quarta-feira, 29 de setembro de 2010

A Pedra

Caminho pela praia. Os meus pés servem os meus olhos, que por sua vez tentam deslumbrar o desejo da minha mente. Os ouvidos mantêm a uma distância prudente o emolduramento dos sons. As mãos aguardam a instrução de avançar.

Encontro mas não procuro. O que procuro apenas julgo saber. A sua forma, o seu tamanho, a sua cor, a sua textura, o seu peso, a sua temperatura. Não procuro o que encontro, mas encontro sem o procurar.

Concentrado prossigo, a mente ordenando, os olhos procurando, as mãos atentas. A forma está próxima, agarro, aproximo dos olhos, mas não é esta a pedra, no entanto carrego-a. Prossigo, uns passos adiante encontro um tamanho, mas não o tamanho. Caminho agora com duas pedras na mão. A cor, a textura, o peso, a temperatura, duas ou mais, nenhuma, quase todas, quase nenhuma; tudo próximo para ser encontrado e tudo longe de ser o objecto da busca.

Caminho agora pesado, as mãos feito gesto de embalar, vacilam no receio de deixar cair uma pedra que seja, num passo mais penitente dos pés. De repente fico estático, tudo parece conferir, a temperatura, o peso, a textura, a cor, o tamanho, a forma. Todas, tudo, será realmente? Os olhos clamam pelas mãos e as mãos questionam o que fazer. As costas cedem um pouco para trazer um pouco mais próximo do campo de visão, até que o ameaçar de desmoronamento das pedras que transporto, provocam a erecção. Os pés imóveis, as mãos cansadas mas obedientes, os olhos perdidos, a mente indecisa. A mente não se pronuncia, os olhos fecham, as mãos voltam a ponta dos dedos para o chão e os pés descem com o seu peito colocando-me sobre os joelhos. Prontamente abrem os olhos, imediatamente surge a ordem da mente para as mãos. Estas são muito rápidas, demasiado rápidas, os olhos não conseguem analisar tão rápido...

Onde está ela, onde está? Soterrada entre muitas parecidas, o que parece raramente é como imagino. Procuro, procuro e não encontro. Sei que está lá, ou será que sei mesmo?! Os joelhos clamam misericórdia, os olhos enublam de lágrimas que atraiçoam, as mãos consolam os olhos secando a água, a mente essa exaspera contra tamanha insolência. Já não encontro, mas também não procuro, caminho novamente só, caminho novamente eu!

O que custa sonhar? O mesmo que existir...

sábado, 18 de setembro de 2010

Sazonalidade

O Outono chegou antes de mim, sim ele chegou antes de mim. O Verão, o Verão esse chega sempre atrasado. Mas o meu Verão é agora. Olho em volta e todos se despedem dele e eu sinto-o chegar, sinto o calor aquecer-me a pele, vejo o sol brilhar, encho as narinas da leve, refrescante e inebriante maresia.

Estaciono o carro onde sempre estaciono, não tenho de concorrer por um qualquer outro espaço longe da praia. A paz que procuro na praia depende muito mais de mim, do que a lotaria das pessoas que se deitarão ao meu lado. As bolas que saltam, os miúdos que correm e lançam areia, os berros da música, a frequência aguda das gargantas humanas mais novas. Será egoísmo pedir tudo para mim, mesmo furando a sazonalidade do hemisfério norte?

As festas com dress codes, com guest list, com pulseiras; a actriz A ou B, a modelo X ou Y, o jogador da bola; DJ, engolidores de fogo, tanto me faz... Tudo isso foi-se porque o meu Verão não precisa deles. Para além de mim os outros figurinos encaixam-se na paisagem naturalmente, seja o pescador sempre de rosto voltado para o mar aguardando pacientemente algo da outra ponta da linha, que nem será um peixe. Ou os namorados que alternam passos atrapalhados na vergonha, com pegadas mais profundas na areia para um círculo de areia todo remexida, onde antecipo posteriormente abraços, beijos e segredos com juras do amanhã que morrem muitas vezes no hoje. Ou o individuo solitário que liberta gritos sufocados inaudíveis em que só se adivinha a pergunto do porquê no rosto, vezes sem conta, seja qual for o motivo da miséria tristeza. Ou qualquer outro interprete que merece tanto este Verão quanto eu.

Recuso o entardecer, pois esperei muito por este momento e mereço mais um pouco. Não quero ver o sol definhar, abençoo o por do sol com uma força só superada pela forma como amaldiço-o o por-do-sol. A sensação, sofridão, angústia de miúdo que tenta gozar os últimos momentos das férias grandes, poucos dias antes de regressar à escola. A coragem botada ao fracasso de tentar em poucos dias fazer tudo o que traçou de objectivos para aquele Verão, sair, passar tempo com os amigos, viajar, apaixonar-me, e tantos mas tantos sonhos e desejos...

Talvez o meu Verão esteja a partir e o Outono a chegar, e isso não posso evitar, não tenho é de cá estar para me despedir de um e receber o outro...

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Repulsa e atracção

Sou uma matéria entre energias. Insignificante na massa, insignificante no número mas com existência. Estou num campo de forças, num equilíbrio precário. Sou electrão no átomo, átomo na molécula. Reajo aos estímulos externos, ao calor, ao frio, ao amor e ao ódio.

Procuro afinidade entre protões e combato veememente electrões. Sou menos e quero mais, e do mais depende a minha estabilidade. Encontro-a a breves trechos numa escala de tempo não mensurável pela mecânica quântica dos tablóides. A ligação com o protãodepende menos da afinidade e mais da repulsa pelos outros electrões. Surge um estímulo exterior cai a ligação e fico de novo numa liberdade precária, que julgo conduzir quando não sou mais que arremessado. Acelero progressivamente, armazeno uma quantidade enorme de energia anímica vital, atropelo electrões, ignoro protões, sou imune aos estímulos exteriores.

A energia é consumida, fico desgastado, abrando. Sufoco, impludo, e tenho de escolher. Entre o combate e a união escolho a união. Nos primeiros instantes de tranquilidade, digo que estou farto de cargas, quero ser neutro, quero ser estável, quero sair da tabela periódica e ser representado como uma parte do todo e não como um todo que não faz parte de nada. Isso nos primeiros instantes.

O círculo recomeça, movido por vontades que não encontro origem. Penso, o que posso eu ser, o que posso eu fazer?!