida é uma soma de todos enraízada no solo fértil do compromisso entre a vivência e a genética. O propósito de prestar um tributo alguém apaga o sentido que procuro transpor nas palavras, desvanecendo-se todo o encantamento. Seduzem-me as pessoas da mesma forma que me repelem. Seduzem-me independentemente do sexo, idade, religião, cultura, status social. Sedução única que expele o sexo da equação deixando algo mais lânguido, a apropriação da alma pela absorção da riqueza da experiência do indivíduo.
Quero falar de alguém de quem absorvi uma riqueza arábica, alguém que me aplica o pseudónimo senhor engenheiro em cada frase que me dirige. Pseudónimo porque a distância segura ele sabe distinguir a pessoa que sou, da pessoa que represento, entendendo sem o demonstrar que visto uma personagem diferente para cada cenário e só me conhece nesse mesmo cenário, embora me veja nu. Menos complicado que aparentemente parece.
Por me expor, não significa que o exporei, tanto mais que não permitirei que o propósito aqui apague qualquer traço da individualidade e seus méritos. Não o expondo, reponho o favor e ainda que o vendo nu, o seu pseudónimo será Encarregado. Tentarei manter-me fiel e seguirei uma linha orientadora colando os fragmentos que fui encontrando, até formar o objecto feito indivíduo.
O Encarregado tem 16 anos, quarta classe e educação austera. Anseia algo melhor, pede dinheiro emprestado e embarca para o fim do mundo. França o seu destino, feito comparado "Amstrongoniano", em que fim do mundo e lua colidem num só, no sentido único da barreira física do indivíduo.
Não fala palavra de francês e o único emprego que encontra é no pior dos mundos, o lixo. Na lixeira sofre os horrores justificados pela tradição da praxe. O primeiro salário tem um destino a família e a pessoa que lhe emprestou o dinheiro. Um só destino disse eu, não haja confusões, família e credor são um só, o seu pai. Na sua mente vencerá sozinho e nada deverá.
Os anos passam, tinha 16 anos já não tem. A namorada a mesma que o viu partida. Ganho o respeito pelo trabalho e sobe a pulso. A esposa essa, antes namorada, agora mulher do Encarregado. Durante longos anos ele lá ela cá, para depois ela cá, ele lá e mais um ele pequeno cá. O Encarregado tem um filho. Os anos passam e o respeito está conquistado é altura de voltar, tem agora pouco mais de 50 anos.
Eu tenho 25 anos, um horizonte pela frente direi, mas ainda tenho os pés na areia e já acho que a linha do mar está muito distante. Conheço o encarregado começo a sugar a minha riqueza da estória qual psico vampiro. A primeira conversa foi igual a todas as outras, olhos nos olhos, franqueza, honestidade e rectidão. Cinco anos trabalhamos em conjunto, cinco longos anos pautados de muitas discussões, muitas trocas acaloradas de opiniões, contudo no intervalo ou no final,sempre almoçamos, jantamos juntos e apertamos a mão, olhos nos olhos...
Absorvi tanta coisa, tantos valores profissionais e senti-me comandante de um exército. O meu Encarregado e os meus homens dariam e deram metaforicamente a sua vida. A metáfora é minha, a vida deles, como se conjugaram isso guardo-o só para mim, porque desvendar seria entregar a piratas o mapa do tesouro.
Viro uma década, o BI feitas as contas diz que tenho 30 anos. Cinco natais volvidos em que recebi, cinco garrafas de genuíno champanhe francês e ofereci cinco garrafas de vinho de porto deixo o meu exército para sozinho procurar tocar o horizonte. Parto mas trago comigo o bem mais precioso. Se há pouco não o revelei não é agora que o faço. Parti mas há o telefone, há as visitas, há os jantares, sempre com os pseudónimos, mas sempre ambos nos vendo nus...
Ontem volvidas exactamente 24 horas e alguns minutos, recebo um email que passa o spam por obra do divino espírito de alguém que não de um santo. Português macarrónico mas decifrável, poucas palavras mas de mensagem imensurável; era o encarregado. Destruo o meu pseudónimo e digo Joel para si Encarregado, convidando-o assim a destruir o seu, porque perante mim está um homem que muito respeito e admiro. Junto orgulho à equação para lhe afirmar peremptoriamente e categoricamente que alegria que aquela mensagem me fez sentir foi única. Orgulho no homem, orgulho na vontade de aprender, orgulho em ter partilhado comigo o seu primeiro email enviado. Sinto uma reacção visceral ao tentar atingir o propósito com que comecei. Essa reacção diz-me que estou muito perto de conseguir, por isso devo parar.
O Encarregado, um grande homem, um exemplo para mim...

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