terça-feira, 24 de setembro de 2013

Morte de uma era

Morreu, ela morreu. Morreu a minha infância. Vítima da morte dos pais, não dos meus, mas dos que me são próximos.

Aquela ponte que me transporta da margem do real para o imaginário, um imaginário que existiu num passado nosso. A ponte que só eu vejo e mais ninguém atravessa. A ponte cuja travessia me leva a um mundo onde mais ninguém existe.

A imortalidade que julgamos ser transportada pelos progenitores esfuma-se num mar de ilusões e na propriedade perdida que reclamo como minha - a infância.

Pelos meus pais sou criança, pelos meus pais sou infantil. Faço birra, choro, rio, digo disparates. Só choro convosco e não julguei algum dia ter de chorar por vocês. Choro agora para não mais chorar. Não vos quero deixar partir, não quero, não deixo, não partam por favor... Não façam como os pais dos que me são próximos. Não vocês não, vivam, deixem-me partir antes. Não não é egoísmo, lembrem-se sou a vossa criança, tudo me é devido, tudo me é permitido. Deixem-me morrer antes, antes que morra a minha infância, porque sem ela julgo-me já morto!

Quero ser criança ainda que a espaços. Quero alguém que me recorde da criança que fui, para que seja agora a criança que desejam. Sou fraco de memória, mas há sensações que teimosamente se agarram como farpas nos dedos incautos, do artesão que esculpe a vida que julga ser a desejada. Acendei-me a memória!

Que dor, mas que dor nos olhos que não são meus, mas que mais parecem transportar a imagem interior da minha alma. Vai um, parte outro, vocês choram e choram. Quem me dera puder trazer os vossos pais de volta, quem me dera que fossem a infância vos fosse devolvida. Mas mais quero não perder a minha. Na vossa dor o meu medo, no vosso sofrimento o meu horror, na vossa angústia a minha ansiedade.

Deste ponto em diante não mais posso ignorar. Ignorar não quero, apenas que me ignorem. Sim quero isso... Quero que me voltem costas quando escolher atravessar uma vez mais aquela ponte que ninguém vê, nem eu sei se ainda lá está. Quero que me esqueçam, porque na outra margem da ilusão, perdido na infância estarei e aí serei eterno...

Não vocês não, vivam, deixem-me partir antes. Não não é egoísmo, lembrem-se sou a vossa criança, tudo me é devido, tudo me é permitido. Deixem-me morrer antes, antes que morra a minha infância, porque sem ela julgo-me já morto!