Caótica a torrente de ideias, aglomerando-se numa nuvem densa de profusões, desprovida de significado, mas com enorme conteúdo.
Estória, conto, relato, diário... primeira pessoa, segunda pessoa, singular ou plural. Não encontro uma linha de raciocínio e temo esvaziar conteúdo desconexo com os intentos, permitindo-me rodear, acercar, impregnar nesta nuvem. À minha frente o prato com a sopa de letras, nas minhas mãos a colher; as ideias estão lá, a colher não encontra solução no emaranhado e relutantemente avança. Surjam como surjam, o sabor e o significado são os mesmos...
Curiosa a forma como uma imagem, abraça uma realidade bem mais vasta do que é retratado. Pudesse escolher uma imagem e não seria certamente essa, mas desta feita foi a imagem que me escolheu a mim. A obstinação por captar todo o génio; era uma vez no Museu do Prado... Mergulhar de cabeça num mar magnífico, rodeado de belezas indecifráveis ao vulnerável olho e mente humana. Debater contra toda a exaustão do organismo, física e anímica, afugentando a ideia de voltar à superfície onde a atmosfera me é mais familiar e respirável. Sem ar nos pulmões, com os músculos sem réstia de energia, arrastamo-nos sala ante sala, no labiríntico cenário de orgia artística, buscando a imagem que desconhecia, mas com uma profusão invisível me atraía.
A última sala, o último amontoado de gente... Depois disto levitarei, em distâncias e espaços imemoráveis, pelo pronúncio de conforto do estômago, descanso da carruagem que sentiu cada pedra da calçada percorrida. Tri-partida e una simultaneamente, sentido lógico da esquerda para a direita, maior dimensão central. A dimensão não ordena, a sequência é errática, as cores prosperam identicamente. Calor dá lugar ao gelo, conforto substituído por repúdio, alucinação por receio, reconhecimento com subtracção de identificação. Perco-me em tempos, em espaços e em vazios, oscilando entre a catalogação de loucura, ou a partilha quântica.
Compreendo a inquisição, sim compreendo-a, acho um significado. Uma compreensão circunscrita a esta situação, mas dilatada no esoterismo que daí extravasa. Divino, carnal, demoníaco, ou inocência, despertar, arcar consequências, ou, puro, devasso, humano... Acercar-me do pormenor seria acreditar capaz de penetrar no génesis de um vulcão e sair incólume, devassar a autenticidade de autor, lobotomizar a sua nascente de criatividade, sodomizar, a visão. Não me posso esquecer que não escolhi, fui escolhido.
Pela obra não chego ao autor, pois há algum tempo julgo que o autor que busco nada é mais que a caneta, o martelo, o pincel, o instrumento musical. O autor esse, pelo anonimato encontra a plenitude dos seus intentos. Traçados paralelos no tempo, encontro-me atravessar as mesmas pontes de Bosch. Figura contraditória e moralmente herege da obra. Clandestino com existência pública, indigente opulento, casto na devassidão.
Parco em palavras que permitam suprimir a distância necessária à verbalização dos sentidos. Sinto construir o meu eu progressivamente, pelas experiências que recolho de diferentes índoles e vou adicionando terra ao meu país, conquistada a ferros ao mar. Naquelas salas labirínticas pisei solo que sabia existir, mas que até agora estava submerso por água. A insegurança de pisar algo virgem e aparentemente instável, depressa é arrebatada pela ânsia de assimilar tudo, construir diques, erguer muralhas para que o que é meu, já mais me seja tirado. Algum dia terei de parar, voltar-me e cultivar as terras férteis conquistadas, ou para que as servirá para além do culto de império. Não é ainda esse o momento e mais longe tenho de ir, para calar este desassossego que me inebria intensamente a mente.

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