terça-feira, 27 de abril de 2010

Invasões invisíveis

Sim estou aqui, não parece mas estou, aqui estou sim. Não preciso partir, simplesmente parto. Não identifico o início do processo, simplesmente parto, sempre o fiz.

Na solidão nada me prende, voo, derrubo fronteiras, supero a linha do horizonte, nenhum obstáculo me cria impossibilidades. A fuga é o radiador do meu equilíbrio exterior, de dentro para fora, toma forma uma imagem, cuja sintonia nem sempre alinha com o espírito. Os olhos voltam-se para o interior, a minha boca fala só para os meus ouvidos, o sabor esse é conhecido, e a pele, a pele fecha-se, torna-se impenetrável, uma armadura que previne qualquer intrusão e me permite a invasão.

Um dedo da mão, um dedo do pé. Depois o pé e a mão. Centímetro sobre centímetro, descolo do visível, liberto-me da forma exterior sem que esta se deforme. Eis que me espreguiço, olho agora de fora, olho uma outra vez e penso que apenas não me posso alongar demasiado, para que não percebam. Corro descalço, corro nu, levanto bem alto o joelho direito seguindo a direcção ascendente da mão esquerda, que se perde no alto do céu, impulsionada por um sorriso de infantilidade pura.

Cansaço que mais não é que equilíbrio, é o despertador que me traz de volta num percurso inverso ao inicial, em toda a forma metódico. Centímetro sobre centímetro, pé ante pé, mão ante mão. Verifico a forma como a luva que se encaixa nos dedos. Olho em volta; não entenderam penso eu, se entenderam:
"Estás bem?"
R: "Sim estou, estava distraído..."

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Alegoria da Caverna

"Sabes alguma coisa de filosofia? Podes dar-me explicações?" Foi este o ponto de partida para uma longa viagem nos confins do meu quase subconsciente.

Pelas minhas contas estava a sair da minha sexta hora de surf no fim-de-semana. Foi extenuante, desgastante, mas imensamente compensador a todos os níveis. Um sentido de rendição física e mental à força dos elementos, do mar, da água, do ar que pesa a sair dos pulmões, da gravidade que nos cola ao chão e torna o simples acto de levantar um pé após o outro, uma manobra similar aos passos do Armstrong na lua. Vindo do nada, o miudo dispara estas questões e ainda para mais na minha direcção.

Teve o mérito não de me trazer à realidade, mas de me lançar numa torrente de pensamentos. imediatamente uma imagem se compôs na minha mente. Escuridão, humidade, gemidos humanos, sons horrendos, ou talvez apenas trevas.

A percepção que temos, que tenho, é uma visão distorcida da realidade. Distorcida pelo que nós fomos, pelo que somos, por quem e pelo que nos rodeia. Assim sendo cada qual deveria ter a sua visão única, impossível de contrapor com todos os seres com que nos cruzamos. Sinfonia visual de figuras imperceptíveis.

Haja alguém que esfregue os olhos, se levante e enfrente a luz de frente. Com ela chegará a forma genuína, os contornos físicos... Se não for partilhada na coragem, será uma clarividência isolada que nada mais significará que qualquer uma das outras visões.

Se Platão e Decartes, por intercessão divina se encontrassem, diria o último: "Não existem métodos fáceis para resolver problemas difíceis!"
Ainda nem cheguei à fase de perceber quais os meus problemas, o meu demónio enganador não me permite...

"Não puto, não percebo patavina de filosofia. Fala-me é daquela esquerda que entrou e partiu o coco aos avec's armados em burros..."
Há coisas que só devem ser partilhadas no escuro da nossa solidão!

P.S.: Agora teria respondido: "Puto lê o livro O Mundo de Sofia."

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Mais do que uma viagem

Viajar mais do que uma fuga, sempre foi uma perseguição de sentidos nos quais melhor me encontro e defino. Tenho levado alguns dias a absorver as sensações da última viagem e não é fácil a distância a percorrer, que me separa de uma percepção nítida do que sinto.

Não sei onde começa, não sei onde termina, se é quente, se é frio, ou se tem mais de bom que de mau. Um prato de esparguete com várias pontas, sem que perceba por qual puxar, para esvaziar o prato e saciar a minha fome de entendimento.

Pondo alguma estrutura no diálogo monolizado, tinha apenas 7 horas de sono após uma privação de 43 horas e o telefone teimosamente toca, quando avisara que não iria trabalhar nessa manhã. O motivo, na semana seguinte esperavam-me na Polónia. Pela primeira vez recebo a notícia de uma viagem numa sensação visceral de atordoamento, arrepio na espinha e acelerar do coração, ao que poderia chamar de pânico.

