sexta-feira, 16 de julho de 2010

DJ de letras

Aqui estou, segundos após o mata desassossegos, ao som de uma bala que sai da cabeça, entra na espingarda, liberta o dedo do gatilho e retrocede a verdade da música, a um inconfundível grito de manifesta revolta. Ecos do passado que me insubordinam perante o que presente me apresenta.

Estou aqui, sim estou e os meus dedos respondem ao estímulo que não sei de onde surge, mas me encaminha rapidamente num percurso que libertará porções de descontentamento, porções essas ainda assim não saciam a voracidade do monstro, que cresce dentro de mim e se apodera da minha esperança.

Hoje há um sentido há este sentido. Letra após letra surge um alinhamento que me trás a tranquilidade momentânea. Questão de ritmo, de cadência, de imprudente partilha, ou desorientadora e ardilosa armadilha. Assim é a pauta, assim cresce linha após linha, frase após frase, parágrafo após parágrafo, ideia após ideia. Tudo se articula melodicamente sem arrogância de ser compreendido, sem o pretensiosismo de manifestar reconhecimento.

Passa a música que não é minha, mas à qual empresto a minha alma e a minha inquietude. Passa e eu ouço, ouço e não gosto mas toco e gosto de tocar. Em êxtase acelero para o final. Não aguardo manifestações, não aguardo correspondência. Talvez um comment aqui e além. Agradeço o esforço de compreensão, agradeço. Agradeço ainda mais o sentido de humanidade, da forma que eu sei e encontro.

São muitas as semelhanças, mas muitas mais as diferenças com um DJ. De diferenças julgo eu marcada a minha vida. As semelhanças essas, esgotam-me na procura frustrada. A música terminou, mas o meu corpo, a minha alma vacilam na insatisfação. Permitirei não, que o monstro se apodere. Não hoje, não agora, que me bastam estes poucos minutos a arrumar os discos como se fossem palavras.

Mata desassossego, dedo no gatilho, bala toma o seu caminho e aloja-se na cabeça... A last wish...

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Cinema Passadiço

A sala do cinema está vazia. Do lado de fora deambulo em redor da porta na decisão de entrar. A sala está vazia e a metragem que me espera, não guarda qualquer surpresa, não fosse eu o seu protagonista. Porque então não recuar?!

Transpondo para uma verdadeira sala de cinema, para um filme de verdade mas que de pouco encerra a realidade, segue-se a estória. Seria fácil numa pesquisa no google e recordo que se não está lá é porque não existe, para decifrar qual o filme. No entanto use-se a manta de retalhas a que a minha memória permite. Um tipo dentista, um amigo obcecado por sexo. Um mito urbano que surge em que ele seria a chave do El Dorado das mulheres, ou seja, após uma fútil noite de sexo com ele, aguardaria-as o verdadeiro amor da vida. A a "vilã" da estória, a bióloga desastrada, apaixonada por pinguins, que quase o mata no processo de o prender definitivamente à maldição do mito. Surge então a maldição, se ela se apaixona ele será apenas a chave que abre a porta e não a recompensa para lá dessa mesma porta. Entra na parvoíce, entra no exagero, sufoca e faz o que tem de fazer, liberta-a. O filme deixaria de ser quase real para ser mesmo real, se terminasse aqui, como tal de volta à sala de cinema em que roda o meu filme.

As relações amorosas, as mulheres. Acredito que nesta fase da vida nós homens, ou talvez apenas eu homem, no fundo buscamos ou busco na companheira, características e qualidades que só as nossas mães nos souberam dar. Seja o carinho, seja atenção que nos faz sentir únicos e especiais no mundo, seja olharem para nós como se fossemos os mais bonitos de todos.

Estou numa idade, que prefiro uma tarde bem passada com os amigos na praia a uma noite de futilidades e de caça para saciar a libido. Julgo que deixamos de nos preocupar com a barriga crescer, aliás ganhamos esse direito. A conquista desse direito surge pelo que vivemos, pelo que experimentamos, pelo dever de nos comportarmos como verdadeiros animais em época de cio, lutando com todos os meios para procriar e vencer os opositores.

Conquistado o direito, deveria prevalecer harmonia e equilíbrio. Focando atenção em aspectos mais realizativos e edipianos. Quando surge alguma parceira por entre o grupo de "velhos" machos, aparentemente vencidos, mas triunfantes na sobrevivência, vemos a nossa progenitora aproximar-se. É como uma infância que caminha para mim, a mão que passa no cabelo, o beijo que acalma a dor da ferida após o trambolhão, a palavra terna e calma que apazigua o espírito. E tratamos da nossa mãe, tratamos da nossa companheira, como se o mito estivesse em perseguição e esse súbito rejuvenescimento nos fugisse por entre os dedos da mão. Deixa aqui o mito de ser realidade, porque não é areia, não é água, é impossível segurar entre os dedos, porque não é material e esfumace, apenas existe na imaginação. Aqui termina o filme, ou melhor, prossegue no campo da ficção.

Tentei sair de mim para melhor me entender. Para lá chegar mais depressa nada com libertar bagagem. Não fosse o excesso deixado para trás o firewall, as defesas que me sempre me socorreram, num fundo a carapaça, e não haveria risco. Escorreguei ligeiramente e magoei-me. Instintivamente corro em sentido contrário do que tomara, só para chegar ao ponto de partida, onde o excesso de bagagem deveria ter sido a única bagagem. O meu corpo está alterado, a carapaça não me serve, com esforço ainda lá entro mas é desconfortável. Invadem-me dois pensamentos, ou fico onde estou aguardando em estado de vigília absoluta, até que o corpo recupere e retome a minha concha, ou devo prosseguir caminho. Prosseguindo caminho com a bagagem que antes libertara, o mais certo será novo tombo que danificará o casulo irremediavelmente; seguir sozinho é a opção mais arrojada, exige que caia inúmeras vezes até que no lugar dos hematomas, das lesões, das fracturas, surja um calo tal que me ajude a vencer.

Mas é um dilema, não tenho de o pragmatizar, quanto mais optar. Apetece-me sair da sala, não da pseudo real, mas a da minha película, mas o filme nem a meio vai. Porém num forward chego a um momento ainda longe do fim no qual surge:

O que amo perco.
Para quê então continuar?
Já te disse, mais não te alerto
Quero continuar amar?
Sim, não, já deverias saber
Porque não ficar por aqui?
Não, sim, só tens do ser.

A culpa é toda minha... "O único verdadeiro conhecimento atingível pelo homem, é que a vida não tem significados"... (tradução pessoal de Tolstoi)