O motivo, em traços gerais que não chegam para desenhar um quadro seja ele cubista, impressionista ou de qualquer outro movimento artístico, é muito simples. Não quero falar mais da minha experiência pessoal, tanto que o frio penso que todos o sentimos, o medo, o receio, a angústia, de uma forma ou outra é vivida em formas idênticas, mas doses diferentes. O vulcão, os aeroportos, as pessoas que por tudo tentam regressar a casa, e se deparam com algo que contraria o adquirido e coloca em causa as certezas que trazem conforto ao quotidiano. Também eu lá estive, também eu vivi a incerteza de voos cancelados, de viagem de carro malucas, de horas mal dormidas, de refeições frias fora de horas...

Há uma altura que rendido à fadiga, cansado, exausto me deixei levar. Foi o momento que mais me senti em sintonia com o que me rodeia. Mais intensamente sentia os outros, entrava na mente deles, sem bater à porta. Estava deitado no chão do aeroporto como tantos outros, via novos, velhos, mulheres, homens, de todas as cores e credos. Correria infernal entre placard de informações e bancas das operadores aéreas. Boatos de abertura de um voo, malas ao abandono, choros, desespero, rendições. Todo o ar fervilhada de humanidade, não havia máscaras, o mais ancestral do homem estava bem patente, tudo era visceral, fosse o odor de pânico, o suor escorrendo no rosto, os olhos raiados de sangue e cansaço, a linguagem corporal dispersa nas tremuras das certezas perdidas... E no entanto tudo se movia em estranha harmonia, como se cada indivíduo fosse uma célula de um todo maior, que era um organismo vivo de vontade própria.

A tentação foi grande, num gesto lento com receio de afugentar a "presa" e estragar o momento, inicio um movimento intuitivo e diversas vezes repetido, movimento que me coloca na mão a "arma". Disparo uns quantos "tiros" vejo pelo pequeno visor e perdeu-se algo. Tento novamente e volto verificar o resultado. O sucesso é relativo, guardo a arma, percebo que apenas consigo captar um flamingo e não o bailado de todo o grupo. Como outras vezes, a melhor imagem sinto-a na minha pele, nos meus olhos, na minha boca, nos meus ouvidos, no meu nariz. Recuperei algumas energias e juntei-me ao bailado, afinal de contas era regressar que eu queria.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Unicórnios e Moínhos de Vento

Porque terá o dia de começar quando acordamos? Decidi que o meu começa quando me deito. Assim, no último dia, neste dia, pouco antes de fechar os olhos, regressou à mente um pensamento de um passado recente: "Por uma vez queria ter algo mais na caixa de correio para além de facturas a pagar e publicidade!"

Entre livros, sacos de compras, mochila do ginásio e chaves, vejo-me forçado a "carregar" a merda das contas e publicidade de coisas que me querem fazer acreditar que necessito.

"Já passou mais um mês?! Pensava que tinha aderido à factura electrónica." Carrego no elevador, deixo cair papeis, apanho-os; cai outra merda qualquer, não importa o quê, mas raios me partam se não é alguma entidade que está a pregar-me uma partida.

Empurro a chave pela porta, consigo rodar qual acrobata de circo a segurar tudo nos braços. O tapete já sabe o que o espera, lanço tudo sem apelo nem agrado por cima dele. Fecho a porta, descalço-me, respiro fundo: Estou em casa.

Video porteiro tem aquela luzinha que assinala que alguém tocou. Quem será?! Não sejas parvo (penso eu na cama), deve ser algum fiscal para ver os contadores ou o gajo da TV Cabo.

Há aqueles que perseguem um unicórnio toda a vida e há os que contra moínhos de vento lutam. Não sei qual o meu unicórnio e não sou nenhum nobre que no último dos sacrifícios abandona tudo quanto tem para combater o mal onde ninguém o encontra.

Sem moínhos e sem animais mitológicos, preferia ser o Sancho Pança, que seguiu o seu mestre num sonho e numa batalha que não era a sua, ou seria?! Eu sei onde quero que a vida me leve, terei a coragem de a seguir?

O meu dia está mesmo mesmo a começar e eu tenho tanto sonoooo...

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Final de uma adopção

Com enorme satisfação recebi as novidades, uma alegria pura e contagiante. Antes disso... Foram alguns anos de companhia, de mimos, de intencionalidade parental, de uma presença marcante. Durante muito tempo foram papás adoptivos, oferecendo conforto e tranquilidade, para além de comida e cerveja claro...

Não me permito alongar muito mais, hoje é marcado o fim de um círculo deixei de ser filho adoptivo, a notícia foi-me dada como estando um mano a caminho, ao que prontamente disse que preferia ser tio e não irmão. Com comoção viro a página, com a certeza que fui um bom tubo de ensaio para os desafios que estes jovens pais terão de enfrentar nesta aventura que se chama paternidade.

Não resisto a partilhar um dos emails que lhes enviava...

"Queridos pais adoptivos:

Ontem apesar dos vossos receios, portei-me muito bem no Azurara Energie 2008 e deitei-me nao era muito tarde.

"Aquilo" estava muito cheio, com meninos na generalidade mais novos que eu. Alguns devem ter comido coisas estragadas porque vomitavam muito, logo não toquei na comida...

Outros hoje não vão comer sobremesa à refeição, porque se portaram muito mal e beberam muito. Eu bebi pouco...

Havia ainda quem se estivesse doente, mas bastava tomarem um comprimido que ficavam logo curados, com vontade de dançar e com muita sede. Felizmente não precisei de nada...

Por todo o lado vi a malta a destruir cigarros. Felizmente que sabem que aquilo faz mal. Estranho é que depois queimavam umas barras cor de chocolate e enrolavam novamente. Tinha um cheiro esquisito. Acho que fiquei enjoado, não como mais chocolate...

Mas o que mais gostei foi de ver muito a fazer bulhas na areia aos pares e no final ficavam abraçados, penso que por causa do frio. Não brinquei com ninguém para não sujar a roupa...

Estavam a dar palhinhas, mas eram muito curtas para beber. Na embalagem das palhinhas tinha uma imagem que mostrava que era para meter no nariz, deve ser nova moda. Tentei mas não gostei, magoava..."

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Os primeiros passos

A imagem invade-me como se o ontem fosse presente. Ela cambaleava desgovernadamente pelos corredores da escola, sendo os olhos a única parte sóbria do seu organismo rebelde, sóbrios numa autonomia que implorava socorro. Ela a minha professora de Filosofia, a tirania uma doença, Esclerose Múltipla. Dos pergaminhos dos livros de Filosofia, ela a professora, ressuscitou em mim o desejo de escrever. Não questionou a forma como opto expor o que pretendo, não foi pedopsicóloga, simplesmente contemplou e limpou o caminho do sim, que me permitiu seguir o meu trajecto.

Recuando um pouco mais, para as primeiras letras escritas em papel para corrigir a ortografia, mas que disciplina alguma trouxe às formas que a minha mão direita sempre foi desenhando. “Não tinha ninguém, estava sozinho”, assim terminava a minha composição da terceira classe. Texto surpreendente de uma maturidade impressionante disse a professora aos meus pais. O vendedor de castanhas, as cores do Outono, o frio, as crianças que passeavam com os pais. Era só uma criança e as crianças têm de sorrir… Obrigaram-me a reescrever a estória, onde alguém comprava um cone de castanhas e o vendedor ainda sozinho, estava agora feliz.

Os anos passaram, outros registos se sucederam sempre com tentativas de perceberem o porquê de algo tão cinzento nas palavras que tomavam como minhas, mas mais não eram que meras escolhas enumeradas em simetrias mais ou menos conscientes.

Houve uma revolta, fora acusado de plágio a forma apaixonada como descrevia campos de batalha, a febre irracional de violência dos homens, a frieza comovente de soldados esventrados chorando lágrimas de criança chamando a sua progenitora, a infâmia da violência sem motivos, tudo me valeu uma ridiculização. Em momento algum me esforcei por negar os factos porque era acusado, já no passado o fizera e de nada me valera, apenas questionei se estava bem redigido e se visualizaram. Seguiu-se um silêncio, para mim foi o bastante… Obrigado à jornalista por ter acreditado, obrigado por me ter defendido, mas não era necessário. Ela, a jornalista marcou uma decisão da minha vida, não iria seguir letras na faculdade, porque não me iria defender nunca, mas as batalhas decorreriam como decorrem na minha mente e só eu decido se dou uma vida fora dela ou não, pela escrita.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Nome de Código: Tuga

Foi escrito já algum tempo mas continua muito actual, se haverá algum dia que o deixe de ser...

Podia ser uma frase de incitação a um anúncio publicitário de um desodorizante, que não vou referir o nome por razões óbvias... Não me lembro do nome...

Mas então e se um desconhecido te oferecer flores?

1) Pedes-lhe também uma jarra para as colocar
2) Pensas: finalmente o esforço do ginásio está a dar resultado, o rabo nestas calças e as mamas neste decote ja fazem estragos
3) Gritas: socorro acudam-me estou prestes a ser atacado por um freak
4) Olhas para o lado e finges que não é contigo e se não resultar dizes que não tens trocos
5) Ainda não pensaste sequer numa situação dessas.

Pois é, perdi algum tempo a pensar nisto e a minha aposta de maioria de respostas não é animadora.

Façam o exercício ao contrário e coloquem-se no papel de quem oferece as flores. Pensem o que vos motivaria, pensem na coragem que requer abordar alguém. O que custa ser original, ter piada, tocar nos pontos certos e porquê o fariam. Por causa de um simples sorriso, na forma como ela afasta o cabelo da frente dos olhos, pelo olhar...

A minha frustante revolta aumenta quando penso na mulher portuguesa, que eu energeticamente designo por TUGA. Odeio quase tudo na postura da TUGA, quase tudo. A mulher TUGA nunca usaria a primeira resposta, NUNCA!

É viajar um pouco para perceber a diferença que é muita...

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Onde Vais???

"Onde vais?" Recordo-me eu de ter ouvido e pensei: onde fui?!

A necessidade de impressionar o chefe, não pela relação hierarquica, mas pela pessoa, pela experiência, pelo trajecto de vida saiu hoje abalada. Digo: cuidado que escorrega!

E saio disparado para o carro tentando evitar a chuva. Contorno a traseira do carro e dou o tombo da minha vida... Ouço: "Onde vais?!" Tão depressa caio, como me ponho a pé e um estrondoso FODA-SEEEEEEEEEEEEEEE ecoa pelo mais profundo do meu ser interior. na boca só se vê um sorriso.

A cena já é lamentavel o suficiente e é agravada por ter sido assistida por dezenas de pessoas, que viram a sua refeição ser coroada com um idiota que se espalha ao comprido numa merda de uma poça. Olha e penso: "QUE CARALHO DE MERDA, nunca mais cá venho almoçar!"

O balanço mostra um cotovelo toda amassado, todo o corpo do lado direito dorido, mas pior que tudo, e isso não há soro fisiológico nem betadine que cure, a dignidade destruída...

Chego ao gabinete, oriento um polo, umas calças de trabalho da empresa 4 numeros acima; meto papel para nao sentir a humidade dos boxers molhados; respiro fundo e penso em trabalhar e passar as 4 horas que me faltam para o fim-de-semana. Levanto-me e o gozo total, desta vez pelas calças. Pareço um palhaço, dizem eles. Penso para mim: PUTA QUE PARIU hoje não é mesmo o meu dia!

Caso para perguntar: "Onde vais?!" Ao que responderia: "Se soubesse, se soubesse..."

Onde vais?! Poderia simplesmente ter terminado assim, mas não...

Começa o meu dia finalmente, são 18h! O habitual berro interiorizado ao cumprimentar os vigilantes de serviço e passar o portão das instalações.

Sucedem-se as ideias do que fazer. Apesar de magoado fisica e mentalmente nada me pára, afinal é sexta-feira e eu "estamos eléctricos". Eis que reparo na indumentária... Calças com faxas luminosas, risca ginásio, risca qualquer lugar social... Porquê não sei.

Amuado recordo-me que posso ir levantar novo livro; esqueço-me da indumentária e entro alegre pela biblioteca dentro. Olhares cruzam-se e apontam num só sentido, espera lá é em mim. Procedimento como fiz várias vezes e olham na mesma. O livro que quero está requisitado. Começo a ficar irritado, resolvo "atacar".

Kafka tem?
B: Isso é?
Literatura checa.
B: É para si.
Não é para o meu filho. Ainda só lê esta literatura ligth mas qualquer dia já lê o mesmo que eu. (esta confesso não disse)
(em vez disso) Sim, "O processo" de Kafka pf.

Ainda me recordo de tecer algumas considerações do "metamorfose" que "odiei mas que apercebi no final que me tocou de forma única e inexplicável, mesmo repugnante e que penso ser essa a vontade do autor". Podia ter falado na traição do amigo que publicou os 4 livros após a sua morte contra a sua vontade... Não foi preciso, o que aparenta não é - ficou bem evidente.

Corrida "forte a forte", excelente música, o corpo não reclama. Termino, encho os pulmões de ar, de mar, de iodo e sou brindado com um fabuloso por-de-sol e ninguém com quem partilhar. Melhor assim...

Igual ao por-de-sol que a "coisa insecto" via do seu quarto e que lhe trazia significado!"